segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Como Nasrudin criou a verdade

— As leis não fazem com que as pessoas fiquem melhores — disse Nasrudin ao Rei. — Elas precisam, antes, praticar certas coisas de maneira a entrar em sintonia com a verdade interior, que se assemelha apenas levemente à verdade aparente.

O Rei, no entanto, decidiu que ele poderia, sim, fazer com que as pessoas observassem a verdade, que poderia fazê-las observar a autenticidade — e assim o faria.

O acesso a sua cidade dava-se através de uma ponte. Sobre ela, o Rei ordenou que fosse construída uma forca.

Quando os portões foram abertos, na alvorada do dia seguinte, o Chefe da Guarda estava a postos em frente de um pelotão para testar todos os que por ali passassem. Um edital fora imediatamente publicado: "Todos serão interrogados. Aquele que falar a verdade terá seu ingresso na cidade permitido. Caso mentir, será enforcado."

Nasrudin, na ponte entre alguns populares, deu um passo à frente e começou a cruzar a ponte.

— Onde o senhor pensa que vai? — perguntou o Chefe da Guarda.

— Estou a caminho da forca — respondeu Nasradin, calmamente.

— Não acredito no que está dizendo!

— Muito bem, se eu estiver mentindo, pode me enforcar.

— Mas se o enforcarmos por mentir, faremos com que aquilo que disse seja verdade!

— Isso mesmo - respondeu Nasrudin, sentindo-se vitorioso. — Agora vocês já sabem o que é a verdade: é apenas a sua verdade.
 

O Mullá Nasrudin (Khawajah Nasr Al-Din) escreveu, no século XIV em que viveu, histórias onde ele mesmo era personagem. São histórias que atravessaram fronteiras desde sua época, enraizando-se em várias culturas. Elas compõem um imenso conjunto que integra a chamada Tradição Sufi, ou o Sufismo, seita religiosa ou de sabedoria de vida, de antiga tradição persa e que se espalha pelo mundo até hoje. Como o budismo e o zen-budismo, o sufismo sempre aliou o (bom) humor com sabedoria.

O texto acima foi publicado no livro “Histoires de Nasroudin”, Éditions Dervish, s.d., e extraído do livro “Os 100 melhores contos de humor da literatura universal”, Ediouro – Rio de Janeiro, 2001, pág. 50. Organização de Flávio Moreira da Costa.

Frase

Não conseguimos imaginar um líder popular como Mahathma Gandhi passando seus fins de semana num luxuoso sítio em uma Atibaia local; ou que Nelson Mandela namore um tríplex na praia do Guarujá de Capetown.

Cacá Diegues, cineasta

Iraniana votando

Foto: Ebrahim Noroozi.

A fala paraibana

Dias atrás postei aqui um artigo onde comentava algumas expressões que me pareciam totalmente campinenses ou paraibanas. Penso nelas assim porque foi em Campina que as ouvi pela primeira vez, e muito pouco em outros lugares. Muitos leitores, de outros Estados, demonstraram conhecê-las há muito tempo, tê-las como típicas de sua região de origem. Serão brasileiras por inteiro? Serão uma compreensível assimilação da fala nordestina, a região que mais exporta falantes para o resto do Brasil? Não dá pra saber, mas aqui vão outros exemplos do meu Dicionário da Fala Paraibana.

“Andar de urubu baleado”: Um andar oscilante, sestroso e artificial, com as pernas meio arqueadas, usados por "playboys" de subúrbio ou por malandros de zona. "De vez em quando a gente está por ali, tomando uma cervejinha, aí de repente chega Fulano, com aquele andar de urubu baleado, usando óculos escuros de noite e mastigando um palito."  Variante: “Andar de urubu cangueiro”.

“Dar ponto”: Aprovar. “Ih, rapaz, dei ponto a essa sua camisa! Muito bonita!”  “Dei ponto à atitude de Fulano, eu não esperava outra coisa dele”.  Também se usa, no sentido passivo, “ganhar” e “perder ponto”.  “Fulano ganhou ponto comigo depois daquele discurso que ele fez”.  “Tome cuidado, que toda vez que você faz uma besteira como essa você está perdendo ponto com a família de sua noiva.” Equivalentes: “Dar valor”, “Dar o maior valor”.

