quinta-feira, 30 de junho de 2016

Eu escrevi um poema triste

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!



Mário Quintana

Queixas de defunto

Antônio da Conceição, natural desta cidade, residente que foi em vida, a Boca do Mato, no Méier, onde acaba de morrer, por meios que não posso tornar público, mandou-me a carta abaixo que é endereçada ao prefeito. Ei-la:

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Doutor Prefeito do Distrito Federal. Sou um pobre homem que em vida nunca deu trabalho às autoridades públicas nem a elas fez reclamação alguma. Nunca exerci ou pretendi exercer isso que se chama os direitos sagrados de cidadão. Nasci, vivi e morri modestamente, julgando sempre que o meu único dever era ser lustrador de móveis e admitir que os outros os tivessem para eu lustrar e eu não.

Não fui republicano, não fui florianista, não fui custodista, não fui hermista, não me meti em greves, nem em cousa alguma de reivindicações e revoltas; mas morri na santa paz do Senhor quase sem pecados e sem agonia.

Toda a minha vida de privações e necessidades era guiada pela esperança de gozar depois de minha morte um sossego, uma calma de vida que não sou capaz de descrever, mas que pressenti pelo pensa mento, graças à doutrinação das seções católicas dos jornais.

Nunca fui ao espiritismo, nunca fui aos “bíblias”, nem a feiticeiros, e apesar de ter tido um filho que penou dez anos nas mãos dos médicos, nunca procurei macumbeiros nem médiuns.

Vivi uma vida santa e obedecendo às prédicas do Padre André do Santuário do Sagrado Coração de Maria, em Todos os Santos, conquanto as não entendesse bem por serem pronunciadas com toda eloqüência em galego ou vasconço.

Segui-as, porém, com todo o rigor e humildade, e esperava gozar da mais dúlcida paz depois de minha morte. Morri afinal um dia destes. Não descrevo as cerimônias porque são muito conhecidas e os meus parentes e amigos deixaram-me sinceramente porque eu não deixava dinheiro algum. E bom, meu caro Senhor Doutor Prefeito, viver na pobreza, mas muito melhor é morrer nela. Não se levam para a cova maldições dos parentes e amigos deserdados; só carregamos lamentações e bênçãos daqueles a quem não pagamos mais a casa.

Foi o que aconteceu comigo e estava certo de ir direitinho para o Céu, quando, por culpa do Senhor e da Repartição que o Senhor dirige, tive que ir para o inferno penar alguns anos ainda.

Embora a pena seja leve, eu me amolei, por não ter contribuído para ela de forma alguma. A culpa é da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro que não cumpre os seus deveres, calçando convenientemente as ruas. Vamos ver por quê. Tendo sido enterrado no cemitério de Inhaúma e vindo o meu enterro do Méier, o coche e o acompanha mento tiveram que atravessar em toda a extensão a Rua José Bonifácio, em Todos os Santos.

Esta rua foi calçada há perto de cinqüenta anos a macadame e nunca mais foi o seu calçamento substituído. Há caldeirões de todas as profundidades e larguras, por ela afora. Dessa forma, um pobre defunto que vai dentro do caixão em cima de um coche que por ela rola sofre o diabo. De uma feita um até, após um trambolhão do carro mortuário, saltou do esquife, vivinho da Silva, tendo ressuscitado com o susto.

Comigo não aconteceu isso, mas o balanço violento do coche machucou-me muito e cheguei diante de São Pedro cheio de arranha duras pelo corpo. O bom do velho santo interpelou-me logo:

— Que diabo é isto? Você está todo machucado! Tinham-me dito que você era bem-comportado — como é então que você arranjou isso? Brigou depois de morto?

Expliquei-lhe, mas não me quis atender e mandou que me fosse purificar um pouco no inferno.

Está aí como, meu caro Senhor Doutor Prefeito, ainda estou penando por sua culpa, embora tenha tido vida a mais santa possível. Sou, etc., etc. Posso garantir a fidelidade da cópia a aguardar com paciência as providências da municipalidade.
 

Afonso Henriques de
Lima Barreto


Publicado na revista "Careta" - Rio de Janeiro, edição de 20/03/1920.

O texto acima foi extraído do livro “As cem melhores crônicas brasileiras”, Organização e Introdução de Joaquim Ferreira dos Santos, Editora Objetiva – Rio de Janeiro (RJ), pág. 34/35. Foi também publicado na “Coleção Melhores Crônicas”, direção de Edla vaan Steen, Editora Global – São Paulo – 2005, pág. 45/48.

João Cabral de Melo Neto

Joaquim:
 
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

João Cabral de Melo Neto 

As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia
"Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.

De pé ou sentado ?

Nos Estados Unidos, a moda começa na Califórnia e um mês depois chega a Nova York.


No Brasil — dizem —, é no Rio primeiro, depois em São Paulo, embora uma corrente me garanta que, na verdade, a cidade geradora seja Salvador.

Aqui na Europa, as coisas que dizem respeito à guerra dos sexos, ou mesmo ao armistício dos sexos, vêm da Suécia.

Confesso-me alarmado com as mais recentes notícias vindas da frente do — mudemos de metáfora — interessante e disputado cotejo.

Explico: as jovens suecas estão exigindo, friso, exigindo que os homens passem a fazer pipi sentados.
A justificativa é feita em duas partes: primeiro, afirmam elas, trata-se de uma questão de higiene.
Não há de que discordar, apenas ponderar que, afinal, uma boa pontaria, ou mesmo uma dessas escovinhas que se quedam mudas num canto do banheiro, resolveriam sem maiores problemas a questão.

Levantar a taboa, talvez.

A segunda parte é mais complicada e, parece-me, é nela que reside o X do problema: para as suecas que fazem parte do movimento que poderíamos, à brasileira, batizar de "Ou Senta ou Dança", os homens na verdade, ao fazerem pipi de pé, estão apenas exibindo um injustificável triunfalismo, alardeando seu machismo, jactando-se de sua condição de porcos chauvinistas irremediáveis.

Para não dizer que, no ato da micção, o sexo masculino entretém pensamentos negativos sobre aquele que já foi um dia, há muito, muito tempo, o sexo dito frágil.

Entre as suequinhas e sueconas mais progressistas, que constituem a ala mais extremada do movimento, há mesmo a acusação de que o pipi de pé é o máximo da vulgaridade.

Mais: chega a beirar a violência física.

Quer me parecer que a correção política, na Suécia, atingiu seu ápice e que a moda que ameaça infligir ao resto da Europa, quiçá o mundo, foge a todas as regras do bom senso, beirando mesmo o desmando.

Ouço dizer que a Alemanha já começa a — se é esse o verbo — curvar-se diante da intransigência feminina escandinava.

Mas lá, parece, é mais o medo da propagação de vírus.

Ocorre-me uma coisa: e quando a gente cumprimenta uma mocinha ou senhora sueca?

É para ficar sentado ou é para se levantar

Ivan Lessa

quarta-feira, 29 de junho de 2016

A educação brasileira no centro de uma guerra ideológica

Movimentos fazem leis contra a "ideologia nas escolas" e pedem que currículo básico passe pela Câmara

A polarização ideológica que atingiu o país nos últimos anos tem levado a educação para o centro de uma batalha que começa a ter contornos perigosos, na opinião de educadores. Iniciativas espelhadas no movimento "Escola Sem Partido", que prega o "fim da doutrinação" nas escolas, têm se espalhado pelo Brasil e pressões conservadoras querem levar a aprovação da Base Nacional Comum Curricular, um documento guia para todas as escolas e que há um ano é discutido por especialistas, para as mãos do Congresso, que em 2015 já conseguiu banir o termo "gênero" do Plano Nacional de Educação, por considerar que a palavra se referia a uma questão de ideologia.

Criado há 12 anos por um pai indignado com o professor de história da filha, o Escola Sem Partido começou a ganhar um protagonismo maior no ano passado. E, neste ano, entrou na lista de assuntos polêmicos quando o controverso ator Alexandre Frota -conhecido por suas posições extremistas contra a esquerda e por uma aparição na TV em que disse, em um quadro humorístico, ter estuprado uma mulher- foi recebido ao lado de manifestantes pró-impeachment do grupo Revoltados Online pelo ministro interino da Educação, Mendonça Filho, para discutir, entre outras coisas, o projeto, segundo eles.

Longe dos holofotes, entretanto, o movimento já ganhou bastante espaço em muitas esferas políticas. Segundo o grupo Professores contra o Escola Sem Partido, ao menos nove Estados, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo, além do Distrito Federal e de diversos municípios, discutem projetos de lei aos moldes de um documento criado pelo movimento. Tal documento justifica a necessidade da legislação assim: "É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas". Entre os artigos do projeto, há a determinação de que o poder público vede, especialmente, "a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero" e diz que entre os deveres do professor está o respeito "ao direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções". O âmbito das questões "morais" se refere especialmente à sexualidade e isso inviabilizaria, por exemplo, as aulas de educação sexual nas escolas. "Elas teriam que ser optativas, para pais que aceitarem que seus filhos aprendam sobre isso com os professores", explica o advogado Miguel Nagib, idealizador do projeto.

Saiba mais clicando aqui

Talita Bedinelli, El País

Frase

O que precisamos entender é que existe uma revolta do povo contra as elites. Um voto contra a perda de empregos e contra a austeridade. É assim que temos de entender o que ocorreu.

Micheline Calmy-Rey, ex-presidente e ex-chefe da diplomacia suíça, sobre o referendo que decidiu a saída do Reino Unido da União Europeia

Psicopatos


Sobre o ato de escrever

►“O escritor William Faulkner dizia que são necessárias três coisas para escrever — imaginação, experiência e observação —, mas que muitas vezes apenas uma delas pode suprir a falta das demais. É uma tríade interessante para pensar como a vida se recria na escrita; de certa forma, literaturas inteiras se articulam no equilíbrio (ou desequilíbrio) dessas três qualidades.” [...] (TEZZA, Cristovão. A imaginação. In: ____. A máquina de caminhar; seleção e apresentação de Christian Schwartz. Rio de Janeiro: Record, 1. ed., 2016, p. 37.)
 
►“[...] Porque escrever não é um meio para chegar em algum lugar, mas a própria construção do lugar, na proporção de um tijolo por palavra, dizendo com simplicidade. Não conseguimos escapar da linguagem, nossa alma visível.” 

 (TEZZA, Cristovão. O que está acontecendo com a literatura brasileira. In: ____. A máquina de caminhar; seleção e apresentação de Christian Schwartz. Rio de Janeiro: Record, 1. ed., 2016, p. 81.)

Adoniran Barbosa e Elis Regina

Humor: viu o que?

A professora ia entrando na sala de aula, quando tropeçou no degrau da porta. Ela então começa a perguntar para os alunos: - Juquinha, o que você viu? Ele responde: - Suas pernas, professora. - Uma semana de suspensão! Manuel, o que você viu ? - Suas coxas, professora. Ela então dá duas semanas de suspensão pra ele. - Joãozinho, o que você viu ? Ele então vai juntando os materiais, saindo, passa pela porta, se vira para trás e diz: - Tchau pessoal, até o ano que vem...

terça-feira, 28 de junho de 2016

Rio ganha sua primeira estátua de uma artista mulher: Clarice Lispector

No último dia 15, o Rio de Janeiro ganhou sua primeira estátua de uma artista mulher. A escolhida: a escritora Clarice Lispector (1920-1977).

Produzida pelo escultor Edgar Duvivier, ela está localizada no Leme, perto ao Posto 1, local onde ela morou por 12 anos.

A ideia de homenagear Clarice partiu da professora de literatura Teresa Monteiro, biógrafa de Clarice. Com apoio da atriz Beth Goulart, que representou a escritora no teatro, organizaram um abaixo-assinado para que a estátua de Clarice, juntamente com o cachorro Ulisses, fosse erguida. “Foi um conjunto de forças, união de várias pessoas”, conta Teresa à agência Brasil.

Para financiar a escultura, foram vendidas miniaturas de Clarice com o cachorro, também produzidas por Edgard. Ele e seu filho Gregório desembolsaram R$ 90 mil do próprio bolso.

