quinta-feira, 30 de junho de 2011

“Há cordas no coração humano que o melhor seria não fazê-las vibrar”


(Charles Dickens)

Imagem, arte e jornalismo

TROPICAL STORM: A Filipino boy stood behind a vehicle during a downpour in Manila, Philippines, on Thursday. Tropical Storm Meari was set to strengthen to a Category 1 typhoon sometime between Friday afternoon and Saturday morning. (Aaron Favila/Associated Press)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Foto karabouch

Cláudio Nucci

Empreiteiros

Um prefeito do interior queria construir uma ponte e chamou três empreiteiros: um alemão, um americano e um brasileiro.

— Faço por três milhões de dólares, disse o alemão: um pela mão de obra, um pelo material e um é o meu lucro.

— Faço por seis milhões, propôs o americano: dois pela mão de obra, dois pelo material e dois para mim.

— Faço por nove milhões, disse o brasileiro.

— Nove? É demais, falou o prefeito! Por que nove?

— É simples. Três para mim, três para o senhor e três para o alemão fazer a obra!

O manto - Resenha de Alex Sens

Um prólogo feito de cem parágrafos distribuídos em mais de 200 páginas; uma mulher sem um braço diante de uma máquina de escrever sem a letra A; uma caixa com nove fitas cassete contendo a voz da loucura, da poesia e da filosofia de uma mãe morta; a transcrição destas nove fitas em outras mais de 200 páginas; notas de rodapé per saltum maiores do que o som transformado em datilografia; um relatório composto de fios que se entrelaçam ao escuro absoluto do racional e do irracional em outras quase 200 páginas; cópias de um caderninho da filha de um autômato; uma carta escrita por um escritor tão quimérico quanto o livro que se apresenta em sonho: i.e.M., isto é, o manto: a abreviação ecoando como um ser fantasmático ao longo das 624 páginas de “O Manto”, último volume da “Trilogia Íntima” da escritora e filósofa Marcia Tiburi, lançado pela Editora Record.

Como Marcia revelou numa entrevista, seu primeiro mergulho na arte da ficção começou selvagem, com a liberdade e a coragem de quem escreve o que quer do jeito que quer, ainda que esta independência literária seja também intensa reconstrução do imaginário próximo dos desejos mais íntimos. A fantástica, em seu sentido mais profundo, “Trilogia Íntima” foi o que primeiro saiu das gavetas com fundo falso da escrivaninha de madeira da filósofa, e uma primeira fase muito bem aproveitada, enquanto outra ainda se esconde ou descansa no breu dessas gavetas. “Magnólia”, primeiro volume da trilogia e produto de duas versões destruídas que juntas formavam 400 páginas, foi publicado pela primeira vez em 2005, indicando uma imagética mente criadora libertada de si mesma. Não somente este potencial mágico de uma narrativa moderna e filigranada na obscuridade dos sentidos, mas o que ele representa em histórias igualmente obscuras. “A Mulher de Costas” vem logo em seguida, num volume menor, recontando uma lenda ao contrário, e depois de sete anos de trabalho, Marcia apresenta “O Manto”, sua banda de Moebius narrativa cujo peso é tão infinito quanto sua forma inescapável.

O romance, ou “Ornitomance das Berenices”, começa com um prólogo já incomum: são 213 páginas que procuram elucidar o leitor, ou, como a narradora o chama, Sancho, com as razões que a levaram a fazer a decupagem de nove fitas cassete encontradas na casa que herdou da mãe: “É para tornar claro o meu intento e a experiência pela qual passei que me lanço à construção deste prólogo”. Mas a despeito deste desejo de tornar claro seu intento, e também de repetir várias vezes que tem um espírito pragmático, Leda gosta de complicar, de enfatizar que o que temos em mãos não é um livro (“O que temos aqui, embora seja um livro, não é exatamente um livro, apenas algo parecido.”) e que “por sorte aqui não há literatura, deus que nos livre de uma coisas destas”. Tendo encontrado nove fitas cassete num velho armário em que a mãe desconhecida se escondia para contar sua história alucinada, a narradora, através do mesmo jogo de palavras usado por Marcia em “Magnólia”, escreve cem parágrafos que podem ser interpretados também como “sem” parágrafos. A brincadeira do cem/sem, um significado quantitativo e outro niilista, que leva a ideia contrária de algo inexistente que existe, é uma de tantas outras que aparecem ao longo da história contada por Leda. Ela nos explica, sempre em tom paciente e divagador, que começou a transcrever as fitas quando ouvi-las tornou-se difícil, então a transcrição fez-se necessária para poder montar a história desta mãe, ou seja, através das fitas, a estranha e onírica figura da mãe é destruída e reconstruída, continuamente, com perguntas e respostas encarnadas em novas perguntas. O prólogo muitas vezes se perde em si mesmo, no labirinto dos pensamentos de quem nos apresenta a ele, numa mistura de fluxo de consciência com monólogo interior. Nem uma nem outra dessas ferramentas da criação literária estão em sua forma mais crua, e sim pelo avesso: o fluxo de consciência é sempre interrompido, esbarra num monólogo interior que é na verdade um diálogo entre um eu preocupado com motivos e outro eu que observa cada um desses motivos. Mais do que um fluxo, os parágrafos são monólogos que dialogam entre si, o que torna a loucura narrativa de Leda ainda mais instável.

Em seguida Leda separa ouvidos e olhos do leitor: aqueles para ouvir as fitas transcritas, estes para seguir o raciocínio e as explicações que ela dá ao longo de notas de rodapé cada vez mais curiosas e enigmáticas. “Livro na claridade ou Livro da trama” expõe tudo o que foi falado por esta figura materna nas nove fitas cassete. Em quase todas as páginas, as notas de rodapé não são somente indicadas por números ou letras, mas símbolos matemáticos, barras, arrobas, sempre vazados aqui e ali como uma grande ramagem que cresce através das linhas e dentro dos pensamentos expostos, entremeados com siglas e simbologias. A partir de certo momento, as notas ganham uma espécie de caráter vernacular, em que as palavras ditas pela mãe são dicionarizadas pela filha a seu modo, algumas vezes de forma mais concisa, outras beirando a poesia mais interior de um olhar particular. Cada fita tem seu próprio corpo, umas mais longas, outras mais curtas (a quarta se assemelha a um pequeno romance dentro do romance maior, com mais descrições, narração linear e conflitos, enquanto a quinta se apresenta na forma de uma curta ode.), mas todas versam o mesmo mundo vertiginoso e excêntrico de Berenice, a mãe transformada em palavra reconstruída. Muito do passado de todas as anti-heroínas não é explicado, ou talvez nada seja, mas é certo que toda tentativa de claridade é feita com a luz negra do mistério indissolúvel. Sancho (o leitor) tem sua atenção sempre dividida entre a fala cadavérica da mãe e o olhar rasteiro da filha, que descobre em dado momento um fator genético unindo-as: a asma.

Deixando a visceral viagem por dentro das labirínticas nove fitas, tem início o “Livro à noite ou Livro da urdidura”, que a própria autora revelou ter sido escrito no período noturno. Aqui a história é mais obscura: temos alguém cuidando de Berenice enquanto prepara um relatório, discursos que misturam literatura, filosofia, excertos e fotos do caderno da menina perdida de “O Manto”, a Pequena Berenice, que na verdade são dos próprios cadernos de Marcia Tiburi, como o que se encontra na quarta capa onde podem ser lidos vestígios do processo criativo do romance, da feitura intelectual deste e de como a escritora explora seus desconfortos para compreendê-los. Esta última parte ainda se passa na casa de Berenice, mas tudo acontece de forma mais rápida, não-datada, nomes se confundem e se acrescentam, o sonho gira até virar do avesso e o manto é rasgado pela carta que fecha o livro. É esta carta, escrita por Julián Ana para Marcia, que explica toda a loucura da história, toda sombra engelhada, como se o próprio livro, o objeto pesado que lemos através dessa sombra feita de mistério miasmático, finalmente respirasse aliviado. As ranhuras na lombada (de uma encadernação que poderia ser melhor), as 624 páginas e as vozes do romance finalmente silenciam, e a trilogia termina da maneira mais improvável e astuta.

Influenciada por autores modernistas como Osman Lins, Kafka, Beckett, entre outros, Marcia Tiburi resvalou o possível e o impossível em sua “Trilogia Íntima”, mas foi em “O Manto” que seu contínuo trabalho de talhar palavras, personagens, e sobretudo o mundo visual que este trabalho propõe e nos encara, conseguiu de fato atingir seu objetivo: escrever o livro que ela sempre quis ter escrito. Em suas próprias palavras “’O Manto’ é um livro ilegível”, e ainda que para alguns isso pareça pedantismo ou muito deslumbramento para com uma obra que ignora a tradição mais comum da literatura brasileira, a declaração é cabível conforme o leitor, seja ele corajoso ou não. A legibilidade deste romance se encontra na despretensão, na leitura solta que não espera o óbvio e o mastigado de um mercado editorial quase sempre enfadonho, mas o inusitado, a vontade de correr um risco e de ir sem se preocupar com a volta, isto é, o manto
"(...)Porque por vós soou a palavra do Senhor, não somente na macedônia e Acaia, mas também em todos os lugares a vossa fé para com Deus se espalhou, de tal maneira que já dela não temos necessidade de falar coisa alguma; (...)


Paulo de Tarso em carta aos Tessalonicenses

terça-feira, 28 de junho de 2011

A arte de não adoecer

Se não quiser adoecer - "Fale de seus sentimentos"
Emoções e sentimentos que são escondidos, reprimidos, acabam em doenças como: gastrite, úlcera, dores lombares, dor na coluna. Com o tempo a repressão dos sentimentos degenera até em câncer. Então vamos desabafar, confidenciar, partilhar nossa intimidade, nossos segredos, nossos pecados. O diálogo, a fala, a palavra, é um poderoso remédio e excelente terapia..

Se não quiser adoecer - "Tome decisão"
A pessoa indecisa permanece na dúvida, na ansiedade, na angústia. A indecisão acumula problemas, preocupações, agressões. A história humana é feita de decisões. Para decidir é preciso saber renunciar, saber perder vantagem e valores para ganhar outros. As pessoas indecisas são vítimas de doenças nervosas, gástricas e problemas de pele.

Se não quiser adoecer - "Busque soluções"
Pessoas negativas não enxergam soluções e aumentam os problemas. Preferem a lamentação, a murmuração, o pessimismo. Melhor é acender o fósforo que lamentar a escuridão. Pequena é a abelha, mas produz o que de mais doce existe. Somos o que pensamos. O pensamento negativo gera energia negativa que se transforma em doença.

Se não quiser adoecer - "Não viva de aparências"
Quem esconde a realidade finge, faz pose, quer sempre dar a impressão que está bem, quer mostrar-se perfeito, bonzinho etc., está acumulando toneladas de peso... uma estátua de bronze, mas com pés de barro. Nada pior para a saúde que viver de aparências e fachadas. São pessoas com muito verniz e pouca raiz. Seu destino é a farmácia, o hospital, a dor.

Se não quiser adoecer - "Aceite-se"
A rejeição de si próprio, a ausência de auto-estima, faz com que sejamos algozes de nós mesmos. Ser eu mesmo é o núcleo de uma vida saudável. Os que não se aceitam são invejosos, ciumentos, imitadores, competitivos, destruidores. Aceitar-se, aceitar ser aceito, aceitar as críticas, é sabedoria, bom senso e terapia.

Se não quiser adoecer - "Confie"
Quem não confia, não se comunica, não se abre, não se relaciona, não cria liames profundos, não sabe fazer amizades verdadeiras. Sem confiança, não há relacionamento. A desconfiança é falta de fé em si, nos outros e em Deus.

Se não quiser adoecer - "Não viva sempre triste"
O bom humor, a risada, o lazer, a alegria, recuperam a saúde e trazem vida longa. A pessoa alegre tem o dom de alegrar o ambiente em que vive. "O bom humor nos salva das mãos do doutor". Alegria é saúde e terapia.


Dr. Dráuzio Varella

Exército egípcio fez teste de virgindade em manifestantes

O secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, disse [ontem] que militares do Egito reconheceram realizar os chamados "testes de virgindade" em manifestantes do sexo feminino. O Major General Abdel Fattah al-Sisi, membro do conselho militar que governa o Egito desde a renúncia do presidente Hosni Mubarak, justificou para a ONG que os testes eram uma maneira de proteger o Exército contra alegações de estupro.

Defensores dos direitos dizem que al-Sisi prometeu que os militares não devem realizar esses testes novamente.

Denúncias sobre os testes de virgindade começaram a aparecer após um grande confronto na Praça Tahrir, no Cairo, em 9 de março, quando homens à paisana atacaram manifestantes e o Exército teve que intervir para parar o conflito. A Anistia achou 18 mulheres que alegam terem sido forçadas a fazer o teste.

- Submeter as mulheres a esse procedimento tão humilhante esperando mostrar que elas não teriam sido estupradas na prisão não faz sentido, e não foi nada menos do que tortura. O governo deve dar uma indenização a essas vítimas, incluindo suporte psicológico e médico, e pedir desculpas pelo tratamento dado a elas - defende Shetty, que foi a um encontro com o grupo.


O Globo


segunda-feira, 27 de junho de 2011

A herança de Salim

Deitado em seu leito de morte, Salim chama o seu filho mais velho, tira um antigo relógio do bolso com dificuldade e diz:
- Filho... Está vendo este relógio aqui?
- Sim, papai... - responde o filho, com lágrimas nos olhos.
- Ele era do meu bisavô! - continuou o pai - Depois ele foi passado para o meu avô... depois para o meu pai... depois para mim... e agora chegou a sua vez... Quer comprar?

Cadeira

domingo, 26 de junho de 2011

Ultimamente tenho visto a vida como circunferências, círculos. Sinto necessidade de dar forma geométrica  aos acontecimentos. Hoje eu sou circular!
Vigie seu caráter - porque ele será o seu destino.
"(...) saudade mata e dessa morte me esquivo, mas como fugir da morte se é saudade que eu sinto..."
Foto de Chistine Dyrnes Takoua

Última carta a Mário de Andrade

São Paulo, Rua Guarará, setembro, 1970

Mário:

A sua casa acha-se como a da rua Aurora, no meio da barafunda de toda a Barra Funda. Foi atravessando pela frente e por trás dos caminhões e automóveis que galgamos a calçada. Sabe quem atendeu o nosso toque de campainha?... A Sebastiana, a nossa velha Sebastiana, que logo nos reconheceu e o seu rosto coroado de cabeleira branca, branca, iluminou-se recordando de nós dois. Só de nós dois?

Não! Recordando também daquelas duas velhinhas que você adorava e eu tanto amava e tanto era amado por elas, conforme está em alguma de suas cartas: Dona Maria Luiza e Dona Ana Francisca para os estranhos, para nós D. Yayá e D. Nhãnhã, sua Mãe e sua madrinha e tia, que também já se foram, pra junto de você, talvez...

Eu ia relativamente pouco à rua Lopez Chaves. Havia sempre muita gente com você, muitos tipos interessantes e agradáveis uns, mas muitos bobos também que frequentavam você, para pôr você à esquerda deles, a fim de valorizar o zero. Você deve estar lembrado disso, "se, lá no etéreo assento onde subsiste, memória desta vida se consente"...

Sempre preferi ir à sua casa quando ficávamos sozinhos na companhia daquela três velhinhas, pois a Sebastiana também conta. Almoçávamos ou jantávamos sós, ou conversávamos com o Zé Bento, raramente com mais alguém.

Creio mesmo que o dia em que mais tempo fiquei, naquele gabinete lá de cima, foi quando brigamos pra burro, até você aceitar a direção do Departamento de Cultura, para o qual eu o queria levar e você não queria ir:

— Você quer acabar com a minha felicidade m'ermão! —, me disse vencido.

E acabei mesmo, como você me desabafava em carta remetida para Nova York,
pouco antes de ir dormir para sempre...

Pois é Mário, nosso passeio termina aí. Não quis ir à Consolação. Nem jamais irei! Que podia valer uma fotografia de sua sepultura, para a reportagem que o Múcio vai escrever e o Zygmunt vai ilustrar a cores? Lá na Consolação, está a casa do seu corpo que já nem existe, ao passo que o seu espírito vive aqui comigo, como tantos outros que também me deixaram no meio do caminho.

Será que nós havemos de nos encontrar um dia? A Nini e a Lourdes, que são íntimas de Deus e até o tratam de você, afirmam categoricamente que sim. Eu duvido. Mas não nego. Quem pode negar ou afirmar? Só a Fé ou a burrice festiva do exibicionismo.

De qualquer maneira, velho Mário, "Ciao!". Ou até já!...

 
Paulo Duarte in Mário de Andrade por Ele Mesmo.
São Paulo: Hucitec/SCCT - SP, 1977


Da Insônia

Muita gente consegue ter uma ótima noite de sono contando carneiros. Se possível, é aconselhável ter os carneiros no quarto. No entanto, se você é alérgico à lã, você também pode cortejar o sono contando panteras.

É claro que sempre existe o perigo de as panteras comerem você mas, se você sofre de insônia, isto é realmente a melhor coisa que pode lhe acontecer.


Groucho Marx in Groucho e Eu. São Paulo: Marco Zero, 1991
O poeta repentista desiludido com o amor, saiu com esse verso em uma cantoria quando o "mote" era "mulher não tem coração".


"Um cientista profundo
solicitou-me, uma vez,
que eu enumerasse os três
desmantelos desse mundo.
eu respondi num segundo:
doido, mulher e ladrão!
E disse mais a razão:
doido não tem paciência,
ladrão não tem consciência,
mulher não tem coração!"

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Foto João Espinho
"Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas da vida."

Provérbios 4:23

Cheio de nove horas

Com certeza você já ouviu alguma vez a expressão "fulano é cheio de nove horas" para designar alguém muito formal, recatado e dada a observância das normas sociais. Pois bem, a frase esta diretamente ligada a um costume brasileiro do século 19. Naquela época, sempre as nove horas da noite, as pessoas costumavam interromper as visitas e voltar a suas casas. Províncias como a do Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro tinham até leis determinando que após esse horário ninguém estava a salvo de ser revistado pela polícia na rua. Daí, as pessoas daquele séculos custumarem respeitar o tal horário das nove horas, dando origem a expressão impregada até hoje.


Fonte: Revista Aventuras na História, ed 13, 2004
Ontem foi noite de pamonha e pé de moleque. Dois manjares dos deuses do nordeste. É uma pena que todas as noites não sejam de São João!

Aproveito para deixar, abaixo, a receita do pé de moleque. Pescado do sitio "terra culinária"

 
Ingredientes:

2,5 kg de mandioca
600 g de rapadura
200 de manteiga
1/2 xícara (chá) de café em infusão
1 xícara (chá) de chocolate em pó
1 xícara (chá) de especiarias (cravo-da-índia, canela e erva-doce)
1 caixinha (200 g) de leite de coco
1 xícara (chá) de castanha de caju picada grosseiramente
2 colheres (chá) de manteiga
30 castanhas de caju para decorar

Modo de Preparo:
Ligue o forno à temperatura média. Lave a mandioca, descasque e lave novamente. Parta a mandioca ao meio, elimine o filamento central e corte-a em pedaços. Coloque no processador e bata, aos poucos, até obter uma pasta ralada. Transfira para uma tigela. Parta a rapadura em pedaços pequenos e coloque numa panela. Adicione 6 colheres (sopa) de água e leve ao fogo. Cozinhe por 6 minutos, ou até a rapadura derreter. Retire do fogo e despeje sobre a massa da mandioca. Junte a manteiga (reserve 3 colheres de chá). Mexa vigorosamente ou até ficar homogêneo. Adicione o café, o chocolate, as especiarias, o leite de coco e as castanhas de caju. Misture com um pão-duro até ficar homogêneo. Com a manteiga reservada, unte uma assadeira de 28 cm x 40 cm e despeje a massa. Leve ao forno por 1 hora, ou até que enfiando um palito no bolo ele saia limpo. Retire do forno, espere amornar, desenforme e corte em 30 pedaços. Decore com a castanha de caju.
Foto Stefan Rappo

"A pior das loucuras é, sem dúvida, pretender ser sensato num mundo de doidos".

Erasmo

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Recordação...

O CEMAR, as famílias "Daniel" e "Rufinos" conquistam certificações como comunidades remanescentes de Quilombolas

A Fundação Cultural Palmares certificou 48 Comunidades Quilombolas em diferentes estados, através de decreto publicado no Diário Oficial do dia 17, sexta-feira.

A Bahia teve o maior número de Comunidades certificadas (20), seguida do Maranhão (16). No Ceará, Mato Grosso do Sul e Paraíba, os quilombolas conquistaram duas certificações; e no Amapá, Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, apenas uma em cada.

Mas é uma bela vitória, de qualquer forma. Parabéns a todos os que lutaram por ela!

Na Paraíba, as duas certificações ocorreram no município de Pombal-PB, a Comunidade de Daniel (Pombal-PB) e a Comunidade dos Rufinos no sítio São João, também município de Pombal, Paraíba.


Matéria de responsabilidade de José Ribeiro
Presidente do CEMAR - Pombal-PB


São João e suas receitas para casamento

As moçoilas que perderam a oportunidade de pedir casamento a Santo Antônio, não se desesperem: ainda há uma chance. Peça hoje a São João. Diz a lenda que o Santo dorme no seu dia, 24.06, e por isso há tantos fogos de artifício para ele acordar e atender as simpatias das moças solteiras que querem fugir do *caritó e encontrar um marido. No nordeste a lenda é muito presente e levada a sério ainda hoje.

Cuidamos aqui de dar uma ajudazinha as solteiras repassando algumas das simpatias mais procuradas, e segundo o que se sabe, as mais eficientes:

FACA NA BANANEIRA
As moças casadoiras devem comprar uma faca virgem e na noite de São João enfiá-la no tronco de uma bananeira com o cuidado para que ninguém fique sabendo da simpatia. No dia seguinte, logo cedo, retire a faca e ali estará escrito o nome do futuro princípe encantado.

PARA SABER A IDADE DO PROMETIDO MARIDO
Passe um ramo de manjericão sobre a fogueira de São João e jogue-o sobre o telhado de sua casa. Se no dia seguinte ele ainda permanecer verdinho é sinal de casamento com pessoa jovem. Se estiver mucho, com pessoa mais velha. Um conselho: Se já estiver namorando, é bom não deixar o amado ver o raminho. Pode dar confusão!

SIMPATIA DO DENTE DE ALHO
Plante três dentes de alho na noite de São João (23.06), cada um com o nome de um(a)suposto pretendente. O primeiro que brotar indicará o nome do futuro marido.

SIMPATIA DA CONFIRMAÇÃO
Para confirmar qualquer dos pedidos com duas agulhas virgens em um prato com água, faça o pedido e aguarde o tempo necessário. Se as agulhas se juntarem a resposta é afirmativa, se ficarem afastadas, o jeito é aguardar para o próximo ano. Quanto a virgindade das agulhas recomendo consultar um especialista no assunto, não entendo nada sobre isso!

Se nada funcionar, só resta se queixar ao santo.

E bom São João!!!

*Caritó, para quem não sabe, é para onde vão as mulheres que não casam
As melhores festas de São João sem dúvida estão no Nordeste, entre elas está o Maior São João do Mundo, o de Campina Grande, a sua primeira edição foi em 1983, logo três anos depois foi construído o Parque do Povo onde até hoje é realizada a festa com as atrações principais, são mais de 42 mil m² de área. A festa atualmente atrai mais de 2 milhões de pessoas sendo animadas com muita música, diversão e lazer, na edição do São João de Campina Grande de 2011 serão 31 dias de festa, muitas bandas, cantores e atrações para animar a galera. Vale a pena conferir!

A programação de hoje, noite de São João, no Parque do Povo:
*CIA FOLCLÓRICA ORIGINIS
*ELBA RAMALHO
*TON OLIVEIRA
*TONY DUMOND
*CEZINHA DO ACORDEON
                                      ...é bobagem querer apagar os erros, errar é bom, ensina!

Tempos idos

Não enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo dessas crenças que passaram,
E quero sempre tê-las ao meu lado!


Não, não quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que não se enterra assim sem compaixão
Os escombros benditos de um Passado!


Ai! não me arranques d’alma este conforto!
- Quero abraçar o meu passado morto
- Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!


Deixa ao menos que eu suba à Eternidade
Velado pelo círio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!




Augusto dos Anjos

Paco

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Um espelho para o novo sexo frágil

Sobre as vantagens do feminismo na vida dos homens


O feminismo foi uma grande revolução cujos resultados continuam a merecer análise. Historicamente afirmado como um conjunto de procedimentos teóricos e práticos que pretendiam tanto ajudar na demolição dos preconceitos que impediam o alcance de direitos das mulheres, quanto desmanchar uma imagem da mulher como subalterna do homem, o feminismo chegou ao século 21 dito de muitos modos. É possível amá-lo e odiá-lo, mas não negar seus efeitos. Um dos efeitos mais curiosos do feminismo diz respeito à visão que os homens passaram a fazer de si mesmos e ao modo como são hoje representados por mulheres. Vejamos o que isto quer dizer.

Todos as correntes do feminismo desde o século 18 questionaram o lugar das mulheres como objetos dos homens. Dizer que mulheres são “objeto” para homens significa que eles, como sujeitos do conhecimento e da ação, fariam das mulheres meras “coisas” manipuláveis ou sobre as quais exerceriam sua posse. O feminismo levou a uma mudança de postura das mulheres que puderam, elas mesmas, se tornar “sujeitos” de suas próprias vidas e da história. O modo como mulheres eram vistas foi o que entrou em colapso com os feminismos. Os primeiros feminismos, de mulheres como Olympe de Gouges e de homens como Condorcet (sim, sempre existiram, ontem como hoje, homens feministas) podem ser considerados no contexto da luta pelo respeito quanto à identidade das mulheres que implicava seus direitos de cidadãs. No século 20, o cerne das lutas passou a ser a compreensão da não-identidade como um novo passo rumo à liberdade. O feminismo tornou-se a consciência da construção do “segundo sexo” com Simone de Beauvoir quando o próprio conceito de “mulher” foi posto em crise.

O que dá fundamento ao feminismo como teoria do conhecimento é a análise das representações das mulheres. O ideal da “mulher” como essência, foi alvo da crítica dos chamados feminismos da igualdade que sabem o que implica em termos de poder uma representação tanto para o bem quanto para o mal dos representados.

É uma postura comum dos feminismos contemporâneos a defesa de que já não existe o grupo representativo que entendíamos antes por “mulheres”. O combate à universalidade categórica que apenas favorece a estrutura da dominação foi uma ação responsável do feminismo auto-desconstrutivo, aquele que se chama feminismo enquanto rememoração de um tempo em que a luta era pelos direitos das mulheres. Hoje está em jogo inclusive o direito de não pertencer ao estereótipo “mulher”. No passado Mary Wollstonecraft dizia que o feminismo era uma luta pelos direitos da humanidade. A filósofa incluía homens e mulheres na sua noção de “humanidade”, em contraposição a filósofos do Iluminismo (por exemplo, Kant) que definiam a humanidade pela hegemonia masculina em que as mulheres seriam inclusas apenas enquanto dependentes dos homens.


“Masculinismo” ou uma inversão de foco

Debates, pesquisas e publicações sobre masculinidade mostram que a discussão sobre a identidade dos homens evolui dia após dia. Tal busca auto-reflexiva, no entanto, não seria possível sem o feminismo. O “masculinismo” nascente deriva da autoconsciência dos homens sobre sua condição à deriva diante da revolução vivida pelas mulheres. Neste sentido, podemos dizer que os homens seguem o exemplo das mulheres. Mais que isso, no entanto, obrigam-se a pensar e analisar sua própria condição diante da perda de seu objeto. A revolução masculinista que envolve a auto-reflexividade dos homens está inserida na ética feminista que obriga hoje a olhar para o modo como não apenas as mulheres, mas também os homens foram representados. Exigem-se hoje certas releituras da história.

Bom exemplo para isto é Mme. Bovary de Gustave Flaubert. Em meados do século 19 Flaubert traduziu na imagem de uma mulher em crise com sua condição de classe, de esposa, e mesmo de amante a condição feminina em seu drama e tragédia. Emblema do desejo insatisfeito e da perturbação com a banalidade da vida burguesa, Emma é a imagem de uma mulher que se auto-aniquila diante de seus homens e nos mostra a alegoria de uma espécie de vida contra-ética, a vida que poderia ser diferente. Emma, filha, esposa, mãe e amante infeliz, não precisaria ter sofrido o que sofreu em tempos de direitos das mulheres.

Assim foi que Flaubert, que confessou se confundir com a personagem e nos colocou para sempre na posição de perscrutadores do significado desta metáfora, representou a mulher casada, a infeliz mulher do século 19 que não tinha chance de qualquer experiência fora do reduto do lar, da casa, da pequena cidade, da maternidade, do casamento, da classe social a que pertencia, e que não fez do adultério algo menos medíocre. Emma, a protagonista, merece releitura. Se ela é o foco central em torno do qual transita toda a trama, é importante lembrar que ela não existiria sem os homens que a acompanham em suas aventuras e desventuras.

É para estes homens que hoje é preciso olhar. Se um dos efeitos do feminismo é que os homens aprenderam a questionar a si mesmos, devemos nós também prestar mais atenção aos homens no sentido de perceber como foram representados, ou como se representam a si mesmos. Não é apenas Emma que é construída, mas que todos os homens ao seu redor são figuras cujas características fazem deles imagens essenciais mesmo que acinzentadas diante do brilho da protagonista. A histeria de Emma está intimamente ligada à fraqueza dos homens ao seu redor. Homens marcados pela falta. Do marido, o ingênuo e sem perspectivas Charles Bovary, que a ama e a ela se dedica como o simples esposo que ela repudia, aos amantes Leon e Rodolphe, que representam o alter-ego subdividido de Emma, tão românticos e devassos quanto irresponsáveis e sonhadores, todos são emblemáticos de uma falta que não pode ser suprida. Ela os supre apenas como amante, assim como ao marido a quem, na verdade, nada parece faltar já que integrado ao casamento. No entanto, jamais é suprida por nenhum deles. Nenhum é capaz de aquietar seu desejo marcado pelo insaciável. Nenhum deles corresponde ao sonho.

Os homens de Mme. Bovary não representam nenhuma solução, ao contrário, são todos anti-heróis afins à heroína que a eles se relaciona. Juntos, compõem um mosaico da condição subjetiva que, naquele tempo, veio à luz: a vida do desejo é mais que a da falta, é a da perda de qualquer esperança de que um dia homens e mulheres, juntos, possam forjar a união total. Flaubert, no entanto, faz a todos aqueles homens diferentes de Emma em um ponto fundamental: a vida da angústia que a torna a protagonista, não lhes pertence e isso define o saber infeliz de Emma que culmina na velha solução feminina – mas não feminista, pois seria uma espécie de decisão “de mulherzinhas” - que é o suicídio.


Mulheres falam de homens

Devemos reter da leitura deste livro o fato de que os homens são aí representados como fracos, covardes e impotentes. Numa cultura que supera em alguns aspectos a divisão sexista do patriarcado, as mulheres deixam de ser os únicos seres representados como fracos. Há uma mudança na economia das representações.

Lélia Almeida em um artigo sobre a escritor uruguaia Cristina Peri Rossi, autora e “La Nave de los Locos”, ao analisar a formação do personagem Equis (nome da letra X) chama a atenção para algo que os feminismos ainda não se deram conta, a forma como “mulheres” podem construir personagens “homens”. O que está em jogo hoje é uma inversão radical no campo da economia política da representação. As mulheres aprenderam o poder das representações e, cada vez mais perto do poder, passaram a representar.

Está em jogo um novo olhar e um posicionamento crítico no lugar antes ocupado por um “objeto”. No livro de Peri Rossi, o personagem Equis representa o homem do novo tempo, aquele que não sabe de onde veio nem para onde vai, aquele que se depara com a multiplicidade das sexualidades e aprende a conviver com ela. Equis é um novo sujeito de experiência. Aquele que, na narrativa, é incapaz de decidir se uma mulher é um homem, um travesti ou uma mulher, justamente porque este tipo de construção já não vem ao caso diante da singularidade que se tornou direito de cada indivíduo.

Infelizmente a histeria masculina que se realiza na violência, na prepotência e na queixa contra as novas formas de se ser “mulher”, inclusive aquela que abdica da inscrição em um gênero, ainda precisa ser analisada e desmontada. Muitos homens apegados à inscrição no gênero masculino são tocados narcisicamente pelo feminismo. No entanto, o feminismo continua atual e capaz de sinalizar para uma autoconsciência deste novo sexo frágil que não assume sua própria fragilidade. Neste caso, o feminismo é o melhor espelho do homem.


Marcia Tiburi

Originalmente publicado na Revista Cult 132
Foto do artista plástico do blog  Cave Canen  

Voltamos!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Estamos realizando algumas manutenções preventivas no blog, com isso, diminuimos a frequência das postagens, mas logo logo voltaremos com força total!

Voltamos já já, não sai daí !

Justiça lotada

Um número resume a superlotação crescente dos tribunais brasileiros nos últimos 30 anos: de uma média de 9,5 mil processos protocolados e de 9 mil julgamentos em 1980, o Supremo Tribunal Federal teve 71 mil processos e 103 mil julgamentos em 2010; este ano, já foram 27 mil processos e 39 mil julgamentos.

Em 30 anos, portanto, o número de processos protocolados cresceu 647%, e o de julgamentos, 1.044%.

Quase oito milhões de novos processos foram abertos em 1 instância na Justiça estadual no país, apenas em 2009.

Somados aos que, naquele ano, deram entrada na 2 instância (1,78 milhão), chega-se a um total de 9,38 milhões de casos para os cerca de 14 mil juízes estaduais, que o país tinha em 2009, julgarem, ou seja, 670 novos processos para cada magistrado.

Os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são uma amostra das dificuldades enfrentadas pelo Judiciário, entre elas o excesso de ações. O trabalho do Judiciário é a segunda reportagem de uma série sobre o cumprimento das leis que O GLOBO iniciou ontem.

Com o Judiciário sobrecarregado, quem mais sofre é o cidadão comum, que encontra problemas a cada dia maiores para conseguir seus direitos:

— A gente sabe que tem direitos, mas chegar a eles é difícil. Às vezes, por não saber onde encontrar Justiça. E, quando você vai procurá-la, tem de chegar cedo, esperar. O ideal é que tivesse núcleos de Justiça espalhados nos bairros. Que as pessoas tivessem informação, "olha, é ali que você busca esse direito" — diz a orientadora educacional Lauricy Fátima de Jesus, que mora em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e, na última quinta-feira, procurou a Defensoria Pública, no Centro do Rio, atrás de ajuda para o filho, portador de Síndrome de Asperger (variação do autismo), ter apoio pedagógico na faculdade onde estuda.


