O juiz deve julgar os casos que
lhe são submetidos com o objetivo de cumprir a lei ou de fazer justiça?
Estranhamente, as duas posições são perigosas.
Se o magistrado se dá o direito de passar por
cima das normas escritas e dos precedentes para decidir segundo sua consciência,
acabou-se a segurança jurídica. O direito brotaria da cabeça do juiz, e
não mais de um sistema de repartição de Poderes, como convém às
democracias.
Se, por outro lado, o julgador se prende ao
texto da lei, ignorando as consequências de suas sentenças, pode cometer as
piores injustiças. É nessa situação que está o TSE, que precisa
decidir se vai ou não conferir registro de partido político à Rede.
O grupo liderado por Marina Silva não
foi capaz de apresentar as 490 mil assinaturas certificadas por cartório que a
lei exige. Mas, se trocarmos as lentes do formalismo jurídico pelas da
análise política, é uma piada o TSE conceder reconhecimento aos recém-criados
Solidariedade e Pros, que ficam em algum lugar entre a legenda de aluguel e o
partido de ocasião, e negá-lo à Rede, a única coisa parecida com uma organização
política com ideologia distinguível e certa representatividade a surgir no
Brasil nas últimas décadas.
O problema de origem aqui é a lei, que
parece especialmente estúpida. É preciso muito amor pela burocracia para
achar que coletar centenas de milhares de assinaturas de eleitores e
certificá-las num cartório possa ser resposta racional a qualquer problema.
Existem alternativas. Minha favorita é tornar totalmente livre a criação
de legendas, mas só repassar verbas do Fundo Partidário às que obtivessem
desempenho mínimo.
Voltando à Rede, a incompetência
organizacional dos sonháticos põe o TSE numa sinuca de bico. Ou rasga a lei, ou
comete flagrante injustiça. Penso que, se alguém tem legitimidade para ignorar
formalismos, são as cortes superiores. Providenciar o pretexto jurídico é a
parte fácil.
HÉLIO SCHWARTSMAN
Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário