quinta-feira, 23 de junho de 2016

Um certo amigo da onça

 O Amigo da Onça (Foto: Péricles de Andrade Maranhão)

Trair (a verdade, pelo menos) é um verbo que Eduardo Cunha estava acostumado a conjugar na voz ativa, não na passiva; daí o choque

Dois dos principais personagens da cena política desta movimentada semana foram Eduardo Cunha e Sérgio Machado, que se destacaram, o primeiro por ter sido traído; o segundo, por trair dezenas de parceiros, inclusive amigos íntimos e protetores.

Tão frio quanto esse nosso inverno fora de hora, Cunha ficou desconcertado não tanto pela derrota, que espera mais uma vez reverter, mas pela dupla traição, a de Tia Eron e a do deputado Wladimir Costa, que acabaram votando a favor de sua cassação.

Trair (a verdade, pelo menos) é um verbo que ele estava acostumado a conjugar na voz ativa, não na passiva; daí o choque. Já o ex-presidente da Transpetro atualizou a máxima de que “a política ama a traição e abomina o traidor”.

De fato, com exceção dos atingidos ou dos que também podem vir a ser, o mundo político de Brasília gostou de saber das revelações que ele fez, mas abominou os métodos para consegui-las. Ao contrário das delações premiadas anteriores, em que o delator denunciava os atos delituosos cometidos com seus comparsas, as de Machado consistiram muitas vezes em induzir os interlocutores a se autoincriminarem, contrariando o direito constitucional que qualquer um tem de não produzir provas contra si mesmo.

Até adversários do senador José Sarney repudiaram a maneira como esse seu afilhado, frequentador de sua casa, um quase membro da família, foi capaz de enganá-lo, grampeando, escondido, suas conversas informais.

Ele contou que esse amigo da onça, para não levantar suspeita, chegava a recomendar cuidado com os celulares que, mesmo desligados, advertia, podiam ser usados como gravadores. Que ficassem longe das reuniões.

Segundo pessoas chegadas ao ex-presidente, mais do que revoltado, ficou deprimido com a descoberta da traição. Essa estranha maneira de retribuir favores, Machado usou também em relação a outros quatro senadores, aos quais admitiu dever a indicação para o comando da Transpetro de 2003 a 2014.

Além de Sarney, foram eles Renan Calheiros, Jader Barbalho, Romero Jucá e Edison Lobão, todos acusados pelo protegido de receber milionárias doações. No vídeo em que revela como distribuiu R$ 100 milhões de recursos ilegais a mais de 20 políticos, inclusive a Michel Temer.

Machado atribui a prática de entregar amigos a uma imposição de consciência. Ele quer fazer crer que sua motivação seria a defesa do bem comum, com os fins justificando os meios.

Só que é difícil acreditar que ele traiu por isso, e não pelas vantagens que receberá do acordo de delação premiada, como cumprir apenas três anos em prisão domiciliar dos 20 a que pode ser condenado.

Tudo bem que terá de devolver aos cofres públicos R$ 75 milhões. Parece muito, mas deve ser um pixuleco diante do que desviou.

Zuenir Ventura
O Globo 

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