Matéria de O Globo
Mais informações em O Globo

Amor - O Interminável Aprendizado

Criança, ele pensava: amor, coisa que os adultos sabem. Via-os aos pares namorando nos portões enluarados se entrebuscando numa aflição feliz de mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da sala ante a família, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois, um depois-adulto-aprendizado.

Se enganava.

Se enganava porque o aprendizado de amor não tem começo nem é privilégio aos adultos reservado. Sim, o amor é um interminável aprendizado.

Por isto se enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do jardim, os casais que nos portões se amavam. Sim, se pesquisavam numa prospecção de veios e grutas, num desdobramento de noturnos mapas seguindo o astrolábio dos luares, mas nem por isto se encontravam. E quando algum amante desaparecia ou se afastava, não era porque estava saciado. Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca recomeçara, pois a fome de amor não sabia nunca, como ali já não se saciara.

De fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo os casados, atrás da aparente tranqüilidade, continuavam inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para namorar. Aquele que era um crente fiel, sempre na igreja, um dia jogou tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em frente da farmácia, tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um boêmio, largando marido e filhos.

Então, constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo os casados, embora pareçam um porto onde as naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da viagem, e só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes naufragaram.

Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões. Os poetas e novelistas deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo morto dos Romeus, Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam condenados à traição daqueles que mais amavam e sem poderem realizar o amor.

O amor se procurava. E se encontrando, desesperava, se afastava, desencontrava.

Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.

O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.

Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.

O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.

Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.

Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não.

Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.

E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.

Absurdo.

Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?

Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.

Não era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.

Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.

Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.

O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.

Optou por aceitar a sua ignorância.

Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado.

E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.


Affonso Romano de Sant'Anna


Texto extraído do livro "21 Histórias de amor", Francisco Alves Editora – Rio de Janeiro, 2002, pág.11.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Cogito

Foto Ilya Lis
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível



eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora



eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim



eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.



Torquato Neto
O Supremo Tribunal Federal (STF), na noite de ontem, decidiu pela legalidade da realização das passeatas que defendem a descriminalização da maconha.

Já no próximo sábado os organizadores da Marcha da Maconha vão se reunir em atos públicos pela Liberdade de Expressão em atos na Praia de Copacabana, no Rio, e em São Paulo.

Uma nova marcha já está programada para o dia 2 de julho na Avenida Paulista.

Estive, por uns dias ausente da blogsfera, cuidando da blogvida! Mas tô de volta!

domingo, 12 de junho de 2011







*Quino, o cartunista argentino autor da Mafalda, desiludido com o rumo deste século no que diz respeito a valores e educação, deixou impresso no cartum o seu sentimento.


Repassado por e-mail  por Josélia



Cartas a um jovem poeta (primeira carta)

Paris, 17 de fevereiro de 1903

Prezadíssimo Senhor,

Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizívies quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.

Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria, somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com a maior clareza no último poema Minha alma. Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema A Leopardi talvez uma espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos sem que a pudesse definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente. Também, meu prezado Senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra sua vida; na fonte desta é que encontrará resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o Senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e a sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.

Mas talvez se dê o caso de, após essa decida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o Senhor de renunciar a se tornar poeta. (Basta como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de sua consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir.

Que mais lhe devo dizer? Parece-me que tudo foi acentuado segundo convinha. Afinal de contas, queria apenas sugerir-lhe que se deixasse chegar com discrição e gravidade ao termo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.

Foi com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Horacek; guardo por este amável sábio uma grande estima e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste meu sentimento. É bondade dele lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la.

Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.

Com todo o devotamento e toda a simpatia,


Rainer Maria Rilke


Texto extraído do livro "Cartas a um jovem poeta", tradução de Paulo Rónai, Editora Globo – Rio de Janeiro, 1995.
"E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens".


Jesus de Nazaré

sábado, 11 de junho de 2011

STF sai diminuido no caso Battisti

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes criticou duramente o posicionamento da Corte na decisão sobre manter o ex-ativista italiano Cesare Battisti no País. De acordo com ele, o Supremo saiu diminuído neste episódio.

Para o ministro, o posicionamento de simplesmente acatar a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva beira ao "presidencialismo imperial". "Como eu disse no meu voto, nós viramos um clube ''lítero-poético-recreativo''. Imagino que isso terá consequências no futuro. Haverá um tipo de organização para impedir extradições. Daqui a pouco teremos consultorias e lobbies para isso", afirmou hoje ao chegar para o jantar em comemoração aos 80 anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na Sala São Paulo, no centro da capital paulista.

Na avaliação dele, é preciso discutir no Congresso o papel do STF neste tipo de questão. "Se de fato o STF serve para isso, para o que se decidiu no caso Battisti, melhor que o STF perca essa competência. Que se confie logo a decisão ao Executivo, criando um modelo de presidencialismo imperial ou que se confie a outro órgão judiciário, não ao STF. Porque colocar o STF submetido à Presidência da República é algo extravagante."


Matéria da Agência Estado