terça-feira, 31 de maio de 2022

 


No fim tu hás de ver que as coisas mais
leves são as únicas que o vento não
conseguiu levar:
Um estribilho antigo
Um carinho no momento preciso
O folhear de um livro de poemas
O cheiro que tinha um dia o próprio vento...
 
Quintana

ENTREI NO VOLUME MORTO!

 


 


 


 


segunda-feira, 30 de maio de 2022

 


"...as grandes decisões do trabalho do pensamento, as descobertas e soluções de enorme consequência, são possíveis apenas para o indivíduo que trabalha na solidão."

(SIGMUND FREUD. In: "Psicologia das Massas e Análise do Eu")
Edward Hopper - "Solitary Figure in a Theater", 1902/04

 


 

“Não conto os bilhetes brancos, os negócios abortados, as relações interrompidas; menos ainda outros acintes ínfimos da fortuna. Cansado e aborrecido, entendi que não podia achar a felicidade em parte nenhuma; fui além: acreditei que ela não existia na terra, e preparei-me desde ontem para o grande mergulho na eternidade. Hoje, almocei, fumei um charuto e debrucei-me à janela. No fim de dez minutos vi passar um homem bem trajado, fitando a miúdo os pés. Conhecia-o de vista; era uma vítima de grandes reveses, mas ia risonho, e contemplava os pés, digo mal, os sapatos. Estes eram novos, de verniz, muito bem talhados, e provavelmente cosidos a primor. Ele levantava os olhos para as janelas, para as pessoas, mas tornava-os aos sapatos, como por uma lei de atração, anterior e superior à vontade. Ia alegre; via-se-lhe no rosto a expressão da bem-aventurança. Evidentemente era feliz; e, talvez, não tivesse almoçado; talvez mesmo não levasse um vintém no bolso. Mas ia feliz, e contemplava as botas.

 
A felicidade será um par de botas? Esse homem, tão esbofeteado pela vida, achou finalmente um riso da fortuna. Nada vale nada. Nenhuma preocupação deste século, nenhum problema social ou moral, nem as alegrias da geração que começa, nem as tristezas da que termina, miséria ou guerra de classes, crises da arte e da política, nada vale, para ele, um par de botas. Ele fita-as, ele respira-as, ele reluz com elas, ele calca com elas o chão de um globo que lhe pertence. Daí o orgulho das atitudes, a rigidez dos passos, e um certo ar de tranquilidade olímpica...Sim, a felicidade é um par de botas."
 
Machado de Assis, em “Contos”.
”Shoes”- Vincent Van Gogh, 1888.


 

“ (..)Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo (..)”
 
Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 252.
1ª publ. in Presença, nº 39. Coimbra: Jul. 1933.
“Vsevolod Mikhailovich Garshin”- Ilya Repin, 1884

 


Que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede.

Clarice Lispector

domingo, 29 de maio de 2022

 


"Sempre acreditei, e ainda acredito, que qualquer que seja a boa ou a má fortuna que nos venha a acontecer, podemos sempre dar-lhe significado e transformá-la em algo de valor"

Herman Hesse

Não te amo mais

 

Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
 
Clarice Lispector
(leia do fim para o começo)


 


 

"Dizem que cada átomo no nosso corpo alguma vez foi parte de uma estrela, talvez eu não vá embora, talvez eu vá para casa..."

Vincent Van Gogh

 


sábado, 28 de maio de 2022

 



“Dizemos que o prazer é o começo e o fim da vida feliz. Sabemos que ele é o bem primeiro e conforme à nossa natureza e é dele que derivamos toda a escolha e toda a rejeição. (…) Há casos em que excluímos muitos prazeres se daí resultar para nós aborrecimento, julgamos muitas dores preferíveis aos prazeres quando dos sofrimentos que suportamos resulta para nós um prazer mais elevado.

Assim, todo o prazer é, em si mesmo, um bem, mas nem todo o prazer deve ser procurado; do mesmo modo, toda a dor é um mal, mas nem toda a dor deve ser evitada.
 
Deste modo, para decidir, convém analisar atentamente o que é útil e o que é prejudicial, porque usamos, às vezes, o bem como se fosse um mal e o mal como se fosse um bem.”
 
Epicuro, em Carta a Meneceu.
“A Saint of the Poor”-William Orpen,1902

Humor

 

Na audiência, o juiz pergunta ao réu:
- Idade?
- 35 anos
- É casado?
- Sim.
- Com quem?
- Com a minha mulher.
O juiz irritado:
- Conhece alguém casado com um homem?
- Sim.
- Quem?
- A minha mulher.

 


 


"Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples."

Manuel Bandeira

 


Poema do amigo aprendiz

 


Quero ser o teu amigo. Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias…
 
Fernando Pessoa

 


Frase

 

A vida é feita de escolhas. Quando você dá um passo à frente, inevitavelmente alguma coisa fica para trás!

 


sexta-feira, 27 de maio de 2022

 

Cada leitor procura algo no poema. E não é insólito que o encontre ; já o trazia dentro de si.

Octavio Paz

 


A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
 
II
 
Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.
E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros.
Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.
Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me, Sem que eu perceba de onde vai crescendo.
Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.
 
III
 
Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.
 
Fernando Pessoa


"(...)não sei que sentido tem esta viagem que fui forçado a fazer, entre uma noite e outra noite, na companhia do universo inteiro. Sei que posso ler para me distrair. Considero a leitura como o modo mais simples de entreter esta, como outra, viagem; e, de vez em quando, ergo os olhos do livro onde estou sentindo verdadeiramente, e vejo, como estrangeiro, a paisagem que foge campos, cidades, homens e mulheres, afeições e saudades -, e tudo isso não é mais para mim do que um episódio do meu repouso, uma distração inerte em que descanso os olhos das páginas demasiado.

 
Fernando Pessoa

 


O Quilombo do Leblon


"A crise final da escravidão, no Brasil, deu lugar ao aparecimento de um modelo novo de resistência, o que podemos chamar de quilombo abolicionista, com lideranças muito bem conhecidas, cidadãos articulados politicamente. 
 
Não mais os poderosos guerreiros do quilombos antigos, mas um tipo novo de liderança, uma espécie de instância de intermediação entre a comunidade de fugitivos e a sociedade envolvente.
 
O idealizador do quilombo foi o português José de Seixas Magalhães, que dedicava-se à fabricação e ao comércio de malas. Seixas era membro Ativo da Confederação Abolicionista e usava sua chácara no Leblon, na época uma região pouco habitada da Cidade, para abrigar escravos fugidos das fazendas de Café. Seixas diversas vezes foi processado pelos donos dos escravos que ele albergava, mas os processos nunca davam em nada. A ameaça ao boicote das suas malas fez até que ele publicasse a 17 de maio de 1884 um anúncio a oferecer "ao preço da chuva" as suas malas. Estava tudo em saldo! "É uma verdadeira queima! E que malas! É cada malão."
 
Um homem de ideias avançadas, dedicado à fabricação e comércio de malas e sacos de viagem na Rua Gonçalves Dias, no Centro, onde já utilizava os mais modernos recursos tecnológicos. Suas malas feitas com máquina a vapor, eram reconhecidas pelo mundo afora, e mereceram prêmios tanto na Exposição do Rio de Janeiro, quanto na Exposição de Viena d`Áustria. 
 
Além de sua fábrica a vapor, o Seixas possuía uma chácara no Leblon, onde cultivava flores com o auxílio de escravos fugidos. Seixas ajudava os fugitivos e os escondia na chácara do Leblon com a cumplicidade dos principais abolicionistas da capital do Império, muitos deles membros proeminentes da Confederação Abolicionista. A chácara de flores, a floricultura do Seixas, era conhecida mais ou menos abertamente como o “quilombo Leblond”, ou “quilombo Le Bloon”, então um remoto e ortograficamente ainda incerto subúrbio à beiramar. Era, digamos, um quilombo simbólico, feito para produzir objetos simbólicos. Era lá, exatamente, que o Seixas cultivava as suas famosas camélias, o símbolo por excelência do movimento abolicionista.
 
Com a proteção do Imperador Dom Pedro II e da Princesa Isabel, o quilombo do Leblon nunca chegou a ser investigado, continuando a Princesa a receber calmamente os seus ramalhetes de "camélias subversivas". E com isso, como se pode imaginar, crescia o poder simbólico das camelliaceas dentro do movimento político, sobretudo das que pudessem ser identificadas como “camélias do Leblon” ou “camélias da Abolição”. 
 
Na guerra simbólica que se instaura, uma ou outra vez, a Princesa ousou aparecer em público – o que era sempre notado pelos jornais – com uma dessas flores do Leblon a lhe adornar o vestido. O simbolismo estará presente até na hora da assinatura da lei, quando aproximou-se da princesa o presidente da Confederação Abolicionista, João Clapp, e lhe fez entrega, solenemente, de um “mimoso bouquet de camélias artificiais".
 
Quando o chefe de polícia, desembargador Coelho Bastos, o famoso “rapa-coco”, quis agir e pôr fim à cantoria abolicionista que se fazia na Gávea, no ponto final dos bondes, o Seixas foi protegido pela própria Princesa Isabel e, por trás dela, pelo Imperador do Brasil, que, segundo consta, pediu ao Barão de Cotegipe que encerrasse o caso sem maiores formalidades ou investigações ”
 
As camélias eram inclusive uma senha, que servia para indentificar os Abolicionistas entre si. Era o símbolo da ala radical do Movimento, que promovia a fuga e proteção de Escravos."
 
É com uma pena de ouro, oferta de muitos abolicionistas, incluindo o Seixas, que a princesa Isabel, na altura regente do império, assina a Lei Áurea, a 13 de maio de 1888.
 
Fonte: O Quilombo do Leblon ela Abolição da Escravidão. Casa Rui Barbosa. Princesa Isabel. A Redentora. De Pedro Calmon.

 

"Aprenda com quem tiver algo a ensinar, e ensine algo àqueles que estão engessados em suas teses de certo e errado. Troque experiências, troque risadas, troque carícias. Não é preciso chegar num momento limite para se dar conta disso. O enfrentamento das pequenas mortes que nos acontecem em vida já é o empurrão necessário. Morremos um pouco todos os dias, e todos os dias devemos procurar um final bonito antes de partir."

 
Ricardo Domingues


Um violinista tocou 45 minutos no metro de Nova York. 4 pessoas pararam e uma bateu palmas, conseguiu arrecadar 20 dólares.

Na noite seguinte, o mesmo violinista tocou em um dos cenários mais reconhecidos do mundo e cobrava pelo menos $100 cada ingresso.
 
A experiência provou que o extraordinário num ambiente comum não brilha, não é reconhecido.
 
Existem profissionais brilhantes que não recebem uma recompensa de acordo com o seu potencial, uma vez que se armam de valor e saem deste tipo de ambientes florescem e crescem.
 
Quando uma pessoa não está no ambiente certo as pessoas poderão passar por ela e não ver o quão excepcionais são, apenas por favor, certifique-se de estar onde você deveria estar!
 
Anderson Mariano

 


“Estamos todos na fila.....
 
A cada minuto alguém deixa esse mundo pra trás. Não sabemos quantas pessoas estão na nossa frente.
 
Não dá pra voltar pro “fim da fila”. Não dá pra sair da fila. Nem evitar essa fila.
 
Então, enquanto esperamos a nossa vez:-
Faça valer a pena cada momento vivido aqui na Terra. 
 
Tenha um propósito.
Motive pessoas !!
Elogie mais, critique menos.
Faça um “ninguém” se sentir um alguém do seu lado.
Faça alguém sorrir.
Faça a diferença.
Faça amor.
Faça as pazes.
Faça com que as pessoas se sintam amadas.
Tenha tempo pra você.
Faça pequenos momentos serem grandes.
Faça tudo que tiver que fazer e vá além.
Viva novas experiências.
Prove novos sabores.
Não tenha arrependimentos por ter tentado além do que devia, por ter valorizado alguém mais do que deveria, por ter feito mais ou menos do que podia.
Tudo está no lugar certo.
As coisas só acontecem quando têm quem acontecer.
Releve.
Não guarde mágoas.
Guarde apenas os aprendizados.
Liberte o rancor.
Transborde o amor.
Doe amor.
Ame, mesmo quem não merece.
Ame, sem querer receber nada em troca.
Ame, pelo simples fato de vc vibrar amor e ser amor.
 
Mas sempre, ame a si mesmo antes de qualquer coisa.” Esteja preparado para partir a qualquer momento. Vc não sabe seu lugar na Fila, então se prepare prá deixar aqui apenas boas lembranças.
Suas mãos vão embora vazias.
 
Não dá pra levar malas, nem bens...
 
Se prepare DIARIAMENTE prá levar consigo, somente aquilo que tens guardado no coração.”
 
Lya Luft

A Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
 
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
 
Trago-te flores, — restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
 
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
 
Publicado no livro Relíquias de Casa Velha (1906).
In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.313. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira

Frase

 

"Com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado"
 
Millôr Fernandes

quinta-feira, 26 de maio de 2022

 


 


"A vida não segue dicionários,
Ela segue o fluxo da impermanência.
Tudo muda...
Não há exceções. "
 
Osho

Os Garis da Corte Imperial

 


O nome profissional de um limpador de ruas, “Gari” no português brasileiro atual, vem do empresário francês Pedro Aleixo Gary, a primeira pessoa a assinar um contrato de limpeza pública com o Ministério Imperial, organizando, a partir de 11 de outubro de 1876, a limpeza do lixo das ruas do Rio de Janeiro e casas. Como o contrato expirou em 1891, seu primo Luciano Gary entrou em seu lugar no ano de 1892.
 
Um ano depois, a empresa foi encerrada, dando lugar à Gestão de Limpeza Pública e Privada da Cidade, que previa uma limpeza pública de qualidade inferior ao da anterior. Tendo crescido acostumado a ver
as ruas limpas depois que os cavalos passarem, moradores insatisfeitos continuavam ligando para o "Times dos Gary’s" ... e o nome gradualmente alterado para "Gari" e usado, até hoje.
 
A profissão de gari é um serviço fundamental para as cidades e para a saúde pública. A limpeza eficiente dos logradouros públicos, o controle de pragas, manutenção de rios, canais e praias, bem como das galerias de esgotos, são práticas que ajudam a conter doenças e epidemias.
 
Brasil Imperial

A uma passante

 

A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
 
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
 
Que luz… e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
 
Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!
 
Charles Baudelaire.
As Flores do mal. Edição bilíngüe. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985: p. 361.

Das feições de alma que caracterizam o povo português.

Das feições de alma que caracterizam o povo português, a mais irritante é, sem dúvida, o seu excesso de disciplina. Somos o povo disciplinado por excelência. Levamos a disciplina social àquele ponto de excesso em que coisa nenhuma, por boa que seja — e eu não creio que a disciplina seja boa — por força que há de ser prejudicial.

 
Tão regrada, regular e organizada é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército do que uma nação de gente com existências individuais. Nunca o português tem uma ação sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo. E quando, por um milagre de desnacionalização temporária, pratica a traição à Pátria de ter um gesto, um pensamento, ou um sentimento independente, a sua audácia nunca é completa, porque não tira os olhos dos outros, nem a sua atenção da sua crítica.
 
Parecemo-nos muito com os Alemães. Como eles, agimos sempre em grupo, e cada um do grupo porque os outros agem.
 
Por isso aqui, como na Alemanha, nunca é possível determinar responsabilidades; elas são sempre da sexta pessoa num caso onde só agiram cinco. Como os Alemães, nós esperamos sempre pela voz de comando. Como eles, sofremos da doença da Autoridade — acatar criaturas que ninguém sabe porque são acatadas, citar nomes que nenhuma valorização objetiva autentica como citáveis, seguir chefes que nenhum gesto de competência nomeou para as responsabilidades da ação. Como os Alemães, nós compensamos a nossa rígida disciplina fundamental por uma indisciplina superficial, de crianças que brincam à vida. Refilamos só de palavras. Dizemos mal só às escondidas. E somos invejosos, grosseiros e bárbaros, de nosso verdadeiro feitio, porque tais são as qualidades de toda a criatura que a disciplina moeu, em quem a individualidade se atrofiou.
 
Diferimos dos Alemães, é certo, em certos pontos evidentes das realizações da vida. Mas a diferença é apenas aparente. Eles elevaram a disciplina social, temperamento neles como em nós, a um sistema de estado e de governo; ao passo que nós, mais rigidamente disciplinados e coerentes, nunca infligimos a nossa rude disciplina social, especializando-a para um estado ou uma administração. Deixamo-la coerentemente entregue ao próprio vulto íntegro da sociedade. Daí a nossa decadência!
 
Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma “revolução” foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchamos essa revolução com a brandura com que tratámos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficámos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e fingimento. Portugal precisa dum indisciplinador. Todos os indisciplinadores que temos tido, ou que temos querido ter, nos têm falhado. Como não acontecer assim, se é da nossa raça que eles saem? As poucas figuras que de vez em quando têm surgido na nossa vida política com aproveitáveis qualidades de perturbadores fracassam logo, traem logo a sua missão. Qual é a primeira coisa que fazem? Organizam um partido... Caem na disciplina por uma fatalidade ancestral.
 
Trabalhemos ao menos — nós, os novos — por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios, a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa. Escrupulizemos no doentio e no dissolvente. É a nossa missão, a par de ser a mais civilizada e a mais moderna, será também a mais moral e a mais patriótica.
 
Fernando Pessoa
8-4-1915
 
- 1.Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.
1ª publ.:”Crónicas da Vida que Passa” in O Jornal , nº5. Lisboa: 8-4-1915

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Frase

 

A vida é um show cheio de capítulos que a gente, quase sempre, não sabe quando acabam. Há situações em que afastar-se pode ser a cura.
 
Teófilo Júnior 

 

"A fadiga que sentimos não é tanto do trabalho acumulado, mas de um quotidiano feito de rotina e de vazio. O que mais cansa não é trabalhar muito. O que mais cansa é viver pouco. O que realmente cansa é viver sem sonhos."

Mia Couto
em O Universo Num Grão de Areia

 


 


 


terça-feira, 24 de maio de 2022

 



Viver é...

Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e agressivo.
 
Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus, que também tem a sua vida. 
 
Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de comemoração de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros. 
 
Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar ansiosamente à espera.
 
Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos mais tarde.
 
Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre.
A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital. 
 
A vida é um espaço e um tempo maravilhosos mas não se contenta com a contemplação. Ela exige reflexão. E exige soluções.
 
A vida é exigente porque é generosa. É dura porque é terna. É amarga porque é doce. É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo.
 
" A vida é a mais séria das coisas divertidas."
 
(Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum')

 


(...) Toda a minha ânsia tem sido esta proximidade inultrapassável e excessivamente próxima. Sou mais aquilo que em mim não é.

Clarice Lispector.
“Morehouse”- Edgar Degas,1834

 


 


segunda-feira, 23 de maio de 2022

 


 


 


 


Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
 
Mário Quintana