quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Dilema atroz

O juiz deve julgar os casos que lhe são submetidos com o objetivo de cumprir a lei ou de fazer justiça? Estranhamente, as duas posições são perigosas.

Se o magistrado se dá o direito de passar por cima das normas escritas e dos precedentes para decidir segundo sua consciência, acabou-se a segurança jurídica. O direito brotaria da cabeça do juiz, e não mais de um sistema de repartição de Poderes, como convém às democracias.

Se, por outro lado, o julgador se prende ao texto da lei, ignorando as consequências de suas sentenças, pode cometer as piores injustiças. É nessa situação que está o TSE, que precisa decidir se vai ou não conferir registro de partido político à Rede.

O grupo liderado por Marina Silva não foi capaz de apresentar as 490 mil assinaturas certificadas por cartório que a lei exige. Mas, se trocarmos as lentes do formalismo jurídico pelas da análise política, é uma piada o TSE conceder reconhecimento aos recém-criados Solidariedade e Pros, que ficam em algum lugar entre a legenda de aluguel e o partido de ocasião, e negá-lo à Rede, a única coisa parecida com uma organização política com ideologia distinguível e certa representatividade a surgir no Brasil nas últimas décadas.

O problema de origem aqui é a lei, que parece especialmente estúpida. É preciso muito amor pela burocracia para achar que coletar centenas de milhares de assinaturas de eleitores e certificá-las num cartório possa ser resposta racional a qualquer problema. Existem alternativas. Minha favorita é tornar totalmente livre a criação de legendas, mas só repassar verbas do Fundo Partidário às que obtivessem desempenho mínimo.

Voltando à Rede, a incompetência organizacional dos sonháticos põe o TSE numa sinuca de bico. Ou rasga a lei, ou comete flagrante injustiça. Penso que, se alguém tem legitimidade para ignorar formalismos, são as cortes superiores. Providenciar o pretexto jurídico é a parte fácil.


HÉLIO SCHWARTSMAN
Folha de São Paulo

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