“Salvou-se uma alma!”: Exclamação irônica que se usa quando acontece um fato inusitado, geralmente uma boa ação praticada pela pessoa menos provável.  “Minha gente... Salvou-se uma alma! Olha Fulano pagando uma conta!”  A origem é a crença popular de que cada vez que alguém na Terra pratica uma ação nobre, uma alma do Purgatório recebe anistia e sobe ao Paraíso.

“Todo penso é torto”: Usa-se para bloquear a argumentação de alguém que começa dizendo "Eu pensei que..." ou "Eu penso que..."  “-- Eu pensei que era melhor a gente marcar uma reunião pra discutir o assunto.  -- Todo penso é torto! Daqui que a gente faça a reunião, a coisa já está fora de controle.”  "Penso" é uma contração irregular, equivalente a "pendido", cambaio, coisa que está em desnível, pendendo para um lado:  "Essa mesa ficou pensa, o sr. vai ter que diminuir um pouco os pés deste lado."   O sentido imediato da frase é: "Aquilo que é apenas pensado é imperfeito."

“Roer a corda”: O mesmo que “bater pino”, voltar atrás, desistir ou “furar” na hora H.  “Já estava tudo pronto pra gente viajar, mas na última hora Fulano roeu a corda e a gente ficou sem carro”.  Tem ligação com a imagem de um animal amarrado que rói a corda que o prende, e foge.

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Advogado salva casamento de cliente com um bilhete e vira herói na web

O advogado Rafael Gonçalves, de São Sebastião do Paraíso (MG), virou uma verdadeira sensação nas redes sociais após compartilhar em seu perfil no Facebook uma história, no mínimo, inusitada. Ao ser procurado por uma mulher que buscava o divórcio do marido, Rafael notou que havia no depoimento dela uma ligação ainda forte entre o casal. “Tratava-se de um momento de conflito único e aquela decisão, ao meu ver, era precipitada! Mas quem sou eu pra interferir na vida alheia? Quem sou eu pra meter a colher na relação do casal? Quem sou eu pra julgar a decisão de ambos?”, escreveu o advogado em seu post.

Como de praxe, Rafael pediu à futura cliente os documentos necessários para dar entrada no processo de divórcio, mas adicionou quatro perguntas que poderiam trazer uma reflexão à mulher. “Fiz um pequeno questionário após solicitar os documentos e pedi que a moça respondesse as 4 perguntas a si mesma. Se após responder e analisar a situação com calma, longe do turbilhão de informações que estava lhe passando pela cabeça naquele instante, ainda assim resolvesse se divorciar, que bastava me trazer a documentação e eu botaria um fim naquela história!”, afirmou Rafael em seu Facebook.

“Aprendi ainda na faculdade que devo resolver conflitos, orientar as partes antes da decisão de partir pro campo jurídico. Assim fiz!”, completou o rapaz, em seguida relatando o desfecho feliz do caso. Nesta quarta-feira, o casal voltou ao escritório de Rafael, devolveu a anotação que o advogado havia deixado com a mulher, dispensou seus serviços e agradeceu os conselhos. “Perdi a cliente, mas ganhei um casal de amigos. São coisas simples da vida que valem a pena”, finalizou Rafael.

Até o momento de publicação desta matéria, o post do advogado já havia sido visualizado por 105 mil pessoas, tendo quase 18 mil compartilhamentos.
 
Pedro Willmersdorf
Extra
 
Eu tento e tento entender a distância entre o amor que eu sinto e as coisas que eu temo".

"Pense nas coisas mais felizes. É o mesmo que ter asas".

"Nunca diga adeus, porque dizer adeus significa ir embora e ir embora significa esquecer".

"Sonhos se tornam realidade, se você desejar o bastante. 
Você pode ter qualquer coisa na vida se você sacrificaria tudo por ela".

"Se é a Terra do Nunca que você precisa, a luz irá guiá-lo até lá".

"Tudo o que se precisa é fé e confiança".
 
Peter Pan 

É uma suruba isso aqui



E não é que um dos integrantes da desavergonhada cena política brasileira (aliado da vestal Eduardo Cunha) ficou tão escandalizado com os trâmites de uma sessão do Conselho de Ética (ética?) da Câmara que disparou, impávido:"É uma suruba isso aqui". Alguém interveio e disse que o nobre deputado tinha de adequar a linguagem ao rito etc. e tal.


Mas será mesmo que o nobilíssimo deputado feriu o decoro? Vamos aos dicionários, a começar pelo "Houaiss". Sabe qual é a primeira acepção de "suruba" que aparece nessa importantíssima obra? Prepare-se: "Adjetivo de dois gêneros. Regionalismo: Brasil. Uso: informal. Diacronismo: obsoleto. 1. Muito bom, excelente, capaz. Ex.: Um trabalhador suruba". Não acredita? Pois então pode procurar, na versão de papel ou na eletrônica.

