sábado, 20 de setembro de 2008

Jesuino Brilhante

Chamava-se na verdade Jesuíno Alves de Melo Calado, nascido no ano de 1844. Era natural da zona do Patu, Estado do Rio Grande do Norte. O sítio Tiuiú foi seu reduto, firmando seu valhacouto inexpugnável na casa de pedra da serra do cajueiro, próximo ao local onde nasceu.

Fez-se chefe de cangaço devido intrigas com a família Limão, protegida por influentes potentados rurais das províncias do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Mello (1985, p. 92) afirma que “seus principais biógrafos são unânimes em reconhecer-lhe o caráter reto e justiceiro”.

Jesuíno Brilhante agiu no semi-árido da Paraíba e do Rio Grande do Norte, quando a instituição do escravismo ainda vicejava de forma proeminente, cuja estrutura refletia as exigências da classe dominante em fazer valer seus interesses, em detrimento de valores humanos.

Esse cangaceiro transformou-se em Robin Hood, intervindo em prol dos humildes em diversas oportunidades, com ênfase quando da grande seca de 1877-1879, atacando comboios de víveres enviados pelo governo imperial, distribuindo-os com famintos e desvalidos dos sertões ermos e esquecidos.

Mello (id.; ibid.) afirma ainda que “como principais asseclas podem ser mencionados seus irmãos Lúcio e João, seu cunhado Joaquim Monteiro e mais os cabras Manuel Lucas de Melo, o Pintadinho; Antônio Félix, o Canabrava; Raimundo Ângelo, o Latada; Manuel de Tal, o Cachimbinho; José Rodrigues; Antônio do Ó; Benício; Apolônio; João Severiano, o Delegado; José Pereira, o Gato; e José Antônio, o Padre.”

Entre as mais fantásticas de suas ações encontram-se o ataque à cadeia de Pombal, na Paraíba, no ano de 1874, e a resistência à prisão no Martins, Rio Grande do Norte, em 1876.

Embora tenha feito várias alianças com chefes políticos, a exemplo da firmada com o Comandante João Dantas de Oliveira, a fim de que houvesse condições de atacar a cadeia de Pombal, intuindo libertar o irmão e o pai que ali se encontravam prisioneiros, Jesuíno se indispôs com o mandonismo local devido sua ética cangaceira.

A negativa em assassinar eminente professor de nome Juvêncio Vulpis Alba, em Pombal, rendeu-lhe a inimizade com o todo poderoso Comandante João Dantas, o que resultou em conluio deste com o preto Limão para que o vingador sertanejo fosse assassinado.

Jesuíno morreu de emboscada na localidade de Riacho dos Porcos, em Belém do Brejo do Cruz, na Paraíba, no final da seca de 1879-1879, atingido por carga de bacamarte disparada pelo Preto Limão, seu visceral inimigo.


por José Romero Araújo Cardoso

Pérolas do horário eleitoral

Essas foram extraídas da coluna do Luiz Agusto Crispim, Jornal Correio da Paraiba, 20 de setembro de 2008, onde ele estabelece um ranking para as mais engraçadas candidaturas e seus inusitados slogans de campanha:


9° Lugar - Guilherme Bouças.
"Chega de malas, vote em Bouças."


8° Lugar - Grito de guerra do candidato Linguiça, lá de Cotia-SP
"Linguiça Neles!"


7° Lugar - Em Descalvado(AL) tem uma candidata chamada "Dinha", seu slogan é:
"Tudo pela Dinha!"


6° Lugar - Em Carmo do Rio Claro tem um candidato que se chama "Gê".
"Não vote em A, nem em B, nem em C; na hora H, vote em Gê!"


5° Lugar - Em Hidrolândia (GO), tem um candidato chamado Pé.
"Não vote sentado, vote em Pé"


4° Lugar - Em Piraí do Sul tem um candidato que é gay chamado Lady Zu.
"Aquele que da o que promete."


3° Lugar - A cearense chamada Débora Soft, stripper e estrela de show de sexo explícito.
"Vote com prazer!"


2° Lugar - Candidato a prefeito em Aracati(CE).
"Com a minha fé e as fezes de vocês, vou ganhar a eleição."


1° Lugar - Em Mogi das Cruzes(SP) tem um candidato chamado Defundo.
"Vote em Defundo, porque político bom, é político morto!"