Fonte aqui

Uma escola longe de nós: sobre o golpe na educação e as ocupações

O Golpe na educação começou em 1964. A repressão aos professores, àqueles que tinham um pensamento crítico, progressista ou simplesmente livre, foi violenta. Da cassação à tortura, os professores foram humilhados de todas as formas. Sobreviveram, mas sob as piores condições.
Como professora de filosofia, eu sempre disse aos meus alunos que eu só podia falar o que falo, tratar de conteúdos críticos nas nossas aulas, porque não estávamos mais na ditadura.
Bom lembrar que a filosofia se tornou disciplina obrigatória no governo Lula depois de o governo FHC ter evitado que ela retornasse ao currículo do Ensino Médio.
É sempre bom saber quem apoia e de quem não apoia a filosofia na escola, porque ela é uma parte essencial da formação das pessoas. A filosofia é importantíssima em qualquer escola em qualquer tempo. Não é a toa que, dentre as disciplinas humilhadas pelo sistema repressor, pela ditadura, a filosofia ficou sempre entre as mais humilhadas. Justamente por dar muito poder às pessoas. Por deslocar o sentido do poder, da força para a reflexão. O poder do pensamento, da análise, da crítica, do questionamento que, por isso mesmo, ameaça os poderosos e seus sistemas de verdades dogmáticas e prontas.
Desde que estamos vivendo esse novo golpe, esse golpe muito baixo, desde que o autoritarismo usurpou o governo, estuprou a democracia e a lançou em coma num quarto escuro da história, eu penso no que acontecerá com os professores de filosofia que inevitavelmente fazem política ao lecionar em nome do pensamento lúcido e crítico.
Quem não entendeu que a filosofia é uma política do pensamento, não entendeu nada de filosofia. Mas isso é assunto para outro momento.

Professores e escolas humilhadas

A profissão de ensinar, da qual qualquer pessoa poderia se orgulhar, é tratada desde a ditadura militar, essa que ressuscita agora sem ajuda de militares, como motivo de vergonha para muitos. Os professores são humilhados pelo capitalismo por meio de salários cada vez mais baixos. Sabemos que uma das armas do extermínio capitalista é o salário das pessoas. A dignidade fica ameaçada quando, num contexto em que a materialidade da vida está ameaçada por falta de condições, não se tem, por exemplo, dinheiro para pagar a conta de luz e é preciso comprar um livro.
A educação é tratada desde a ditadura militar em sua aliança com o capitalismo como algo supérfluo, como mercadoria, não como um direito das pessoas, sobretudo dos jovens, mas como um luxo que pode adquirir aquele que pode tem dinheiro para pagar. Espera-se de quem quer ser professor que seja herói ou que desista e procure coisa melhor para fazer. No senso comum não se diz de um professor que é alguém que não trabalha? É uma brincadeira de mau gosto, mas ela expressa a estupidez do senso comum, cruel como o sistema econômico e político que o administra por meio dos pensamentos prontos.
Infelizmente, muitas pessoas são lavadas por pensamentos prontos. Elas perderam a noção de sociedade. Perderam a noção de ética e de política. Não imaginam que um projeto transformador de país precisa de um projeto de educação transformador. (Desvalorizar o trabalho intelectual é essencial para que a burrice vença de vez. Bom lembrar que o trabalho intelectual é um trabalho concreto como outro qualquer, exige esforço físico e psíquico, inclusive e muitas horas de dedicação e produz materialidades. Mas isso também é tema para outra hora)
A repressão é promovida por indivíduos que agem em nome do sistema econômico e político. Aquilo que para o indivíduo autoritário em sua versão fascista é uma espécie de prazer em humilhar, para o sistema é certeza de lucro a curto, médio e longo prazo. O sistema conta com esse sacerdote, essa pessoa que adere a ele. Mas o projeto é sistêmico, não podemos culpar indivíduos.
Nesse contexto, o que se projeta é a privatização almejada pelas economias neoliberais. Para quem não sabe o que é neoliberalismo, uma palavra muito usada e pouco analisada, podemos usar uma definição básica: neoliberalismo é um projeto de rebaixamento de tudo o que é ético e político ao econômico, de tudo o que é humano à mercadoria. No neoliberalismo a sociedade tem que viver em competição, e os que tem poder econômico devem vencer. Não há nenhum problema em ser vencedor, e nenhum problema em ser vencido do ponto de vista neoliberal. Por que os vencidos economicamente não contam no projeto de lucro geral. O problema é deles se morrerem de fome, sem escola, sem saúde. Para que fique tudo bem, a ideologia que se deve implantar é a do individualismo e da meritocracia. E cada um deve acreditar que tem o mérito e a força – ou que não os tem e desistir logo – e que pode ser melhor do que os outros. Deve também pensar que direitos são inúteis e que o que realmente importa é o vigor pessoal e a capacidade de competir.
Falar disso cruamente não seria bom para o neoliberalismo. Por isso, muito se irritam com esse tipo de fala. O povo poderia se revoltar se soubesse que está marcado para morrer aos poucos. Convenhamos, é uma morte lenta a que se produz pela desigualdade. A morte rápida também ajuda. A morte de jovens negros e de indígenas, de pessoas trans, de travestis, de mulheres, faz parte da programação de matança geral dos indesejados para o sistema.
No nosso caso ela começou há muito tempo e persiste até agora.
Além disso, o Brasil sempre foi colônia e não perdeu esse dever inconsciente de servir ao estrangeiro que hoje fica claro nas formas de entreguismo econômico cada vez mais radical. Mas sobre isso também é preciso falar com mais tempo.


A educação ocupada

No meio disso tudo, os estudantes secundaristas em 2016 por todo o Brasil nos fazem ver uma luz no fim do túnel. O que eles nos mostram é algo simples: se a educação foi abandonada agora ela precisa ser ocupada.

Ontem, como hoje, os estudantes movem-se contra o golpe. Tentam salvar a educação salvando as escolas. Para isso, usam uma tática pacífica muito atual chamada ocupação.

A tática da ocupação é corporal, territorial e geopolítica.

Ora ocupamos aquilo que queremos questionar, ora ocupamos aquilo que queremos salvar. A escola nunca foi um paraíso, mas a ocupação dos estudantes, em qualquer tempo e lugar, tem o poder de ressignificar a educação para eles mesmos, para os professores, para a sociedade como um todo.

Ontem fui à Ocupação da Escola Clélia Nanci, em São Gonçalo. Escolhi ir até lá porque era longe e fora dos circuitos mais acessíveis. A ocupação é sempre geopolítica e é normal preferir acessos mais fáceis. Mas a educação é também uma metáfora e uma “escola longe de nós” é mais ainda. Precisamos nos aproximar e para isso é preciso deslocar.

Eu quis estar lá. Espero que eu tenha contribuído com aqueles estudantes heroicos que lutam por sua escola, por sua instituição tão longe de quaisquer holofotes, longe de atenções, ocultados pela grande mídia que atualmente faz o papel anti-educativo de desinformar.

Lá na Ocupa Clélia tivemos uma aula de filosofia geral e de filosofia feminista com estudantes interessados e atentos. Éramos poucos e, felizes, realizamos o diálogo filosófico. Para mim, inesquecível.

Márcia Tiburi

Versículo do dia

“Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos pecados de todo o mundo.” 
 
— 1 João 2:2
Mas, nos dias desses reis, o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído; e este reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos esses reinos, mas ele mesmo subsistirá para sempre,
Daniel 2:44

Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis.
Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
2 Pedro 1:10,11

As pessoas são tão boas quando o mundo as deixa ser". 

Batman

segunda-feira, 27 de junho de 2016


Particularidades 1

Na plena solidão de um amplo descampado,
penso em ti e que tu pensas em mim suponho;
tenho toda afeição de um arbusto isolado,
abstrato o olhar, entregue à delícia de um sonho.

O Vento, sob o céu de brumas carregado,
passa, ora langoroso, ora forte, medonho!
e tanto penso em ti, ó meu ausente amado!
que te sinto no Vento e a ele, feliz, me exponho.

Com carícias brutais e com carícias mansas,
cuido que tu me vens, julgo-me toda nua...
– sou árvore a oscilar, meus cabelos são franças...

E não podes saber do meu gozo violento,
quando me fico assim, neste ermo, toda nua,
completa-te exposta à Volúpia do Vento!


Gilka Machado

O gramático (*)

Alto, magro, com os bigodes grisalhos a desabar, como ervas selvagens pela face de um abismo, sobre os cantos da funda boca munida de maus dentes, o professor Arduíno Gonçalves era um desses homens absorvidos completamente pela gramática. Almoçando gramática, jantando gramática, ceando gramática, o mundo não passava, aos seus olhos, de um enorme compêndio gramatical, absurdo que êle justificava repetindo a famosa frase do Evangelho de João:

— No princípio era o VERBO!


Encapado pela gramática, e às voltas, de manhã à noite, com os pronomes, com os adjetivos, com as raízes, com o complicado arsenal que transforma em um mistério a simplicíssima arte de escrever, o ilustre educador não consagrava uma hora sequer às coisas do seu lar. Moça e linda, a esposa pedia-lhe, às vezes, sacudindo-lhe a caspa do paletó esverdeado pelo tempo:

— Arduíno, põe essa gramatiquice de lado. Presta atenção aos teus filhos, à tua casa, à tua mulher! Isso não te põe para diante!

Curvado sobre a grande mesa carregada de livros, o cabelo sem trato a cair, como falripas de aniagem, sobre as orelhas e a cobrir o colarinho da camisa, o notável professor retirava dos ombros a mão cariciosa da mulher, e pedia-lhe, indicando a estante:

— Dá-me dali o Adolfo Coelho.

Ou:

— Apanha, aí, nessa prateleira, o Gonçalves Viana.

Desprezada por esse modo, Dona Ninita não suportou mais o seu destino: deixou o marido com as suas gramáticas, com os seus dicionários, com os seus volumes ponteados de traça, e começou a gozar a vida passeando, dançando e, sobretudo, palestrando com o seu primo Gaudêncio de Miranda, rapaz que não conhecia O padre Antônio Vieira, o João de Barros, o frei Luís de Sousa, o Camões, o padre Manuel Bernardes, mas que sabia, como ninguém, fazer sorrir as mulheres.

— Êle não prefere, a mim, aquela porção de alfarrábios que o rodeiam?   Então, que se fique com eles!

E passou a adorar o Gaudêncio, que a encantava com a sua palestra, com o seu bom-humor, com as suas gaiatices, nas quais não figuravam, jamais, nem Garcia de Rezende, nem Gomes Eanes de Azurara, nem Rui de Pina, nem Gil Vicente, nem, mesmo, apesar do seu mundanismo, D. Francisco Manuel de Melo.

Assim viviam, o professor, com seus puristas e Dona Ninita com o seu primo, quando, de regresso, um dia, ao lar, o desventurado gramático surpreendeu a mulher nos braços musculosos, mas sem estilo, de Gaudência de Mianda. Ao abrir0se a porta, os dois culpados empalideceram, horrorizados. E foi com o pavor no coração que o rapaz se atirou aos pés do espôso traído, pedindo súplice, de joelho:

— Me perdôe, professor!
Grave, austero, sereno, duas rugas profundas sulcando a testa ampla, o ilustre educador encarou o patife, trovejando, indignado:

— Corrija o pronome, miserável! Corrija o pronome!

E, entrando no gabinete, começou, cantarolando, a manusear os seus clássicos...

 Humberto de Campos

(*) Esta engraçada anedota com que Humberto de Campos divertiu os leitores de "O Imparcial" e, depois, os do livro "AGansos do Capitólio", vem condensada em meia dúzia do linhu no texto da 'Fisiologia do Casamento", de Honoré de Balzac, sendo ai o protagonista um membro da Academia Francesa.

(Foi mantida a gramática da época).

domingo, 26 de junho de 2016

A "Notre-Dame" de V. Hugo

Satanás passeando — veio um dia
ao mundo sublunar e viu criada
a formosa Esmeralda — doce fada,
vivo sonho de viva fantasia.

Ora o diabo tem queda para a ironia.
— Hei de pregar, disse ele, caçoada
no padre eterno, que não sabe nada,
se não sabe o que é bom em poesia.

Falou desta maneira o Sr. Diabo,
escoucinhando no ar, com um jumento,
coçando a fula orelha e alçando o rabo.

E foi o resultado deste evento
parir ao Quasimodo — que no cabo
com o anjo do Senhor fez casamento.


Antônio Gonçalves Dias

Até os ingleses erram

Hoje o assunto era consumo, e adiei para amanhã, porque o tema da saída do Reino Unido da UE é prioritário. Gravíssimo. Não dá para deixar de comentar tão grosseiro erro de visão dos velhos e saudosistas ingleses. A vitória da saída foi apertadíssima. Os jovens e os habitantes de Londres votaram contra. Mas u´a maioria (mínima) de idosos e saudosistas interioranos venceu. Esses velhos deveriam estar olhando para as novas e futuras gerações. Esses velhos ingleses nunca quiseram fazer parte da UE. Nunca adotaram a moeda. Não se entrosaram com o resto da Europa. Entraram mas sempre com um pé atrás. E agora, fazem meia volta, e  retiram-se da verdadeira Europa continental e unida. O tempo mostrará o equivoco cometido. Os jovens pagarão pelo atraso. Os velhos, em sua maioria, não estarão aqui para se arrependerem. A Inglaterra com sua monarquia, e tradições, deu mais um largo passo para o atraso. É prematuro dizer os prejuízos que advirão dessa atitude equivocada, a meu ver. Mas a queda da bolsa de Tóquio prenuncia  a preocupação dos industriais japoneses que investiam em fábricas no Reino Unido. Provavelmente migrarão para a Alemanha. Fechar as fronteiras da ilha contra a imigração, fenômeno mundial, é voltar a colocar muros em suas cidadelas, ao invés de construir pontes para a realidade presente e paz futura.    

Eduardo P. Lunardelli

Frase

“A nossa mais elevada tarefa deve ser a de formar seres humanos livres que sejam capazes de, por si mesmos, encontrar propósito e direção para suas vidas.” 

 Rudolf Steiner

Entenda a diferença entre Inglaterra, Grã-Bretanha e Reino Unido

Na última quinta-feira, dia 23, os britânicos votaram em um referendo pela saída do Reino Unido da União Europeia (EU). Mas, afinal, qual é a diferença entre Inglaterra, Grã-Bretanha e Reino Unido?

Inglaterra é o país que tem como capital a cidade de Londres, onde se localizam o Parlamento britânico e o Palácio de Buckingham, residência oficial da rainha Elizabeth II. Grã-Bretanha é o nome da maior ilha britânica, que abriga a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia.

O Reino Unido compreende os três países da Grã-Bretanha mais a Irlanda do Norte. O Reino Unido, cujo nome oficial é Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, foi criado em 1801, quando a Irlanda foi incorporada ao bloco - em 1922, a República da Irlanda sai da união, deixando apenas a parte norte da ilha no Reino Unido. Em setembro de 2014, os escoceses rejeitaram a independência do país em um plebiscito histórico.

Cada país tem autonomia para decidir questões internas, mas, com a união, o poder passou a ficar mais concentrado em Londres, onde o Parlamento centraliza as decisões sobre o Reino Unido e onde vive a chefe de Estado de Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, a rainha Elizabeth II.

Revista Veja 

Renove o seu olhar...

Todo verão, milhares de espectadores de um programa matinal votam para escolher “O lugar mais bonito do país.” Gostei muito quando anunciaram o vencedor do ano anterior, pois era um local em meu estado natal. Admito que não esperava que o lugar vencedor estivesse tão próximo do local onde moro.

Alguns foram vítimas de circunstâncias, outros tomaram más decisões de negócios, enquanto outros perderam sua influência em decorrência de falha moral.

Isso me fez recordar a ocasião em que minha mulher e eu visitamos as cataratas de Niágara. Um homem que estava próximo percebeu nosso comportamento de turistas e, espirituosamente, disse: “Nada de mais, vejo isso todo dia”.
 
Você já amou alguém e com o passar do tempo perdeu seu brilho? Você já parou para pensar com que facilidade temos deixado de admirar pessoas e lugares que, um dia, nos maravilharam?

Prof. Menegatti

sábado, 25 de junho de 2016

Frase

O País está enfermo, as voltas com graves crises na área de natureza econômica, política e ética. Sem dúvida é preciso que as enfermidades sejam tratadas, como estão sendo, e que tenhamos a coragem de ministrar os remédios amargos quando necessário.

Teori Zavaski, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal

Avô e pai

Porcaloca

"Desculpe, foi o senhor que telefonou para que eu viesse amputar a sua perna?

"Eu? O que é isso? Nem sonhando!"

"Mas o senhor se chama Dante del Torro, não é? Faz meia-hora, um fulano me telefonou para que viesse alguém que lhe cortasse uma perna."

"Eu não telefonei. Deve ser outro Dante del Torro."

"Não, não... O endereço que me deram foi este. E neste endereço só há um Dante del Torro, que é o senhor. Um parente seu deve ter telefonado."

"Impossível. Hortênsia, por acaso você telefonou para que viessem cortar a minha perna?"

"Eu, não. Telefonei para o mercadinho pedindo que mandasse marmelada."

"Aí está, viu? Se o senhor tiver um doce de marmelada..."

"Como posso ter um doce de marmelada? Eu trouxe uma serra, pois quem me telefonou me pediu que trouxesse a serra, uma vez que na casa não existia uma serra."

"Engana-se. Eu tenho uma serra."

"Mas é evidente que a sua não deve servir para cortar uma perna."

"Como não? É igual a sua."

"Mas se é igual a minha, por que me levaram ao incômodo de trazer outra serra?"

"Ó Dante, deixa de discussão, homem de Deus. Deixa logo cortar esta maldita perna, mande-o embora e acabe logo com isso."

"Desculpa, Hortênsia, mas por que haverei eu de mandar cortar a minha perna quando não fui eu que telefonei? Tenho ou não tenho razão?"

"O senhor tem razão. Mas o que é que eu faço agora? Alguém telefona, eu compro uma serra nova, gasto meu dinheiro, venho até aqui e acabo perdendo o meu dia a troco de nada. O senhor também deve me compreender..."

"Bem, com boa vontade sempre se pode encontrar uma maneira de se chegar a um acordo. Tampouco ele, coitado, tem culpa. Escuta, Dante, você devia de algum modo concordar com ele. Por que não deixa que ele ampute um dedo seu?"

"Epa! Pára lá!, minha senhora: um dedo não é o suficiente!"

"Antes isso de que nada. Compreenda: é apenas para agradá-lo, porque eu poderia mandá-lo embora de mãos abanando, mesmo porque não fui eu quem o chamou.

"Bem, nesse caso, dois dedos."

"Ou um ou nada."

"Está bem, como quiser. Mas nesse caso, precisa que seja um polegar."

"Vá lá, vá lá... Que seja o polegar, já que me coloca nesta posição, está bem? E que seja esta a última vez, ouviu? Da próxima vez me telefone de volta para confirmar a chamada... Se o senhor não fosse um cara tão simpático... Pode... Ai!... porc... ahhh....vá aos poucos, isso, aos pouquinhos... Uuuuh!"

Carlo Manzoni

Vereador do Conde vai casar num cemitério

Um assunto, no mínimo intrigante, surgiu nesta segunda-feira 20 de Junho, onde também se destacou como uma polêmica. Trata-se do vereador Fábio Melo, o popular Fábio Tatu, da cidade de Conde, no litoral sul da Paraíba.
Os boatos correram rapidamente por todo o município de Conde, afirmando que o parlamentar pretende se casar, ainda este ano, em um Cemitério.
Conversa vai e conversa vem, a redação do portal Conde News entrou em contato com o parlamentar para tirar as conclusões dos boatos, o qual nos confirmou a veracidade do assunto.
Em conversa com o vereador Tatu, ele nos revelou que pretende sim, se casar em um cemitério.
Casado com a senhora Patrícia desde 1993, no Civil, o parlamentar destacou que pretende se casar no religioso e que também quer fazer um casamento fora do convencional.
“Eu sinto esse desejo e quero me casar no religioso com minha amada, mas quero um casamento diferente, e esta foi a forma que encontrei para me casar de uma maneira não convencional”, Frisou Tatu.
O vereador é polêmico. Já animou festa do dia das crianças vestido como palhaço, também saiu no bloco carnavalesco “As Descabaçadas de Conde”, vestido como mulher, chegou para uma sessão na Câmara Municipal de Conde montado em uma carroça de burro, em fim, o parlamentar tem se tornado um dos mais populares desta legislatura, procurando sempre se divertir junto ao povão. Nos carnavais de Jacumã, por exemplo, ele só passa no camarote da prefeita para cumprimenta-la, e sai para curtir a festa no meio do povo.
“Sou parlamentar eleito pelo povo, então minha maior satisfação é fazer a festa junto ao meu povo condense” Falou.
Tatu também falou de seus convidados, e destacou um em especial.
“Quero me casar e já temos o mês, em Setembro, só falta à data. Também sobre os convidados, queremos que nosso povo vá prestigiar este momento em minha vida, mas também queria a presença de Zé do Caixão, mas infelizmente ele já não estar mais entre nós, pois faleceu em 2011” Frisou.
 Sobre o assunto, a sua esposa Patrícia, afirmou que o que importa é o amor e apoia as decisões do marido.
"Se essa é a vontade dele, não posso me opor, pois sou feliz com tudo que ele pretende realizar. Se tá bom pra ele, pra mim também fica" Destacou Patrícia.
 
 Fonte aqui
 Saiu no CondeNews e eu reproduzo

Alzheimer: descoberta forma de eliminar primeiros sintomas

Uma equipe internacional coordenada pelo investigador português, Rodrigo Cunha descobriu como eliminar os primeiros sintomas de Alzheimer em modelos animais o que é considerado como um “avanço extraordinário” no combate à doença.

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A Universidade de Coimbra (UC) revelou que esta descoberta foi possível porque “pela primeira vez os cientistas focaram o estudo na causa dos primeiros sintomas da doença”, que são as perturbações na memória, causadas por modificações da chamada “plasticidade das sinapses no hipocampo”.

“O hipocampo desempenha um papel essencial na memória, funcionando como o gestor do gigantesco centro de informação recebida pelo cérebro. Das dezenas de milhões de sinais recebidos, o hipocampo tem de selecionar a informação relevante e validá-la, atribuindo-lhe uma espécie de ‘carimbo de qualidade’. Quando ocorrem falhas, este gestor assume que toda a informação é irrelevante”, revela uma nota da UC, citada pela Lusa.
Recuperação do sistema sináptico
Sendo as sinapses “as responsáveis pela transmissão de informação no sistema nervoso”, ao garantirem a comunicação entre neurônios, “a equipe utilizou um modelo animal duplo mutante – com a modificação de dois genes da proteína APP, que causam doença de Alzheimer em seres humanos – para rastrear toda a atividade destas ligações e identificar o que impede o hipocampo de processar e gerir corretamente” a informação obtida.
Os resultados desta investigação representam “um avanço extraordinário para o desenvolvimento de estratégias de combate à doença de Alzheimer, pois conseguiu-se recuperar o funcionamento sináptico”, sublinhou Rodrigo Cunha.
O investigador considera que, “do ponto de vista ético, é criticável se não se prosseguir para ensaios” em humanos e garante que estes são seguros para os doentes, tendo ainda acrescentado que em Coimbra há “todas as condições para avançar”, embora seja necessário assegurar financiamento.
Este estudo foi realizado ao longo de três anos pelo Centro de Neurociências e Biologia Celular da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e contou com a participação de 15 investigadores portugueses e franceses tendo sido financiado pelo Prémio Mantero Belard de Neurociências da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e pela Association Nationale de Recherche de França.

Do esquerda.net

Machado de Assis e a Exibicionista

Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar.
Machado de Assis, em Missa do Galo
Anteontem, me senti como o Nogueira da Missa do Galo, o que não entendeu D. Conceição.
Eu esperava a Elena chegar enquanto uma mulher roçava-se em seu amigo ou amante ou marido olhando para mim. Sempre olhando para mim. Na hora, achei que fosse algo casual — vocês sabem, estou a anos-luz de ser um Paul Newman ou Alain Delon, além disso, estou perto dos sessenta, isto é, sou feio e sem atrativos –, mas quando voltava meus olhos para lá, ela me olhava.
Não sou muito envergonhado, mas também não sou cara-de-pau. Minha possível vergonha fica escondida sob o Homo Faber que sou e aquilo que posso chamar de Homo Ludens, alguém sempre pronto a se divertir. Esta criança interior ri, avacalha e satiriza muito. De certa forma, ela me protege.
E comecei a ficar irônico. Eu dava um tempo, mas quando passava meus olhos pela cena, estava sendo observado. E aguardava… Era um local absolutamente público, aberto, na rua. Cada um se excita a seu modo, talvez dissesse Machado. Há parafilias para todos os gostos. A(o) exibicionista tem a fantasia de que o observador ficará sexualmente excitado, o que só aumenta sua própria excitação. Então, eu era um reles apoio. Como não se divertir, ainda mais que estava esperando?
A Elena chegou toda linda e feliz.
.oOo.
O conto Missa do Galo é uma das obra-primas de Machado. As histórias de Machado costumam ser assim: ele conta o que ocorreu trinta anos. A Missa também é um conto retrospectivo. Maduro, o narrador Nogueira relata um acontecimento do passado. Menino do interior, quando tinha 17 anos, Nogueira morava na casa do escrivão Meneses. Estava ali, no Rio de Janeiro, para estudar. Naquele ano, já de férias, prolongou sua estada na Corte a fim de assistir à Missa do Galo. O escrivão Meneses, mesmo casado com dona Conceição — uma santa, segundo o narrador — mantinha um caso extraconjugal. Todos sabiam disso, inclusive sua esposa. Uma vez por semana, dizia que iria a um teatro ou outro lugar e ia encontrar-se com a amante. A noite de Natal foi uma dessas ocasiões e Conceição devia estar especialmente ofendida.
E a santa provavelmente pensou que a saída do marido propiciaria condições para que ela própria tivesse uma aventura. Assim, ao que tudo indica — pois como sempre Machado não afirma nada —  premedita um encontro com o jovem. Lendo na sala, o jovem Nogueira aguarda o horário da Missa e ela chega, procurando ser envolvente. E ele não capta as intenções de Conceição. Suas roupas, seus gestos, suas atitudes, seu andar, suas frases ambíguas são de sedução. Mas, vocês sabem, há o momento da sedução. Quando este passa, o reaquecimento é complicado. E tudo esfria, só reaquecendo inutilmente na memória de Nogueira, muito tempo depois.
Sim, não tem muito a ver com a situação que vivenciei, só o fato de eu ter ficado sem entender nada.
“Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta.” 
Pode-se entender, se nem mesmo o narrador entende?
cinema leo

Do Blog do Milton Ribeiro

sexta-feira, 24 de junho de 2016

T. S. Eliot, a poesia e a música

A imprensa literária tem comentado uma edição recente, em dois volumes, da poesia completa de T. S. Eliot, fartamente comentada. Eliot, mesmo incluído entre os Modernos, representa pra mim um lado conservador da poesia do seu tempo, no que isto tem de elogioso. Temática à parte, filosofia pessoal à parte, erudição à parte, o poeta Eliot é um poeta de musicalidade à flor do verbo.
Não é a musicalidade relativamente fácil de Poe, a quem chamavam de “the jingle-jangle poet”, ou “o poeta do retintim”, segundo Jorge Luis Borges. A melodia dos versos de Poe se organiza em geral numa mandala, num bordado simétrico onde não falta um ponto sequer. Já a melodia de Eliot é variável, é uma melodia irmã-gêmea do verso livre. O verso não é “livre” no sentido de que é um verso onde vale tudo, um verso que faz o que lhe dá na telha. É um verso de metro variável, que é livre porque parece estar metrificando a si mesmo enquanto nasce. Propondo (e cumprindo) novas regras de ritmo em cada palavra que vai articulando.
Isto porque Eliot, apesar das variações naturais ao longo da vida longa de um poeta, parece ter tido sempre em mente alguns juízos que emitiu em 1942, numa conferência intitulada “The Music of Poetry”. Ele diz, entre outras coisas;


Existe uma lei da natureza mais poderosa do que qualquer uma dessas várias correntes poéticas, do que as influências do estrangeiro ou do nosso passado: a lei de que a poesia não deve se afastar muito da linguagem comum e cotidiana que nós usamos e ouvimos. Seja a poética acentual, seja silábica, rimada ou sem rimas, de forma-fixa ou livre, ela não pode se dar o luxo de perder o contato com a linguagem sempre mutante da nossa fala comum.
Existe na melhor poesia dos séculos uma gravitação recorrente rumo à musicalidade da fala. Sempre haverá, é claro, o oposto disto, sempre haverá uma fascinação paralela pela poesia feita para os olhos: caligramas, concretismos, poema-processo. Nada disso, contudo, consegue invalidar (nem precisa) a poesia que pende para o lado auditivo, a percepção sensorial da melodia e do ritmo produzindo sentido através da fala poética.
Num artigo examinando esta compilação recente (feita por Christopher Ricks and Jim McCue, aqui: http://tinyurl.com/hgyawrs), Marjorie Perloff comenta alguns detalhes interessantes e obscuros sobre as grandes obras de Eliot. Ela cita um comentário do poeta sobre a origem do título de um dos seus poemas mais famosos, “The Love Song of J. Alfred Prufrock”:
Estou convencido de que esse poema nunca teria a expressão “canção de amor” em seu título se não fosse pelo título de um poema de Kipling, “The Love Song of Har Dyal”, que se grudou teimosamente à minha memória.
A poesia de Eliot é muito diferente da de Kipling, a qual, neste sentido, era uma poesia quadradona, como a de Poe: formas fixas, rígidas, obedecidas fanaticamente até a derradeira rima e a derradeira sílaba. É uma poesia que tem muito de canção, porque Kipling não apenas metrifica perfeitamente, mas manipula os acentos internos de cada verso de maneira tão cadenciada que cada poema seu parece estar pedindo para receber uma melodia. Toda vez que leio os poemas de Kipling tenho vontade de pegar o violão.
Num texto antigo aqui neste blog, escrevi:
Diz-se que Rudyard Kipling costumava compor seus poemas de cabeça, enquanto cuidava do jardim. Ficava solfejando hinos protestantes, baixinho, mas as pessoas da família sabiam que ele estava de certa forma “botando letra” nesses hinos – estava compondo um poema valendo-se da estrutura mnemônica do hino. Fico pensando que curiosa tese de doutorado isto poderia render, se alguém de cultura inglesa-protestante se desse o trabalho de comparar os poemas do mestre aos hinos em voga durante o seu tempo de vida. Como dizia o poeta – ‘de la musique, avant toute chose!’
(http://mundofantasmo.blogspot.com.br/2010/02/1635-com-musica-nos-ouvidos-862008.html)
“The Love Song of Har Dyal”, de Kipling, na voz de uma mulher que espera o retorno do guerreiro que ama, é uma canção de amor mesmo, um lamento em nome de uma personagem, como as canções de amor dos personagens das peças de Brecht. É um gênero milenar, que toma a forma da cultura que deve conter dentro de si.
The Love Song of Har Dyal Alone upon the housetops to the NorthI turn and watch the lightning in the sky—The glamour of thy footsteps in the North.Come back to me, Beloved, or I die. Below my feet the still bazar is laid—Far, far below the weary camels lie—The camels and the captives of thy raid.Come back to me, Beloved, or I die! My father’s wife is old and harsh with yearsAnd drudge of all my father’s house am I—My bread is sorrow and my drink is tears.Come back to me, Beloved, or I die!
Já “Prufrock”, a canção de Eliot, embora tenha o amor como um horizonte inatingível, é tudo menos uma canção de amor. Prufrock é um personagem travado, reprimido, patético.  Até o nome sensaborão de J. Alfred Prufrock nos lembra o nome do anódino e vitorioso J. Pinto Fernandes usado por Carlos Drummond em “Quadrilha” (“Lili casou com J. Pinto Fernandes / que não tinha nada a ver com a história”). Talvez seja até uma alusão indireta por parte de Drummond, já que o poema de Eliot, de 1915, possivelmente lhe era familiar.
A canção de amor de Kipling é tradicional e formulaica: forma fixa, rima regular (ABAB), estribilho. Pede para ser cantada com uma melodia também quadrada (no bom sentido). Já a canção de amor de Eliot tem rimas entrelaçadas, cadências variáveis, um desenho rítmico imprevisível em que nenhuma regularidade nos autoriza a prever de que tamanho será a próxima linha, mas quando surge ela prolonga harmoniosamente o desenho principal.
No ensaio que citei, Eliot afirmava: “Nenhum verso é livre para um homem que pretende fazer direito o seu serviço. (...) Uma grande quantidade de má prosa já foi escrita sob o nome de verso livre.”  Esse reconhecimento da necessidade rítmica do verso livre é um traço de união entre a obra dele e a de Manuel Bandeira, seu contemporâneo. O Itinerário de Pasárgada (1957) pode ser lido lado a lado com o ensaio de Eliot, na mesma defesa do verso livre como uma região de equilíbrio entre as formas fixas da tradição, a espontaneidade e vigor da fala, e as lições da música.
Alguém pode achar que essa discussão sobre verso livre é uma discussão de cem anos atrás, mas a verdade é que gerações sucessivas de novos poetas tendem a pensar que verso livre é verso banda-voou, é verso qualquer-nota, e que basta estar dizendo algo importante ou original. Cada um escreve com o que tem, mas que isto não nos impeça de ver a forma superior quando ela aparece.
Comentando os simbolistas franceses (com os quais se identificava mais do que com a poesia inglesa), Eliot dizia: “O prazer que se extrai da irregularidade desses versos se deve à sombra ou à sugestão da existência, por baixo dele, do verso de métrica regular.” E ironizava certa produção poética de D. H. Lawrence dizendo que seus versos livres “pareciam mais anotações feitas aos poemas do que poemas propriamente ditos.”
Ezra Pound, o homem que copidescou “The Waste Land”, dizia que a grande poesia era composta de três elementos: idéia, imagem e música. (Na terminologia dele, Logopéia, Fanopéia e Melopéia.) Eu diria que na poesia de hoje, vista em plano geral, do alto da montanha, é a música o que mais falta. E é mais uma vez o autor de “Prufrock”, em seu ensaio de 1942, quem afirma:
Um poeta pode sair ganhando muito do estudo da música; quando conhecimento técnico da forma musical será desejável eu não sei, porque eu próprio não tenho tal conhecimento. Mas acredito que as propriedades em que a música toca de perto o poeta são o senso do ritmo e o senso de estrutura. (...)  Um poema, ou um trecho de poema, pode tender a se realizar primeiramente como um ritmo peculiar antes mesmo de encontrar sua expressão em palavras, e esse ritmo pode fazer nascer a idéia e a imagem.

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

Humor: assalto

O ladrão decidiu assaltar o hospício. Chegando lá, ele gritou para o louco: - Pare! O louco respondeu: - Ímpare! E o ladrão: - Mas eu estou te roubando! E o louco: - Ah, então não brinco mais.

Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco.

Gabriel García Márquez

Olha pro céu meu amor

Cervantes

Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca.

Dom Quixote

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Clã Brasil

Famigerado

Foi de incerta feita — o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela.

Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo. Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse — o oh-homem-oh — com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.

Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada, sopitados, constrangidos coagidos, sim. Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um encantoável, espécie de resguardo. Valendo-se do que, o homem obrigara os outros ao ponto donde seriam menos vistos, enquanto barrava-lhes qualquer fuga; sem contar que, unidos assim, os cavalos se apertando, não dispunham de rápida mobilidade. Tudo enxergara, tomando ganho da topografia. Os três seriam seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adiantava. Com um pingo no i, ele me dissolvia. O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo O. O medo me miava. Convidei-o a desmontar, a entrar.

Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se de chapéu. Via-se que passara a descansar na sela — decerto relaxava o corpo para dar-se mais à ingente tarefa de pensar. Perguntei: respondeu-me que não estava doente, nem vindo à receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; a fala de gente de mais longe, talvez são-franciscano. Sei desse tipo de valentão que nada alardeia, sem farroma. Mas avessado, estranhão, perverso brusco, podendo desfechar com algo, de repente, por um és-não-és. Muito de macio, mentalmente, comecei a me organizar. Ele falou:

"Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada..."

Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal. Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, imprevisto. Se por se cumprir do maior valor de melhores modos; por esperteza? Reteve no pulso a ponta do cabresto, o alazão era para paz. O chapéu sempre na cabeça. Um alarve. Mais os ínvios olhos. E ele era para muito. Seria de ver-se: estava em armas — e de armas alimpadas. Dava para se sentir o peso da de fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido, pronto meneável. Sendo a sela, de notar-se, uma jereba papuda urucuiana, pouco de se achar, na região, pelo menos de tão boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele propunha sangue, em suas tenções. Pequeno, mas duro, grossudo, todo em tronco de árvore. Sua máxima violência podia ser para cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-me. Assim, porém, banda de fora, sem a-graças de hóspede nem surdez de paredes, tinha para um se inquietar, sem medida e sem certeza.

— "Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras... Estou vindo da Serra..."

Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira? O feroz de estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem perigosíssimo. Constando também, se verdade, que de para uns anos ele se serenara — evitava o de evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! Continuava:

— "Saiba vosmecê que, na Serra, por o ultimamente, se compareceu um moço do Governo, rapaz meio estrondoso... Saiba que estou com ele à revelia... Cá eu não quero questão com o Governo, não estou em saúde nem idade... O rapaz, muitos acham que ele é de seu tanto esmiolado..."

Com arranco, calou-se. Como arrependido de ter começado assim, de evidente. Contra que aí estava com o fígado em más margens; pensava, pensava. Cabismeditado. Do que, se resolveu. Levantou as feições. Se é que se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar, não me encarava, só se fito à meia esguelha. Latejava-lhe um orgulho indeciso. Redigiu seu monologar.

O que frouxo falava: de outras, diversas pessoas e coisas, da Serra, do São Ão, travados assuntos, inseqüentes, como dificultação. A conversa era para teias de aranha. Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava: E, pá:

— "Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?

Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação?

— "Saiba vosmecê que saí ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro..."

Se sério, se era. Transiu-se-me.

— "Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o legítimo — o livro que aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?"

Se simples. Se digo. Transfoi-se-me. Esses trizes:

Famigerado?

— "Sim senhor..." — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. — Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:

— "Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho..."

Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio.

Famigerado é inóxio, é "célebre", "notório", "notável"...

— "Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?"

— Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos...

— "Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"

Famigerado? Bem. É: "importante", que merece louvor, respeito...

— "Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?"

Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse:

— Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado — bem famigerado, o mais que pudesse!...

— "Ah, bem!..." — soltou, exultante.

Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez aqueles três: — "Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a boa descrição..." — e eles prestes se partiram. Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água. Disse: — "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!" Seja que de novo, por um mero, se torvava? Disse: — "Sei lá, às vezes o melhor mesmo, pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não..." Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse: — "A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a mandioca..." Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto.

Guimarães Rosa  

Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 13, cuja compra recomendamos.