Adianto o que vem em seguida: "Substantivo feminino. Regionalismo: Brasil. Uso: informal. 2. Uso: pejorativo. Namoro escandaloso. 3. Porrete grande; cacete. Ex.: Deu-lhe com uma suruba na cabeça".


E cadê o significado em que o caríssimo leitor certamente pensou quando soube da vociferação do ínclito parlamentar? Só vem no fim da lista, desta maneira: "4. Uso: tabuísmo. Sexo grupal; surubada".


O "Houaiss" dá ainda uma locução (brasileira e informal) formada com o substantivo "suruba": "Descascar a suruba". Não é o que você pensou, não, seu ímpio. "Descascar a suruba" é "dar golpes de suruba".


Como sou fidelíssimo seguidor do princípio que norteia o direito ("Todo homem merece crédito até que se prove o contrário"), vou partir do pressuposto de que, homem de elevada cultura, o egrégio integrante da intrépida trupe de sequazes do virginal Eduardo Cunha nem de longe pensou em comparar uma sessão do Conselho de Ética a uma orgia ou a uma bacanal. Quando disse "É uma suruba isso aqui", o representante do povo quis dizer algo como "É uma maravilha isso aqui".


Também se pode pensar que o deputado leu o "Aulete", que dá esta definição de "suruba" (a última da lista): "Situação em que há uma grande desordem, bagunça, confusão". Essa definição é precedida da expressão "P. ext.", que significa "Por extensão de sentido". Pode haver semelhança entre uma sessão do Conselho de Ética, digo, entre uma bacanal e uma grande desordem, bagunça, confusão? Sei não...


Não posso deixar de dizer que os dicionários têm comportamentos distintos em relação à origem da palavra "suruba". Há quem simplesmente silencie, há quem diz que a palavra vem do tupi (sem apresentar a forma da qual a palavra viria), há quem diz (o "Houaiss") que "segundo Nascentes" (Antenor Nascentes) vem "do tupi suru'ba" e, por fim, há quem diz categoricamente que a palavra vem "do tupi suru'ba", mas ninguém diz o que exatamente "suru'ba" significa em tupi.


Os dicionários específicos que tenho também não ajudam. Talvez seja o caso de recorrer ao Professor Eduardo Navarro, bastião do ensino e da divulgação do tupi entre nós.


Como bem ensinou Umberto Eco, "um texto sempre pode ter mais de uma interpretação; toda obra é aberta" ("mas não escancarada", complementava o nosso Haroldo de Campos). A seguir essa lição, devemos considerar a hipótese de que a fala do deputado não tenha caráter tão sórdido quanto o que lhe foi atribuído. Afinal, estamos num país de gente limpíssima. É isso.




Pasquale Cipro Neto



Sugestão de postagem do amigo Adauto Neto


Inimigos em amigos

Durante a Guerra Civil dos EUA, o ódio se entrincheirou entre o Norte e o Sul. Certa ocasião, o presidente Abraham Lincoln foi criticado por falar em tratamento benevolente para os rebeldes do Sul.

O crítico lembrou Lincoln de que havia uma guerra em curso, os Confederados eram os inimigos e deveriam ser destruídos. Mas, sabiamente, Lincoln respondeu:

"Eu destruo meus inimigos quando os torno meus amigos".
 
O comentário de Lincoln é cheio de discernimento. É difícil odiar alguém quando se faz algo bom a seu favor.

Prof. Menegatti

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Água saborizada ou flavorizada - Limão

Os amigos estão todos convidados a experimentar!