-Coitadinha da urna eletrônica.


domingo, 14 de setembro de 2008

O abutre de Kafka e o Prometeu moderno

Num pequeno conto chamado "O abutre", das Narrativas do espólio, de Kafka (na invulgar tradução de Modesto Carone), o narrador conta, em primeira pessoa, que um abutre, após bicar suas botas e meia, estraçalhava-lhe os pés. Outro homem, ao ver a cena, perguntou-lhe por que permitia a ação do abutre. O narrador apenas pode informar que estava indefeso, que após enxotá-lo, e até tentar enforcá-lo, decidiu sacrificar-lhe os pés no lugar do rosto primeiramente almejado pelo abutre. O homem, indignado com o fato de que alguém se deixasse torturar daquela maneira, sugeriu buscar sua espingarda em casa para dar um tiro no animal. Demoraria uma meia hora, tempo que o sujeito dos pés carcomidos não sabe se suportaria. Sem ter nada a perder, aceitou a oferta de ajuda. Enquanto isso, conta-nos o narrador, o abutre escutou calmamente a conversa entre os dois entendendo tudo o que conversavam entre si: "(...) levantou vôo, fez a curva da volta bem longe para ganhar ímpeto suficiente e depois, como um lançador de dardos, arremessou até o fundo de mim o bico pela minha boca. Ao cair para trás, senti, liberto, como ele se afogava sem salvação no meu sangue, que enchia todas as profundezas e inundava todas as margens".

Talvez esse tenha sido um pesadelo de Kafka. Não importa. É dos conto s mais enigmáticos que se pode ler. Evidente surrealismo que nos faria simplesmente admirar a idéia na contramão do real, o conto, no entanto, carrega uma pista simbólica que não pode ser deixada de lado na análise daquilo que nos impele a agir. Também Prometeu, no mito fundador da relação entre o homem ocidental e o conhecimento, teve um de seus órgãos, o fígado, carcomido pela eternidade por um abutre. Pagou pelo seu feito. Prometeu foi punido pelos deuses do Olimpo, por ter dado aos homens o fogo, em seu caráter altamente simbólico de alcance do conhecimento. O homem de Kafka, no entanto, não pode ser punido por nada porque não fez nada a ninguém. Não pode ser acusado não apenas porque sendo moderno já não é controlado pelos deuses nem conhece a eternidade, mas porque está só em seu sofrimento. A culpa objetivamente não existe, talvez pese fantasmagoricamente sobre o sujeito causando-lhe a dor. O conto, porém, não nos informa sobre nada disso. S ó o que sabemos é que ele não pode fazer nada, está indefeso. Indignados como o homem da espingarda, este outro civilizado que nos habita, perguntamo-nos, por quê? A resposta está ali. Após tentativas de escapar, até a tentativa de enforcar o animal, sucumbe-se à sua força. O abutre é mais forte do que o homem e, por isso, este é carcomido por aquele e não, obviamente, o contrário. O homem nem pode sofrer de solidão, pois desde sempre está acompanhado pelo abutre. Seria o abutre um emblema da melancolia que da punição de Prometeu com a angustiante prisão no abismo ao homem encurralado de Kafka, não cessa seu gesto de tortura da qual é impossível fugir? Talvez o abutre seja o emblema de todo o sofrimento que acompanha o homem e que jamais permitirá que ele viva só. É o sofrimento que nos vigia e que se apresenta com a única e incontornável solução que se apresenta, ontem como hoje, como pergunta: por quê?

É a relação entre a força do abutre e a fraqueza do homem que sinaliza o ensinamento do conto em seu caráter de fábula deixado, por Kafka, à interpretação de seu leitor. Sabemos que as Narrativas do Espólio não deviam ser publicadas, e, por isso, esse leitor não estava, para ele, de modo algum, sacramentado. Pertencem-nos apenas pelo caráter clandestino do fado que ousa interromper o desejo de qualquer um. Não é menor a clandestinidade daquilo que ele nos revela e que reside no homem como uma interrupção de tudo o que ele projetou para si em termos de felicidade, conquista do sucesso, realização, satisfação. O abutre não é apenas a incapacidade de ser feliz ou a vigilância que o nosso próprio sofrimento, tão atuante quanto o desejo, opera sobre nós. Ele não é apenas a figura da desgraça que nos abate. Ele é a confusa performance da impotência da ação que se apresenta mais forte do que toda a nossa capacidade de agir.

