sexta-feira, 27 de maio de 2022

O Quilombo do Leblon


"A crise final da escravidão, no Brasil, deu lugar ao aparecimento de um modelo novo de resistência, o que podemos chamar de quilombo abolicionista, com lideranças muito bem conhecidas, cidadãos articulados politicamente. 
 
Não mais os poderosos guerreiros do quilombos antigos, mas um tipo novo de liderança, uma espécie de instância de intermediação entre a comunidade de fugitivos e a sociedade envolvente.
 
O idealizador do quilombo foi o português José de Seixas Magalhães, que dedicava-se à fabricação e ao comércio de malas. Seixas era membro Ativo da Confederação Abolicionista e usava sua chácara no Leblon, na época uma região pouco habitada da Cidade, para abrigar escravos fugidos das fazendas de Café. Seixas diversas vezes foi processado pelos donos dos escravos que ele albergava, mas os processos nunca davam em nada. A ameaça ao boicote das suas malas fez até que ele publicasse a 17 de maio de 1884 um anúncio a oferecer "ao preço da chuva" as suas malas. Estava tudo em saldo! "É uma verdadeira queima! E que malas! É cada malão."
 
Um homem de ideias avançadas, dedicado à fabricação e comércio de malas e sacos de viagem na Rua Gonçalves Dias, no Centro, onde já utilizava os mais modernos recursos tecnológicos. Suas malas feitas com máquina a vapor, eram reconhecidas pelo mundo afora, e mereceram prêmios tanto na Exposição do Rio de Janeiro, quanto na Exposição de Viena d`Áustria. 
 
Além de sua fábrica a vapor, o Seixas possuía uma chácara no Leblon, onde cultivava flores com o auxílio de escravos fugidos. Seixas ajudava os fugitivos e os escondia na chácara do Leblon com a cumplicidade dos principais abolicionistas da capital do Império, muitos deles membros proeminentes da Confederação Abolicionista. A chácara de flores, a floricultura do Seixas, era conhecida mais ou menos abertamente como o “quilombo Leblond”, ou “quilombo Le Bloon”, então um remoto e ortograficamente ainda incerto subúrbio à beiramar. Era, digamos, um quilombo simbólico, feito para produzir objetos simbólicos. Era lá, exatamente, que o Seixas cultivava as suas famosas camélias, o símbolo por excelência do movimento abolicionista.
 
Com a proteção do Imperador Dom Pedro II e da Princesa Isabel, o quilombo do Leblon nunca chegou a ser investigado, continuando a Princesa a receber calmamente os seus ramalhetes de "camélias subversivas". E com isso, como se pode imaginar, crescia o poder simbólico das camelliaceas dentro do movimento político, sobretudo das que pudessem ser identificadas como “camélias do Leblon” ou “camélias da Abolição”. 
 
Na guerra simbólica que se instaura, uma ou outra vez, a Princesa ousou aparecer em público – o que era sempre notado pelos jornais – com uma dessas flores do Leblon a lhe adornar o vestido. O simbolismo estará presente até na hora da assinatura da lei, quando aproximou-se da princesa o presidente da Confederação Abolicionista, João Clapp, e lhe fez entrega, solenemente, de um “mimoso bouquet de camélias artificiais".
 
Quando o chefe de polícia, desembargador Coelho Bastos, o famoso “rapa-coco”, quis agir e pôr fim à cantoria abolicionista que se fazia na Gávea, no ponto final dos bondes, o Seixas foi protegido pela própria Princesa Isabel e, por trás dela, pelo Imperador do Brasil, que, segundo consta, pediu ao Barão de Cotegipe que encerrasse o caso sem maiores formalidades ou investigações ”
 
As camélias eram inclusive uma senha, que servia para indentificar os Abolicionistas entre si. Era o símbolo da ala radical do Movimento, que promovia a fuga e proteção de Escravos."
 
É com uma pena de ouro, oferta de muitos abolicionistas, incluindo o Seixas, que a princesa Isabel, na altura regente do império, assina a Lei Áurea, a 13 de maio de 1888.
 
Fonte: O Quilombo do Leblon ela Abolição da Escravidão. Casa Rui Barbosa. Princesa Isabel. A Redentora. De Pedro Calmon.

Nenhum comentário: