quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Um empate com sabor de derrota



Havia algo sombrio nos céus. Prenúncio de que, naquela tarde, as coisas não seriam fáceis. Urubus revoavam as nossas cores.  

Nacional de Pombal e Nacional de Patos empataram em 1 x 1 na tarde de ontem no Estádio Municipal “O Pereirão”. Com ambas as equipes já classificadas para as quartas de finais do Certame Paraibano da 2ª Divisão, o jogo parecia ter contorno de um amistoso, mas não para o Nacional de Pombal ainda inconformado com a “lambança” patrocinada pela arbitragem na jogo de ida na cidade de Patos, o Camaleão do Sertão adotou uma postura de revanche aquele empate que lhe foi imposto injustamente nas Espinharas com repercussão nacional na imprensa desportiva.


A equipe da terra de Maringá entrou em campo numa formação indicando 4-3-3, com uma observação, havia um falso homem  fixo pelo meio (pajé) que se deslocava pelos cantos, no entanto, sem muito êxito, porque a bola não lhe chegava. 

O Camaleão repetiu nesta partida o mesmo erro que vem incorrendo em todas as outras. A equipe carece de um homem de criação no meio de campo que possa distribuir bem a bola. Nesse jogo, com três homens mais a frente, isso ficou explicito demais. Haviam muitos clientes e poucos garçons. Sem colocar a bola no chão, ficou difícil para a turma lá da frente, sobretudo porque, quase sempre, a ligação da primeira com a terceira linha, da defesa para o ataque era feita por intermédio do goleiro Danilo. Um chutão que cruzava o meio para alimentar o ataque.   


Neguinho Paraíba e até Pajé vinham buscar a bola em seu próprio campo, atravancando as jogadas que deveriam ser preparadas para eles. Mesmo assim, é preciso reconhecer os seus esforços em que pese ainda a mania de prender demais a bola. Neguinho precisa jogar um pouco mais coletivamente já que individualmente não há reparos a fazer nesta partida. O esforço do Pajé foi algo inquestionável.

O Nacional de Patos, com uma razoável atuação de Ruan, conseguiu impor o jogo, ganhou o meio de campo e o Nacional de Pombal, no primeiro tempo, não chutou uma única vez ao gol. Eduardo Rato, o homem gol do Canário do Sertão, pesado e fora de forma foi uma figura apagada. O miolo de zaga do Nacional de Patos é frágil e não suportar o avanço das jogadas de meio, caso elas tivessem ocorrido. O Canário das Espinharas, em que pese não ter se apresentado com a sua força máxima, não mete medo em ninguém.  


A arbitragem da Paraíba é um capítulo à parte. A atuação do árbitro foi pífia. O pênalti marcado com a bola tocando o braço preso ao corpo do jogador do Nacional de Pombal foi algo, no mínimo, forçoso. A condescendência do árbitro central com a “manha” e a “esperteza” dos jogadores ganhando e amarrando o tempo de jogo evidenciou a sua falta de, digamos, capacidade para apitar a partida a partida nos moldes do que se exige. Entretanto, faltou também ao nosso time a figura de uma liderança em campo, um capitão, um homem experiente para fazer frente as artimanhas levadas a efeito pelo adversário e para conduzir o jogo. 


No segundo tempo o Camaleão esboçou uma reação, procurou tocar mais a bola, virar o jogo pelas laterais, mais tudo ainda timidamente, somente com a expulsão do jogador de Patos é que a equipe acertou a direção das traves do adversário e numa única bola de cabeça empatou o jogo. 

Volto a repetir, o meio campo do Camaleão não trabalha, não distribui nem alimenta os homens de frente com a bola trabalhada. Essa bola quando chegou foi rifada ou má condições de continuação da jogada. Isso precisa ser corrigido urgentemente. No mata mata não há espaços para erros.


Enfim, não foi desta vez. A vitória não veio. Vamos às quartas de finais. O próximo jogo é contra a Desportiva Guarabira. Uma equipe que, pelo que vi jogar contra o São Paulo Cristal, tem um meio campo muito forte, com especial atenção para o meia habilidoso Cleitinho, um jogador que se tiver liberdade desmancha o jogo.

Finalizo, parabenizando imensamente a nossa torcida que, mais uma vez, compareceu a campo e empurrou a nossa equipe. É uma pena que ela não possa fazer gols.


Teófilo Júnior 

"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo".
 
 Clarice Lispector


"Danço em meio ao fogo, e o que me importa é apenas a beleza das chamas." 

Renato Broz (O Dom Quixote pós moderno)

Um lobo me disse: 
- Uma ovelha negra ainda é uma ovelha

Zack Magiezi

"Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que eu posso encontrar.”

“As pessoas em geral são muito melhores por cartas que em carne e osso. Elas se parecem muito com os poetas”

"Bem, todos morrem um dia, é simples matemática. Nada de novo. A espera é que é um problema."

"Qualquer problema que você tiver comigo, é seu."

“Se você vai tentar, vá até o fim, caso contrário, nem comece.”

“Você tem que morrer algumas vezes antes de realmente viver.”
 
Charles Bukowski

Versiculos do dia

Não endureçais agora a vossa cerviz, como vossos pais; dai a mão ao Senhor, e vinde ao seu santuário que ele santificou para sempre, e servi ao Senhor vosso Deus, para que o ardor da sua ira se desvie de vós. 2 Crônicas 30:8

E disse o senhor ao servo: Sai pelos caminhos e valados, e força-os a entrar, para que a minha casa se encha. Lucas

Charge


terça-feira, 29 de agosto de 2017

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
 
Cecília Meireles
A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente.

Machado de Assis

Falo de ti às pedras das estradas

Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Amo tudo o que é velho: velhos amigos, velhos tempos, velhas maneiras, velhos livros, velhos vinhos.

Oliver Goldsmith
E igualmente, enquanto os regimes infelizes e ignóbeis que suprimem os nossos irmãos, em condições subumanas, em Angola, Moçambique e na África do Sul não forem superados e destruídos, enquanto o fanatismo, os preconceitos, a malícia e os interesses desumanos não forem substituídos pela compreensão, tolerância e boa-vontade, enquanto todos os Africanos não se levantarem e falarem como seres livres, iguais aos olhos de todos os homens como são no Céu, até esse dia, o continente Africano não conhecerá a Paz.

Haile Selassie
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.  

Mário Quintana
Não quero adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto;
e velhos, para que nunca tenham pressa.

Oscar Wilde

Fábula

Numa tarde de domingo, o pai e seus dois filhos chegam ao parque de diversões, e dirigem-se à bilheteria, onde o pai pergunta:
- Olá, boa tarde. Quanto custa a entrada?
- São R$20,00 para o senhor e para qualquer criança maior de seis anos. A entrada é grátis se eles tiverem seis anos ou menos. Quantos anos eles têm?
- O menor tem três anos e o maior sete anos – respondeu o pai.
O rapaz da bilheteria então comentou:
- Poxa, se tivesse me dito que o mais velho tinha seis anos, eu não notaria a diferença, e você poderia ter economizado R$ 20,00.
O pai então respondeu:
- É verdade, talvez você não notasse a diferença, mas meus filhos saberiam que eu menti.

Ninguém é universal

Comentei há algum tempo essa mania de dizerem que a literatura de Machado de Assis é universal, enquanto a de autores como Zé Lins do Rêgo não é. 
O que querem dizer com este “universal”? Que ela exprime sentimentos ou idéias que não são apenas do Rio de Janeiro onde Machado vivia, mas podem ser compreendidos por toda a Humanidade? 

Sem desmerecer Machado, não creio que a literatura dele fosse unanimidade entre camponeses africanos ou servo-croatas (cultos, alfabetizados, etc.). Não digo que a compreensão e a fruição profunda dessa literatura fossem impossíveis a essas pessoas. Afirmo apenas que não são unânimes, infalíveis, obrigatórias. Ninguém é “universal”. Ninguém.

Maldo eu que essa pretensão a universalismo vem daqueles para quem “o universo é a minha aldeia”. O recém-ganhador do Prêmio Nobel, o escritor turco Orhan Pamuk, queixou-se disto há pouco numa entrevista ao “Globo”: 

“As pessoas consideram muitas das coisas escritas pelos europeus como universais, mas às vezes são apenas ocidentais. (...) Se você é um escritor turco e escreve sobre o amor, as pessoas dizem que é sobre o amor na Turquia. Se Proust escreve sobre o amor, ele está escrevendo sobre o amor universal. Esse tratamento realmente me irrita, mas talvez, agora, esteja mudando”. 

O imenso etnocentrismo denunciado aqui por Pamuk é a cara da cultura ocidental, e não vem de agora, vem do Renascimento, do descobrimento da América, dos imperialismos culturais europeus, cujo espaço foi ocupado no século 20 pelo imperialismo cultural norte-americano e agora pelo multinacional-corporativo.

Globalização é, em parte, isto: afirmar que o que é nosso é universal, e o que é do vizinho ao lado é meramente regional e exótico. 

Não existe cultura “universal”, existe cultura imposta militarmente e economicamente. 

Falamos um idioma filho do latim, não porque o latim seja universal, mas porque foi imposto à força das armas. Arranhamos inglês hoje em dia porque ele é imposto pelo mundo das finanças, da indústria cultural e das telecomunicações.

Chamamos de universal aqui que parece conosco, e se temos poder de imposição suficiente, conseguiremos convencer o mundo de que estamos certos. 

Bruce Sterling, um escritor de ficção científica capaz de escrever sobre qualquer questão política e tecnológica de qualquer região do mundo, ironiza a literatura “universal” praticada nos EUA dizendo que ela não passa de romances sobre professores de meia-idade bebericando vinho e pensando em trair a esposa. 

Não está muito longe do “universalismo” de Machado, que era, na minha modesta opinião, um escritor regional cujo universo ia do Andaraí a Botafogo. Seria mau escritor, por isto? De jeito nenhum. É o que nossa literatura produziu de melhor, e suas façanhas literárias são ainda mais notáveis quando consideramos a quantidade de leite que ele conseguiu extrair dessa minúscula pedra temática sobre a qual preferiu debruçar-se. 

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo



domingo, 27 de agosto de 2017

Frase

A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária da vontade.

Friedrich Nietzsche

Versículos do dia

Então respondeu, aos que estavam diante dele, dizendo: Tirai-lhe estas vestes sujas. E a Josué disse: Eis que tenho feito com que passe de ti a tua iniqüidade, e te vestirei de vestes finas. Zacarias 3:4

Considerai os lírios, como eles crescem; não trabalham, nem fiam; e digo-vos que nem ainda Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles.E, se Deus assim veste a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Lucas 12:27,28

Coração vazio

Tudo tem o seu lugar
Tudo tem a sua hora
E eu cansei de esperar
A minha hora é agora
Com os olhos na estrada
Eu sigo em frente e não desvio
Só eu e meu coração vazio
Bate forte e tenho pressa
Não há nada que me impeça
De querer acreditar
No que não consigo ver
Como posso ir em frente
Como posso ser tão frio
Só eu e meu coração vazio

Não tem começo, não tem fim
Será que você vai esperar por mim
Esperar por mim
Esperar por mim
Esperar por mim

São as falhas da razão
São os erros do perdão
Que tenho medo de perder
Enquanto não me encontrar
O mesmo rosto, o mesmo tempo
Quando eu choro e quando eu rio
Só eu e meu coração vazio
Deixo o vento me mostrar
O caminho pra voltar
Eu esqueço, eu me movo
Eu me levanto e vou de novo
Tudo sempre por acaso
Tudo sempre por um fio
Só eu e meu coração vazio

Não tem começo, não tem fim
Será que você vai esperar por mim
Esperar por mim
Esperar por mim
                                                                   Esperar por mim

                                                                  Bráulio Tavares 

Escrever e cortar

Parece que foi Hemingway, ou Graciliano Ramos, ou Carlos Drummond, ou John Ruskin, ou Armando Nogueira, quem disse: “Escrever é cortar palavras”. 

Um conselho útil, uma boa frase de efeito. Mas tem um porém. Cortar o que? Para cortar, é preciso ter escrito alguma coisa. E se alguma coisa foi escrita e precisa ser cortada, é porque foi escrita em excesso. De modo que o conselho tem duas partes, com a primeira subentendida; o conselho completo seria: “Escrever muito, e depois sair cortando”. 

O que aliás tem sintonia com outra frase famosa, esta sim, de Hemingway: “Escreva bêbado. Revise sóbrio”. Conselho que pode incomodar os abstêmios, de modo que podemos substituí-lo por: “Escreva com entusiasmo, corte sem piedade”.

Não vale para todo mundo, é claro. Acho que James Joyce, Balzac, cortavam muito pouco. Cada vez que recebiam as provas da gráfica, enchiam as margens com novas frases, novos parágrafos inteiros. E os tipógrafos ficavam malucos. (Refazer essas coisas, naquele tempo, dava um trabalho insano.) 
Guimarães Rosa cortava muito, mas o texto não se reduzia, porque tudo que ele cortava substituía por outra coisa. (As antigas edições de seus livros, pela José Olympio, reproduziam páginas inteiras de provas revisadas por ele em letra desenhadinha, meticulosa, legível demais, como se pedisse desculpas aos tipógrafos.)

Escreva entusiasmado (se for esse o seu temperamento como escritor), escreva com exuberância, com exaltação, jogando no papel tudo que lhe passar pela cabeça. Descreva com detalhes, prolongue os diálogos, tente cobrir com palavras tudo que sua imaginação lhe sugerir. Naquele momento de escrever, abre-se uma janela em nossa mente, que depois se fecha. O que você está acessando naqueles minutos já não acessará na manhã seguinte; então, despeje tudo na página, antes que o portal se feche.

No dia seguinte, pegue uma caneta e vá cortando, sem pena. Veja entre essas frases qual delas merece ficar; veja qual delas já contém (ou sugere) as que estão indo para o lixo. 
Em geral, quando escrevemos, repetimos muito. Em diálogos principalmente. Dizemos a mesma coisa de duas ou três maneiras diferentes. Estamos ainda no processo de descoberta, por aproximações sucessivas. No dia seguinte, começa o processo seguinte, o de cristalização. O que estava ali só para ajudar, só para servir de veículo, pode desaparecer. 
Como um copo de água com sal, onde a água se evapora e deixa o sal no fundo. O sal é o texto que vai para o livro. Mas se esse texto for realmente bom, será possível sentir nele a presença da água que o trouxe até ali. 
Corte sem piedade. Cada palavra que você corta aumenta o valor das que ficam.

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

O juiz e o rabo do cachorro

"Não há nada mais perigoso do que um homem honesto”. 
A frase, dita por um dos maiores gângsters da fictícia cidade de Gotham no seriado de mesmo nome, poderia também ter sido proferida por qualquer um dos corruptos brasileiros.
Pessoas honestas incomodam os criminosos, em especial aqueles que tentam subverter as leis de dentro do Estado. O compromisso do bandido é sempre com seus interesses. Já quem possui uma moral sólida, tem compromisso não com seus próprios apetites, mas com valores, coisa que o facínora nunca vai entender e por isso ri do que não é como ele.
Talvez para ser mais diplomático compense citar Rui Barbosa, que afirmou há tanto tempo que “de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
 
Marcelo Bretas é magistrado aprovado em concurso público, a quem cabe o julgamento de uma parcela da Lava Jato. Honesto, como a avassaladora maioria dos juízes, faz cumprir a lei sem admitir interferência política, econômica ou compadrio.
O perfil do concursado é, via de regra, mais discreto, especialmente do juiz, titular de um dos três Poderes da República. Marcelo não é adepto de pirotecnia ou comentários midiáticos, tal qual grande parte dos magistrados, que em seus gabinetes precisam lidar com os mais de 100 milhões de processos no Brasil, número que não existe em nenhum outro lugar do mundo.
Aprovado que fui em concurso público, entendo Bretas, assim como as centenas de colegas da Magistratura que tive o prazer de conhecer nestes anos. Uma base moral sólida e uma dedicação aos estudos é o que caracteriza os que buscam a estreita porta dos concursos.
Isso nos poupa de um eventual beija-mão e da dependência de conchavos políticos para obter um cargo qualquer na pérfida prática identificada por Machado de Assis naquilo que cunhou como “país dos bacharéis”, denunciando com essa expressão a “produção legal da ilegalidade”, em que o direito é manipulado conforme a conveniência de interesses privados e não raro com efeitos contrários aos pretendidos pela lei.
Infelizmente, o que nós todos como brasileiros temos presenciado diariamente é uma inversão de valores e uma celebração à injustiça, digna de um roteiro de filme B, no qual os vilões são tão caricatos que se tornam facilmente identificáveis, não raro sequer conseguimos vê-los como humanos.
Vilões arrogantes, com suas capas teatrais, suas risadas características e seus lábios caídos, odeiam o povo, odeiam a honestidade, odeiam a alegria. Nunca basta o poder que possuem, querem sempre mais, e mais se regozijam quanto mais vêem pessoas boas na miséria.
Desconhecem a justiça que não aquela que os favorece, e usam do sistema para a manutenção do status quo, garantindo a exploração contínua do povo e a erradicação de qualquer um que se oponha a eles.
Considerando nossa tradição ocidental como essencialmente cristã, nesse aspecto de justiça e arrogância é conveniente lembrar aquele que é o arquétipo do juiz e da sabedoria, o rei Salomão, que, segundo a história, ao ser questionado por Deus qual era o desejo de seu coração, pediu “discernimento para ministrar justiça”.
É Salomão que nos recorda que “pouco antes da sua queda, o coração do homem se enche de arrogância; a humildade, contudo, antecede a honra!” (Provérbios 18:12). Nessa mesma linha cristã do tema da queda e da petulância, vem sempre à baila a figura de Lúcifer, cujo orgulho foi a perdição.
Já na mitologia grega não são poucos os casos em que a vanglória foi motivo de ruína. Sempre presente é o mito de Ícaro, aquele que ignorou os conselhos do pai e, voando próximo demais ao sol, perdeu suas asas.
São inúmeras histórias em todas as culturas nas quais o orgulho precede a queda.
Esse procedimento é tão patológico e se repete ao longo do tempo que a Grécia nos entregou o conceito de “húbris”. De Aristoteles a Jung, não foram poucos os que abordaram esse tema.
Húbris representa a confiança excessiva, a presunção desvairada e a insolência, notadamente contra os deuses, uma incontinência sobre os próprios impulsos, que invariavelmente termina sendo punida.
É o contrário da virtude da prudência e do bom senso. Aqueles acometidos desta doença da alma não respeitam aos demais, acreditam na impunidade e que podem fazer tudo o que passa por suas cabeças.
Certamente a característica daquele que se considera um supremo, acima dos mortais, mas que, em razão de suas condutas desmedidas e declaradamente pérfidas, atrai sobre si a ira da divindade.
Se nem aos semi-deuses gregos esses arroubos de pedantismo eram permitidos, que dirá a nós, meros humanos. No caso dos magistrados, convém lembrar que, embora a Justiça seja um atributo do espírito (por isso todas pessoas a possuem), a Magistratura é uma ficção da lei, e sua forma e existência se justificam na medida em que servem à nação.
Do juiz substituto, sempre concursado, ao ministro, indicado politicamente pelo chefe do Executivo da União, não deveria haver quem quer que seja impermeável ao ordenamento jurídico.
É verdade que o juiz, aquele que se submeteu a concurso, começará a sua carreira no interior, conhecendo a população e seus reclamos. Cumprirá e fará cumprir a lei dentro de sua jurisdição, não fazendo de sua toga avental de comerciante, porque lida não só com o interesse público, mas com a confiança do povo na Justiça.
Se não havia antes, agora é nítido que já há um abismo entre esse juiz concursado e o ministro em Brasília, que habita os palácios de mármore e linhas retas, distante da carestia de uma nação que não entende o que significa habeas corpus, mas sente no íntimo quando uma injustiça é feita, na noção da alma da gente simples bem retratada por autores como Guimarães Rosa.
Por isso fica muito difícil entender qualquer ditado esdrúxulo quando se trata de comparar um e outro, como dizer do rabo que abana o cachorro. Cachorro e seu rabo pertencem a um único conjunto. A cabeça manda, o rabo se mexe.
Parece que já não é desse jeito. A maior força de um juiz é sua independência em julgar nos termos da lei, e somente assim ele pode servir ao povo, seu patrão e razão de ser.
É certo que há muito ainda que se melhorar no Judiciário, e é preciso ter fé que hoje estamos melhor do que ontem, e amanhã melhor do que hoje. Mas se alguém espera que um juiz togado, investido por concurso público, venha a dobrar-se servilmente a interesses outros que não a aplicação da lei dentro de sua função social, é melhor não abanar o rabo, mas sentar-se em cima dele, porque se afigura prudente estar próximo ao chão quando a queda vier.
 
Do juiz EDU PEREZ