"O abutre", de Kafka é nosso. Ele nos coloca diante do desenho completo que carrega o enigma da inação. Se os personagens de Kafka representam uma alegoria, ela diz respeito ao que em nós desiste de agir por impotência enquanto um outro, sabendo o que deve ser feito, possuindo uma arma redentora, vai a buscar socorro sem nunca voltar. Ambos os personagens falam da condição humana. Do ser humano que entregue às próprias tentativas e esperanças é sempre por último observado pelo que nele há de mais forte, a sua própria impotência.

Enquanto é observado pelo próprio princípio do mal que tem olhos só para si, nele se opera o seu próprio reconhecimento na satisfação de que, por fim, tudo encontre alento pelo simples fato de que somos um com ele. O abutre que hoje age sobre as bases (o abutre carcome nossos pés com os quais poderíamos ir a algum lugar; ontem, carcomia o fígado, órgão que produzia a bile e, em seu negror, a melancolia) morre, como no homem de Kafka, por seu próprio gesto capaz de ir ao mais fundo de nós. Aquilo que nos carcome é o que nos olha entendendo todos os acordos que possamos fazer para derrotá-lo. É aquilo que tendo o máximo poder sobre nós se afoga em nosso próprio sangue. Está em nós e inundou todas as nossas margens.

Derrotar o abutre é derrotar a si mesmo. A inação do homem, sua incapacidade de fazer um mundo diferente - mais justo, menos violento - deveria ser usada a seu favor, como resistência. A inação do homem também nos ensina que o abutre pode ser morto. Ainda que o carreguemos como parte do líquido da vida e fiquemos mancos para sempre. Tal é a potência dúplice da ação: é preciso fazer, é preciso resistência, mas é igualmente preciso entender a força da impotência.


Marcia Tiburi
Publicado na Revista Cult

Urna não é penico, vote certo, escolha bem!


sábado, 13 de setembro de 2008

JESUS ERA ... PERIPATÉTICO (Max Gehringer)

Numa das empresas em que trabalhei, eu fazia parte de um grupo de
treinadores voluntários. Éramos coordenados pelo chefe de treinamento, o
professor Lima, e tínhamos até um lema: "Para poder ensinar, antes é preciso
aprender" (copiado, se bem me recordo, de uma literatura do Senai). Um
dia, nos reunimos para discutir a melhor forma de ministrar um curso para
cerca de 200 funcionários. Estava claro que o método convencional -- botar
todo mundo numa sala -- não iria funcionar, já que o professor insistia na
necessidade da interação, impraticável com um público daquele tamanho.
Como sempre acontece nessas reuniões, a imaginação voou longe do objetivo,
até que, lá pelas tantas, uma colega propôs usarmos um trecho do Sermão da
Montanha como tema do evento. E o professor, que até ali estava meio
quieto, respondeu de primeira. Aliás, pensou alto:
-- Jesus era peripatético...
Seguiu-se uma constrangida troca de olhares, mas, antes que o hiato pudesse
ser quebrado por alguém com coragem para retrucar a afronta, dona Dirce, a
secretária, interrompeu a reunião para dizer que o gerente de RH precisava
falar urgentemente com o professor. E lá se foi ele, deixando a sala à
vontade para conspirar.
- Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau gosto -- disse
a Laura.
-- Eu nem diria de mau gosto, Laura. Eu diria ofensivo mesmo -- emendou o
Jorge, para acrescentar que estava chocado, no que foi amparado por um
silêncio geral.
-- Talvez o professor não queira misturar religião com treinamento --
ponderou o Sales, que era o mais ponderado de todos. -- Mas eu até vejo uma
razão para isso...
-- Que é isso, Sales? Que razão?
-- Bom, para mim, é óbvio que ele é ateu.
-- Não diga!
-- Digo. Quer dizer, é um direito dele. Mas daí a desrespeitar a
religiosidade alheia...
Cheios de fúria, malhamos o professor durante uns dez minutos e, quando já
o estávamos sentenciando à fogueira eterna, ele retornou. Mas nem
percebeu a hostilidade. Já entrou falando:
-- Então, como ia dizendo, podíamos montar várias salas separadas e colocar
umas 20 pessoas em cada uma. É verdade que cada treinador teria de repetir a
mesma apresentação várias vezes, mas... Por que vocês estão me olhando desse
jeito?
-- Bom, falando em nome do grupo, professor, essa coisa aí de peripatético,
veja bem...
-- Certo! Foi daí que me veio a idéia. Jesus se locomovia para fazer
pregações, como os filósofos também faziam, ao orientar seus discípulos. Mas
Jesus foi o Mestre dos Mestres, portanto a sugestão de usar o Sermão da
Montanha foi muito feliz. Teríamos uma bela mensagem moral e o deslocamento
físico... Mas que cara é essa?...Peripatético quer dizer "o que ensina
caminhando".
E nós ali, encolhidos de vergonha.
Bastaria um de nós ter tido a humildade de confessar que desconhecia a
palavra que o resto concordaria e tudo se resolveria com uma simples ida ao
dicionário. Isto é, para poder ensinar, antes era preciso aprender.
Finalmente, aprendemos. Duas coisas. A primeira é: o fato de todos
estarem de acordo não transforma o falso em verdadeiro. E a segunda é que a
sabedoria tende a provocar discórdia, mas a ignorância é quase sempre
unânime.


(Artigo escrito por Max Gehringer publicados na Revista VOCÊ SA.)

Oscar Wilde

No auge do sucesso como romancista e autor teatral, Oscar Wilde entrou na Justiça contra um marquês que falava mal dele. O marquês conseguiu inverter o processo, e Wilde foi parar na prisão.

Ali escreveu seu mais belo poema, onde procura entender porque o homem termina sendo seu próprio carrasco.

Estes são alguns versos de "A balada do cárcere de reading":

A gente destrói aquilo que mais ama
em campo aberto, ou numa emboscada;
alguns com a leveza do carinho
outros com a dureza da palavra;
os covardes destroem com um beijo
os valentes destroem com a espada.
Mas a gente sempre destrói aquilo que mais ama.


Paulo Coelho

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Muito cedo para decidir

Gandhi se casou menino. Foi casado menino. O contrato, foram os grandes que assinaram. Os dois nem sabiam direito o que estava acontecendo, ainda não haviam completado 10 anos de idade, estavam interessados em brincar. Ninguém era culpado: todo mundo estava sendo levado de roldão pelas engrenagens dessa máquina chamada sociedade, que tudo ignora sobre a felicidade e vai moendo as pessoas nos seus dentes. Os dois passaram o resto da vida se arrastando, pesos enormes, cada um fazendo a infelicidade do outro.

Vocês dirão que felizmente esse costume nunca existiu entre nós: obrigar crianças que nada sabem a entrar por caminhos nos quais terão de andar pelo resto da vida é coisa muito cruel e... burra! Além disso já existe entre nós remédio para casamento que não dá certo.

Antigamente, quando se queria dizer que uma decisão não era grave e podia ser desfeita, dizia-se: "isso não é casamento!". Naquele tempo, sim, casamento era decisão irremediável, para sempre, até que a morte os separasse, eterna comunhão de bens e comunhão de males. Mas agora os casamentos fazem-se e desfazem-se até mesmo contra a vontade do Papa, e os dois ficam livres para começar tudo de novo...

Pois dentro de poucos dias vai acontecer com nossos adolescentes coisa igual ou pior do que aconteceu com o Gandhi e a mulher dele, e ninguém se horroriza, ninguém grita, os pais até ajudam, concordam, empurram, fazem pressão, o filho não quer tomar a decisão, refuga, está com medo. "Tomar uma decisão para o resto da minha vida, meu pai! Não posso agora!" e o pai e a mãe perdem o sono, pensando que há algo errado com o menino ou a menina, e invocam o auxílio de psicólogos para ajudar...

Está chegando para muitos o momento terrível do vestibular, quando vão ser obrigados por uma máquina, do mesmo jeito como o foram Gandhi e Casturbai (era esse o nome da menina), a escrever num espaço em branco o nome da profissão que vão ter.

Do mesmo jeito não: a situação é muito mais grave. Porque casar e descasar são coisas que se resolvem rápido. Às vezes, antes de se descasar de uma ou de um, a pessoa já está com uma outra ou um outro. Mas, com a profissão não tem jeito de fazer assim. Pra casar, basta amar.

Mas na profissão, além de amar tem de saber. E o saber leva tempo pra crescer.

A dor que os adolescentes enfrentam agora é que, na verdade, eles não têm condições de saber o que é que eles amam. Mas a máquina os obriga a tomar uma decisão para o resto da vida, mesmo sem saber.

Saber que a gente gosta disso e gosta daquilo é fácil. O difícil é saber qual, dentre todas, é aquela de que a gente gosta supremamente. Pois, por causa dela, todas as outras terão de ser abandonadas. A isso que se dá o nome de "vocação"; que vem do latim, vocare, que quer dizer "chamar". É um chamado, que vem de dentro da gente, o sentimento de que existe alguma coisa bela, bonita e verdadeira à qual a gente deseja entregar a vida.

Entregar-se a uma profissão é igual a entrar para uma ordem religiosa. Os religiosos, por amor a Deus, fazem votos de castidade, pobreza e obediência. Pois, no momento em que você escrever a palavra fatídica no espaço em branco, você estará fazendo também os seus votos de dedicação total á sua ordem. Cada profissão é uma ordem religiosa, com seus papas, bispos, catecismos, pecados e inquisições.

Se você disser que a decisão não é tão séria assim , que o que está em jogo é só o aprendizado de um ofício para se ganhar a vida e, possivelmente, ficar rico, eu posso até dizer: "Tudo bem! Só que fico com dó de você! Pois não existe coisa mais chata que trabalhar só para ganhar dinheiro."

É o mesmo que dizer que, no casamento, amar não importa. Que o que importa é se o marido — ou a mulher — é rico. Imagine-se agora, nessa situação: você é casado ou casada, não gosta do marido ou da mulher, mas é obrigado a, diariamente, fazer carinho, agradar e fazer amor. Pode existir coisa mais terrível que isso? Pois é a isso que está obrigada uma pessoa, casada com uma profissão sem gostar dela. A situação é mais terrível que no casamento, pois no casamento sempre existe o recurso de umas infidelidades marginais. Mas o profissional, pobrezinho, gozará do seu direito de infidelidade com que outra profissão?

Não fique muito feliz se o seu filho já tem idéias claras sobre o assunto. Isso não é sinal de superioridade. Significa, apenas, que na mesa dele há um prato só. Se ele só tem nabos cozidos para comer, é claro que a decisão já está feita: comerá nabos cozidos e engordará com eles. A dor e a indecisão vêm quando há muitos pratos sobre a mesa e só se pode escolher um.

Um conselho aos pais e aos adolescentes: não levem muito a sério esse ato de colocar a profissão naquele lugar terrível. Aceitem que é muito cedo para uma decisão tão grave. Considerem que é possível que vocês, daqui a um ou dois anos, mudem de idéia. Eu mudei de idéia várias vezes, o que me fez muito bem. Se for necessário, comecem de novo. Não há pressa. Que diferença faz receber o diploma um ano antes ou um ano depois?

Em tudo isso o que causa a maior ansiedade não é nada sério: é aquela sensação boba que domina pais e filhos de que a vida é uma corrida e que é preciso sair correndo na frente para ganhar. Dá uma aflição danada ver os outros começando a corrida, enquanto a gente fica para trás.

Mas a vida não é uma corrida em linha reta. Quando se começa a correr na direção errada, quanto mais rápido for o corredor, mais longe ele ficará do ponto de chegada. Lembrem-se daquele maravilhoso aforismo de T. S. Eliot: "Num país de fugitivos os que andam na direção contrária parecem estar fugindo."

Assim, Raquel, não se aflija. A vida é uma ciranda com muitos começos.

Coloque lá a profissão que você julgar a mais de acordo com o seu coração, sabendo que nada é definitivo. Nem o casamento. Nem a profissão. E nem a própria vida...

O escritor responde a uma estudante angustiada e dá aos pais motivos para meditarem sobre a escolha da profissão.


Rubem Alves


O texto acima foi extraído do livro "Estórias de quem gosta de ensinar — O fim dos Vestibulares", editora Ars Poetica — São Paulo, 1995, pág. 31.

Faixas de pedestres

Volto novamente ao tema das faixas de pedestres, desta feita para propor a realização de estudo psico-antropológico. Vocês já pararam para pensar na tipologia de expressões, gestos e atitudes do que estão a atravessar na faixa? Os mais velhos, além de levantarem excessivamente os braços, quase sempre soltam um risinho de quem está pensando: "como este milagre foi possível?". Os mais jovens, em contrapartida, passam frequentemente com a cara feia, como quem diz: "parar não é mais do que a sua obrigação". Em todo caso, há os que riem, os que passam correndo, os que não passam e ficam titubiando, os mortos de medo, e assim por diante... Está aí, portanto, a sugestão para uma importante pesquisa sobre tipos pessoenses!

Eduardo Rabenhorst