Drummond por Fernanda Torres - Necrológio dos desiludidos do amor

A depressão

Uma obra literária pode levar ao suicídio uma pessoa depressiva? O caso mais famoso, ao que eu saiba, foi Os sofrimentos do jovem Werther (1774) de J. W. Goethe. É uma das grandes obras do romantismo alemão, um livro escrito aos 24 anos onde Goethe, reza a lenda, descarregou sua tristeza por uma paixão que não deu certo. O livro aparentemente provocou uma onda de suicídios de leitores jovens que se identificaram com o protagonista, um rapaz que se mata porque sua amada casou com outro.
Males de amores, contudo, raramente causam depressão. Ela pode ser deflagrada por problemas psicológicos profundos ou por desequilíbrio químico do organismo (neste caso é comum o tratamento pelo uso de remédios). Um caso recente de suicídio literário foi o de David Foster Wallace, o autor de A Piada Infinita (“Infinite Jest”). Wallace sofria de depressão desde jovem, e usava medicamentos. Já famoso, com mais de 40 anos, seu médico sugeriu interromper o tratamento ou tomar outra medicação. Ele o fez. Não deu certo, e a depressão voltou com tudo. Ele voltou ao remédio antigo – e este não fez mais efeito. Um dia a esposa deu uma saída rápida, e ao voltar encontrou Wallace enforcado no porão, com os cachorros da casa parados em volta, olhando.
Disse ele certa vez, sobre o problema: “É o motivo pelo qual quero morrer. (...)  É como se não fosse capaz de encontrar nada fora dessa sensação e por isso não sei que nome lhe posso dar. É mais horror que tristeza. É mais horror. É como se uma coisa horrorosa estivesse prestes a acontecer, a coisa mais horrível que se possa imaginar, não, pior do que se possa imaginar porque há também a sensação de que é preciso fazer qualquer coisa de imediato para se deter aquilo, mas não se sabe o que se deve fazer e de repente está acontecendo, durante o tempo todo, está prestes a acontecer e ao mesmo tempo está acontecendo.”
Essas coisas podem acontecer num contexto explicável (problemas pessoais, financeiros, de saúde, etc.) ou inexplicável (os ataques de pânico que acometem pessoas sadias e sem problema algum). A bebida e as drogas acabam sendo válvulas de escape para alguns. Parece óbvio que não resolvem o problema, e sim o agravam, pois a euforia momentânea do barato tem como reverso a rebordosa do dia seguinte. Toda pessoa deveria ter uma atividade, uma prática qualquer capaz de fazer frente a essas quedas terríveis na areia movediça do nada-vale-a-pena. Artistas muitas vezes fazem de sua arte um salva-vidas precário que os ajuda a manter-se à tona. Nem sempre funciona, mas quando funciona acaba sendo a única coisa que segura um sujeito do lado de cá até que passe a tempestade.
 
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.

As épocas são mais inteligentes ou menos inteligentes. 
Mais sóbrias ou menos nobres, 
românticas ou cínicas, 
perversas ou heroicas, etc. etc. 
Nos coube por fatalidade uma das épocas débeis mentais
 e das mais espantosas da história. 
Há uma debilidade mental difusa, 
volatizada, atmosférica. 
Nós a respiramos.
 Isso aqui e em todos os idiomas. 
É um fenômeno internacional tão nítido,
 tão profundo, que não cabe nenhuma dúvida,
 não cabe nenhum sofisma.
E acontece, então, esta coisa nunca vista: 
Todos agem e reagem como imbecis. 
Não que o sejam, absolutamente. 
Muitos são inteligentes, sábios, clarividentes; 
e tem um nobilíssimo caráter,
 e uma fina sensibilidade,
 e uma alma de superior qualidade. 
Mas num mundo de débeis mentais, 
temos de imitá-los. 
Não sei se me entendem.
 Mas para viver, para sobreviver,
 para coexistir com os demais, 
o sujeito precisa ir ao fundo do quintal 
e lá enterrar todo o seu íntimo tesouro.
 
Nelson Rodrigues 

Nada lhe era estranho

 Umberto Eco (Foto: The Guardian)
Não foi por preconceito contra novidades que Eco criticou a internet ao dar a palavra a uma “legião de imbecis”. Ele podia exagerar, mas sabia das coisas
Em meados dos anos 60, a recém-criada Escola Superior de Desenho Industrial do Rio promoveu palestra de um professor italiano então conhecido apenas no círculo universitário (seu best-seller “O nome da rosa” só iria ser lançado uns 20 anos depois).

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Com medo de que a sala, mesmo pequena, ficasse com lugares vazios, nós, os que lecionávamos lá, saímos à cata de público — alunos, funcionários e até quem estivesse passando pela porta.

Assim, as cerca de 30 cadeiras acabaram ocupadas, e pudemos assistir ao erudito, agradável e bem-humorado papo daquele que viria a ser o mais importante semiólogo do século e um dos maiores intelectuais contemporâneos.

Umberto Eco já tinha escrito seu clássico “Obra aberta”, que fez a cabeça dos que se dedicavam ao estudo da comunicação de massa. Com ele, aprendemos que uma mensagem artística é fundamentalmente ambígua, permitindo mais de uma interpretação, independente da intenção do autor. A leitura pode ser tão livre quanto a escritura. Ao contrário de um texto jornalístico ou científico, que é unívoco, só admite um sentido, a arte é ambivalente.

Graças à semiótica ensinada por ele, sabemos também que a linguagem não verbal, a dos objetos como um sistema de signos, é um fenômeno de comunicação, porque os elementos, além do valor de uso, têm uma dimensão simbólica. Um produto de design, como um carro ou um simples garfo, pode informar sobre o status e o gosto de alguém. Por isso, fala-se tanto em “código”, “discurso visual” e em “ler” uma construção arquitetônica ou uma pintura.

Após “Obra aberta”, seguiram-se “Apocalípticos e integrados”, “Estrutura ausente” e muitos outros ensaios sobre as principais questões da atualidade cultural: televisão, publicidade, imprensa, cinema, esporte, ecologia, religião, política.

Com uma erudição que impressionava seus pares, ele não discriminava assunto, nada lhe era indiferente. Saía de um mergulho na Idade Média para uma incursão em terreiros de umbanda e candomblé, como fez em São Paulo e no Rio, não como turista, mas como estudioso. Nestes casos, as visitas lhe renderam uma minuciosa crônica-ensaio no livro “Viagem na irrealidade cotidiana”. Voltou para a Itália sabendo perfeitamente a diferença entre umbanda e candomblé, suas entidades e seus rituais, e íntimo, digamos assim, dos orixás, de Oxalá, Exu, Xangô.

Admitindo que fazia perguntas “embaraçosas”, ele se desculpou com o pai de santo pela curiosidade de “ordem teológica e filosófica”. No fim, quis saber de que orixá era filho. O sacerdote olhou nos seus olhos, examinou a palma de suas mãos e disse: “Oxalá”. Ele ficou orgulhoso.

Portanto, não foi por preconceito contra novidades que Eco criticou a internet ao dar a palavra a uma “legião de imbecis”. Ele podia exagerar, mas sabia das coisas.

Zuenir Ventura
Do Blog do Noblat

Carlos Drummond por Chico Buarque. Os inocentes do Leblon

"Não valia a pena confiar em nenhum outro ser humano. 
O quer que fosse preciso para estabelecer essa confiança, 
não estava presente na humanidade".
Charles Bukowski

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

"Suponho que no fim a vida seja um processo de abrir mão, mas o que sempre me doeu mais foi não ter um momento pra dizer adeus". 

As aventuras de Pi

Mulher dos outros

Dia claro. Primeiras horas do dia claro. Havíamos bebido e procurávamos um café aberto, para uma média, com pão-canoa. Quase todos estavam fechados ou não tinham ainda leite ou pão. Fomos parar em Ipanema, num cafezinho, cujo dono era um português e nos conhecia de nome de notícia. Propôs-nos, em vez de café, um vinho maduro, que recebera de sua terra, "uma terrinha (como disse) ao pé de Braga". Não se recusa um vinho maduro, sejam quais forem as circunstâncias. Aceitamo-lo. Nossa grata homenagem a José Manuel Pereira, que nos deu seu vinho.

Nesse café, além de nós, havia um casal, aos beijos. As garrafas vazias (de cerveja) eram quatro sobre a mesa e seis sob. Beijavam-se, bebiam sua cervejinha e voltavam a beijar-se. Não olhavam para nós e pouco estavam ligando para o resto do mundo. Em dado momento, entraram dois rapazes e pediram aguardente no balcão. Ambos disseram palavrões, em voz alta. O casal dos beijos e da cerveja parou com as duas coisas. Outros palavrões e o cabeça do casal protestou:

— Pára com isso, que tem senhora aqui!

Um dos rapazes dos palavrões:

— Não chateia!

— Não chateia o quê? Pára com isso agora!

Um dos rapazes do palavrão:

— E essa mulher é tua mulher?

— Não é, mas é mulher de um amigo meu!

A briga não foi adiante. Todos rimos. O dono da casa, os rapazes dos palavrões, o casal. Está provado que: quem sai aos beijos com mulher de amigo não tem direito a reclamar coisa alguma.



Antônio Maria 

Publicada originalmente no jornal Última Hora – Rio de Janeiro, de 23-08-1960, foi extraída do livro “Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria”, Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 2002, organização de Joaquim Ferreira dos Santos, pág. 115.

Agora é oficial: homeopatia não funciona

Estudo analisou a eficácia da homeopatia em 68 doenças

Em 1796, o alemão Samuel Hahnemann publicava suas primeiras observações sobre uma nova forma de enxergar a medicina: a homeopatia. Esse é o nome dado à uma linha de tratamento que se baseia na chamada "lei dos semelhantes?" Enquanto a medicina tradicional, também conhecida como alopatia, usa compostos com efeitos opostos aos sintomas que deseja tratar, a homeopatia segue a lógica contrária: seus supostos remédios contém substâncias que causariam exatamente o mal que você está passando. Em termos práticos, se você tem alergia a abelhas, um médico homeopata lhe receitaria como tratamento o veneno diluído do animal. Mas esse procedimento é questionado desde a criação da homeopatia. Outro ponto crítico é a diluição. Na homeopatia, as substâncias ativas são diluídas em uma grande quantidade de água - a ponto de tecnicamente, certos medicamentos homeopáticos conterem apenas H2O.

Agora, 220 anos depois, mais um argumento vai ser usado entre nas discussões entre apoiadores e críticos: um pesquisador australiano afirma que a homeopatia não cura nenhuma das 68 doenças que ele avaliou. As doenças incluem alergia, asma, fibromialgia, diarréia e até condições mais específicas, como afasia de Broca (distúrbio neurológico em que o paciente perde a fala).

Leia mais clicado aqui

Por Felipe Germano

Fonte: Revista Superinteressante


Cinvo mal-entendidos

A lojinha de velhos vinis e CDs era larga mas atravancada, abafada, de teto baixo. Prateleiras e balcões cheios de velharias. Aqui e acolá, uma preciosidade. Uma mocinha bonita começou a passar lá de vez em quando, aparentemente quando saía do escritório para almoçar. Ficava mexendo nos vinis de jazz. Lauro, o dono da loja, fantasiou nela uma intelectual que lia poesia em inglês e sabia escolher vinhos. Um dia ela foi para o balcão de axé e lá se deteve. Ele não resistiu e foi perguntar se ela gostava daquilo. “Não,” disse a moça, “é que hoje o ventilador está virado pra cá.”

Paulo Jatobá, sertanejo, soldador, 47 anos, irrompeu furibundo num bar e fuzilou com cinco tiros seu vizinho Nestor Sá, 61 anos, aposentado, conhecido como Nestor Merdinha, o qual havia entreouvido numa conversa doméstica a esposa recente do dito Paulo, Marilinha da Silva, 20 anos, afirmar que era virgem, e saiu depreciando tanto o caráter da madame quanto a virilidade do esposo, por não ter entendido que se tratava meramente de uma comparação zodiacal entre donas-de-casa ociosas.

O pai leva o filho a um evento de mangás, RPGs, quadrinhos, com dezenas de estandes, milhares de pessoas, numa balbúrdia indescritível. A certa altura o garoto volta para junto dele, puxa sua camisa, excitado: “Pai, me dá cinco e cinquenta!”. Ele dá uma nota de dez, manda guardar o troco, volta a conversar com os amigos. Daí a pouco olha e vê o garoto num estande afastado, com expressão arrasada, quase chorando. Vai até lá e vê a vendedora segurando um álbum imenso, quase 500 páginas, e explicando ao guri: “São cento e cinquenta...”

A piriguete, em plena viagem turística acompanhando turnê da banda de forró Abaixa Que Eu Levanto, entra no hotel, pega a chave na recepção, sai batendo com os saltos altos no piso, rebolando dentro do shortinho. Entra no elevador, fala com autoridade para o ascensorista gordo e cinquentão: “Vamos para o quarto, por favor.” Ele responde: “Pois não, senhora. Em que andar fica?...”

César estava recebendo duas primas distantes, irmãs, que vieram passar férias com os pais dele. Mesmo tímido, levou as duas a um filme bem mulherzinha, depois a um terraço à beira mar para tomar cerveja e pendurar a conta até onde a vista desse. Apaixonou-se de imediato por uma delas. A certa altura (a música era ensurdecedora) criou coragem, aproximou-se do ouvido da outra e gritou: “Diga a sua irmã que ela é muito linda!”. Ela, também gritando: “O quêee?” Ele: “Muito liiinda!”. Ela deu um sorriso brejeiro, correu os dedos sobre o decote, ergueu os olhos para ele sem mexer a cabeça e disse: “Esperei tanto por isto...”

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo