sábado, 30 de abril de 2016

Quem inventa o sonho?

Há um texto famoso de Robert Louis Stevenson sobre os sonhos, que incluí na minha edição/tradução de O estranho caso do dr. Jekyll e Mr. Hyde (São Paulo: Hedra, 2011). “Um capítulo sobre o sonho” é um longo depoimento autobiográfico em que Stevenson fala sobre a importância dos sonhos em seu processo criativo, com riqueza de exemplos, contando episódios tão bizarros que só podem mesmo ser verdade, porque um ficcionista imaginativo como ele não teria a menor necessidade de mentir.
A certa altura, Stevenson narra uma complicada história de amor e de crime que inventou dormindo, um romance inteiro, cheio de pessoas e de reviravoltas de enredo, com uma revelação final espantosa, quando uma das personagens, numa frase curta, revela toda a verdade escondida até então. O autor diz que acordou estupefato, e confessa a sua perplexidade diante disto. Se a mente que sonhava (raciocina ele) é a dele próprio, como é possível essa cisão psíquica onde uma parte da mente consegue esconder da outra parte um segredo? A mente que conta e a mente que presencia a história não são uma só? Então, como é possível o segredo? Como é possível a espantosa surpresa final diante de algo que nós mesmos estávamos pensando?
A mente que sonha e a mente que escreve literatura são a mesma? Acho que cada pessoa é diferente. Muitos dos meus contos e poemas se originaram de sonhos, que memorizei com cuidado ao acordar e depois, levantando da cama, anotei sem perda de tempo. Mas raramente o sonho vem com a história completa. Em geral ele fornece um sentimento, uma ambientação, um fragmento meio “nonsense” de um episódio que depois eu procuro reconstituir e ampliar, sem tentativa de explicação. Charles Dickens comentou, numa carta de 1843:

“A propósito de sonhos, não é uma coisa estranha que autores de ficção nunca sonhem com suas próprias criações, reconhecendo, mesmo adormecidos, que elas não têm existência concreta? Eu nunca sonhei com meus personagens, e acho que isso é tão impossível que sou capaz de apostar que Walter Scott nunca sonhou com os dele, por mais reais que sejam.”

Lewis Carroll registrou em 1899 um sonho no qual ia visitar uma família de amigos, e durante a visita ficava sabendo que uma das filhas, Polly, estava se apresentando numa peça num teatro local. Nesse momento, Carroll avistava a própria Polly sentada nas proximidades, só que era Polly quando tinha nove ou dez anos apenas. Ele perguntava à mãe se poderia levar Polly ao teatro consigo, e ela autorizava. Diz ele:

“Eu estava claramente consciente do fato (mesmo sem a menor surpresa diante daquela incongruência) de que eu estava levando a Polly criança para assistir uma apresentação da Polly adulta! Ambas as imagens, Polly como criança, e Polly como mulher, são, imagino, igualmente nítidas na minha memória normal, da vigília; e ao que parece durante o sonho eu dei um jeito de dar a cada uma delas uma individualidade independente.”

Como se sabe que Carroll tinha fascinação por garotinhas (uma espécie de pedofilia platônica, pois não há registro de qualquer ação dele neste sentido, o que condiz com seu temperamento tímido e cortês), dá para perceber que em sua memória a mulher crescida não tinha conseguido eliminar do seu mundo imaginário a menina.
Edmond de Goncourt (escritor, criador de um famoso prêmio literário francês juntamente com seu irmão Jules) conta que pouco tempo depois da morte do irmão, a quem era muito unido, sonhou que caminhava ao lado dele pelas ruas de Paris, e encontrava um grupo de amigos, entre os quais Téophile Gauthier. Todos vinham ao seu encontro e lhe apresentavam as condolências, e ele as aceitava, roído pela dúvida, porque avistava a poucos metros de distância o irmão vivo, esperando para continuarem a caminhada, e também tinha bem clara na memória os anúncios fúnebres que vira pregados por toda parte.
É um sonho que lembra o que Gabriel Garcia Márquez conta no prólogo dos seus Doze Contos Peregrinos (1992). Quando morava em Barcelona, o escritor sonhou que estava acompanhando o próprio enterro, a pé, num grupo de amigos em clima de festa, embora todos trajassem luto. Amigos do mundo inteiro tinham comparecido à cerimônia, e Gabo sentia-se feliz por ver todos juntos, depois de tanto tempo. Quando tudo chegava ao fim todos começavam a ir embora e ele tentava acompanhá-los, mas alguém lhe dizia: “Você é o único que não pode ir embora.” E ele conclui:

“Só então compreendi que morrer é não estar nunca mais com os amigos”.
 
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

Encantado com o que viu no Museu do Gonzagão em Exu-PE, um menino de 10 anos resolveu criar o seu próprio “Museu do Luiz Gonzaga” na cidade do Crato. Pedro Lucas Feitosa conheceu o museu original em 2013 e buscou inspiração na música “Numa Sala de Reboco”, composta pelo Rei do Baião em parceria com José Marcolino. Localizado no distrito de Dom Quintino, há 25km do centro da cidade, o museu criado por Pedro Lucas conta a história do ídolo do forró e do homem sertanejo de maneira simples e didática. 

No local é possível encontrar instrumentos de trabalho usados pelo sertanejo como enxadas, enxadecos, foices, machados e utensílios domésticos como ferro à brasa, penteadeira, pilão e cabaças, a maioria doada por pessoas da localidade. Todo o acervo é dividido em alas, com destaque para o espaço onde é exposta uma sanfona de brinquedo em meio a mala, sandálias de couro e fotografias do cantor.

Pedro explica que se trata de uma “representação do Rei do Baião e de todas as suas músicas”. Segundo ele, a sanfona simboliza a música “Sanfona do Povo”, a mala retrata a vida do viajante e a sandália de couro a força e resistência do povo. De uma família de agricultores, Pedro Lucas é criado pelos avós, seus grandes incentivadores. A casa onde foi erguido o museu pertencia a bisavó do menino, já falecida.

Com informações do site Sertão Alerta.

Vereador cobra medidas para que CAGEPA substitua canos de amianto em Pombal

O vereador Edno Dantas (PSL-FOTO), cobrou na sessão ordinária desta segunda-feira (25/04), que os parlamentares da casa "Avelino Queiroga de Cavalcanti" se unam para formar uma comissão para cobrarem da Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (CAGEPA) e do Governo do Estado, a substituição com urgência dos canos de amianto, utilizados nas tubulações que levam águas as residência em Pombal, no Sertão da Paraíba.

Conforme o vereador, os canos utilizados pela CAGEPA são de amianto, uma substância considerada altamente cancerígena, o vereador lembrou que nos últimos dias quatro pessoas morreram em decorrência da doença na cidade.

Edno lembrou ainda que na Policlínica (Posto Central de Saúde), existe o registro com inúmeros casos de câncer registrados no município e que assim como foi proibida a venda de caixas de água e telhas fabricadas com amianto é necessário que os canos sejam substituídos, uma vez que a água levada nos referidos canos é consumida pela população da cidade.

Abaixo escute a fala do vereador na tribuna da Câmara.


* O que é Amianto?
O amianto é um mineral que ocorre na natureza. Uma variedade da substância, o amianto branco, é usado na indústria da construção civil nos países em desenvolvimento, mas é proibido na maioria dos países industrializados, devido aos riscos para a saúde.

Outras formas de amianto – o azul e o marrom – são proibidos em todo o mundo.

Para que serve o amianto?
O amianto é resistente ao calor e ao fogo. Além disso, o material é resistente e barato, por isso pode ser usado de diversas formas. Ele pode ser misturado ao cimento para fabricação de tetos e pisos. Também é utilizado em canos, tetos, freios, entre outros.

O amianto é perigoso?
Fragmentos microscópicos de fibras de amianto são potencialmente perigosos quando inalados e podem provocar doenças respiratórias:

•Câncer de pulmão, que é o mais comum em pessoas expostas ao amianto; 

•Mesotelioma, uma forma de câncer no peito que praticamente só ocorre em pessoas expostas ao amianto; 

•Asbestose, uma doença que causa falta de ar e pode levar a problemas respiratórios mais graves. 

Henio Wanderley - HW COMUNICAÇÃO
* BBC Brasil

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Humor


Barbara Morgan, Marta Graham, Lamentation, 1935

Plebiscito

A cena passa-se em 1890.

A família está toda reunida na sala de jantar.

O senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço. Acabou de comer como um abade.

Dona Bernardina, sua esposa, está muito entretida a limpar a gaiola de um canário belga.

Os pequenos são dois, um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o canário. Ele, encostado à mesa, os pés cruzados, lê com muita atenção uma das nossas folhas diárias.

Silêncio


De repente, o menino levanta a cabeça e pergunta:

— Papai, que é plebiscito?

O senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme.

O pequeno insiste:

— Papai?

Pausa:

— Papai?

Dona Bernardina intervém:

— Ó seu Rodrigues, Manduca está lhe chamando. Não durma depois do jantar, que lhe faz mal.

O senhor Rodrigues não tem remédio senão abrir os olhos.

— Que é? que desejam vocês?

— Eu queria que papai me dissesse o que é plebiscito.

— Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer doze anos e não sabes ainda o que é plebiscito?

— Se soubesse, não perguntava.

O senhor Rodrigues volta-se para dona Bernardina, que continua muito ocupada com a gaiola:

— Ó senhora, o pequeno não sabe o que é plebiscito!

— Não admira que ele não saiba, porque eu também não sei.

— Que me diz?! Pois a senhora não sabe o que é plebiscito?

— Nem eu, nem você; aqui em casa ninguém sabe o que é plebiscito.

— Ninguém, alto lá! Creio que tenho dado provas de não ser nenhum ignorante!

— A sua cara não me engana. Você é muito prosa. Vamos: se sabe, diga o que é plebiscito! Então? A gente está esperando! Diga!...

— A senhora o que quer é enfezar-me!

— Mas, homem de Deus, para que você não há de confessar que não sabe? Não é nenhuma vergonha ignorar qualquer palavra. Já outro dia foi a mesma coisa quando Manduca lhe perguntou o que era proletário. Você falou, falou, falou, e o menino ficou sem saber!

— Proletário — acudiu o senhor Rodrigues — é o cidadão pobre que vive do trabalho mal remunerado.

— Sim, agora sabe porque foi ao dicionário; mas dou-lhe um doce, se me disser o que é plebiscito sem se arredar dessa cadeira!

— Que gostinho tem a senhora em tornar-me ridículo na presença destas crianças!

— Oh! ridículo é você mesmo quem se faz. Seria tão simples dizer: — Não sei, Manduca, não sei o que é plebiscito; vai buscar o dicionário, meu filho.

O senhor Rodrigues ergue-se de um ímpeto e brada:

— Mas se eu sei!

— Pois se sabe, diga!

— Não digo para me não humilhar diante de meus filhos! Não dou o braço a torcer! Quero conservar a força moral que devo ter nesta casa! Vá para o diabo!

E o senhor Rodrigues, exasperadíssimo, nervoso, deixa a sala de jantar e vai para o seu quarto, batendo violentamente a porta.

No quarto havia o que ele mais precisava naquela ocasião: algumas gotas de água de flor de laranja e um dicionário...


A menina toma a palavra:

— Coitado de papai! Zangou-se logo depois do jantar! Dizem que é tão perigoso!

— Não fosse tolo — observa dona Bernardina — e confessasse francamente que não sabia o que é plebiscito!

— Pois sim — acode Manduca, muito pesaroso por ter sido o causador involuntário de toda aquela discussão — pois sim, mamãe; chame papai e façam as pazes.

— Sim! Sim! façam as pazes! — diz a menina em tom meigo e suplicante. — Que tolice! Duas pessoas que se estimam tanto zangaram-se por causa do plebiscito!

Dona Bernardina dá um beijo na filha, e vai bater à porta do quarto:

— Seu Rodrigues, venha sentar-se; não vale a pena zangar-se por tão pouco.

O negociante esperava a deixa. A porta abre-se imediatamente.

Ele entra, atravessa a casa, e vai sentar-se na cadeira de balanço.


— É boa! — brada o senhor Rodrigues depois de largo silêncio — é muito boa! Eu! eu ignorar a significação da palavra plebiscito! Eu!...

A mulher e os filhos aproximam-se dele.

O homem continua num tom profundamente dogmático:

— Plebiscito...

E olha para todos os lados a ver se há ali mais alguém que possa aproveitar a lição.

— Plebiscito é uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios.

— Ah! — suspiram todos, aliviados.

— Uma lei romana, percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!...
 

Arthur Nabantino Gonçalves de Azevedo

Texto extraído do livro “Contos fora da moda”, Editorial Alhambra – Rio de Janeiro, 1982, pág. 29.

Alienação Parental - lugar de filho alienado no palco da justiça.

Aquele genitor que entende ser o único que "possa" ter a guarda do menor e assim age de forma a negar, manipular, dificultar a convivência dos filhos com o outro genitor, na maioria das vezes usando da revolta ou revanche não imagina o mal que está praticando aos filhos.

Entende-se que os juízes, promotores e advogados deveriam olhar para os processos judiciais desta natureza não como o lugar da batalha judicial, mas o lugar da batalha psíquica, onde demanda dos atores jurídicos uma "espécie de administração de conflitos de natureza subjetiva", e quando transformado em batalha judicial espera-se que o judiciário possa barrar pais que proporcionam sofrimento emocional aos seus filhos. 

Parece simples, mas não é!

Estes conflitos possuem uma alta carga de afetividade que o formalismo e trâmite jurídico exacerba o campo das disputas. Entretanto, não há como negar nem diminuir o papel social e simbólico que o poder normativo da justiça tem como função de interdição. 

E, neste sentido que a Lei da guarda compartilhada e a mediação familiar vem sendo colocada como um caminho seguro para inibir o comportamento do alienador nos espaços da justiça.

E compreendo como um caminho que se abre para as escutas "das verdades" que não são " verdades jurídicas" para servirem de provas, mas a verdade dos afetos, dos vínculos e de histórias de muitas famílias que estão impossibilitadas de pensar sobre seus próprios conflitos.

Que então o trato da alienação parental seja a transformação dos discursos de " ganhar na justiça não passe a ser ganhar a disputa de um filho sobre o ex", mas mesmo em processo de luto de uma relação que não mais prospera, seja possível o ganho do lugar de pai e de mãe, a quem todo filho deve ter direito. 

 Por Márcia Almeida

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Varal poético


Apresentadora tira a roupa na TV

A apresentadora Gabrielle Ciangherotti ficou completamente nua durante a exibição de notícias de tecnologia do “Desnudando la Notícia”, um telejornal da Venezuela que é conhecido por deixar as âncoras nuas durante o programa.

Nas notícias, a morena fala sobre aplicativos sexuais e dá dicas aos homens para um melhor desempenho na cama.

Conhecido por deixar as apresentadoras nuas durante o noticiário, o jornal Desnudando la Notícia, da Venezuela, teve mais uma cena de nudez ao vivo. Desta vez, a âncora Paola Romero foi a responsável por tirar a roupa e mostrar suas partes íntimas ao público. Desinibida, a gata iniciou o programa vestida, mas rapidamente foi tirando a roupa e e deu as notícias completamente pelada, como veio ao mundo.

O Desnudando la Notícia não é o primeiro telejornal a adotar essa prática de noticias com apresentadora nuas, o Naked News, do Canadá, já faz isso há mais de 10 anos. E a cada dia aumenta o sucesso desse tipo de noticiario na televisão a cabo e na internet.

Com o slogan “O programa que não tem nada a esconder”, O Naked News mostra suas apresentadoras – seis no total – completamente nuas. Funciona assim: a cada notícia divulgada, a apresentadora tira uma peça de roupa. No final do noticiário, ela fica totalmente nua, uma maneira de prender o telespectador.

Fonte aqui

No quarto centenário das mortes de Shakespeare e Cervantes, a tentação de os comparar é irresistível. O inglês é o claro favorito a maior escritor de todos os tempos, mas D. Quixote e Sancho Pança são dos poucos rivais à altura de um Hamlet ou de um Rei Lear.

Aqueles que são provavelmente os dois escritores mais influentes da história da literatura, o inglês William Shakespeare (1564-1616) e o espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), morreram (quase) no mesmo dia, há 400 anos. E se Shakespeare é talvez o verdadeiro centro do cânone ocidental, como pretende o crítico americano Harold Bloom, já não é certo que alguma das suas personagens, nem mesmo Hamlet, o neurótico príncipe da Dinamarca, ultrapasse a popularidade de D. Quixote, o cavaleiro da triste figura criado por Cervantes.


Pese embora todo o prestígio acumulado pelo introspectivo e enigmático super-herói literário Batman-Hamlet, no campo de batalha da crítica não é menos considerável a claque dos que apreciam o jogo franco do galhardo e leal Superman-Quixote.

Um dos primeiros a intuir que colocá-los frente a frente no ringue daria um combate memorável foi o ficcionista russo Ivan Turguenev, que em 1860 dedicou toda uma extensa conferência (traduzida para inglês e publicada na Chicago Review em 1965)  à comparação entre Hamlet e Quixote, concluindo que ambos representam expressões extremas de duas tendências humanas discordantes: o altruísmo, a fé inabalável, a capacidade de auto-sacrifício, a força de vontade, o entusiasmo, que o fidalgo da Mancha levaria aos limites da alucinação, isto é, da comédia, e o poder de análise, o escrutínio interior, o egotismo, a descrença, a incapacidade de amar, exacerbados em Hamlet ao ponto da tragédia.

Quixote, que vê gigantes onde outros veem moinhos, e arremete contra um rebanho de ovelhas convicto de que ataca uma hoste de cavaleiros, “pode às vezes parecer um perfeito maníaco”, concede o escritor russo. Mas “a solidez da sua estrutura moral imprime a tudo o que diz ou faz uma particular gravidade”, observa, e essa dimensão ética confere-lhe uma dignidade que resiste às “situações absurdas e às humilhações em que incessantemente tropeça”.

Já Hamlet, diz Turgenev, é alguém que se “espia a si próprio” e  que, “duvidando de tudo, inclui impiedosamente o seu próprio eu nessas dúvidas”. Mas se este auto-conhecimento o torna dolorosamente consciente das suas próprias fraquezas, diz o romancista de Pais e Filhos, “ele é em si próprio uma força, da qual emana a ironia, que é precisamente a antítese do entusiasmo de D. Quixote”.

Turguenev nunca assume claramente a sua predileção por D. Quixote e respectivo autor, e até reconhece que o dramaturgo inglês, pela “opulenta e poderosa imaginação”, pelo “brilho do seu talento poético” e pelo “intelecto incomparável” é de facto “um gigante ao pé de Cervantes”. No entanto, argumenta, se o âmbito da arte do espanhol é mais exíguo do que o de Shakespeare, que se serve, para os seus desígnios, “de quanto exista na terra e no céu”, o confinado mundo cervantino basta ainda assim para “refletir tudo o que pertence à natureza humana”.

Mas o passo em que o russo mais denuncia a sua afinidade eletiva é talvez quando argumenta que, em toda a sua simplicidade, D. Quixote “é um autêntico fidalgo”, ao passo que Hamlet, “com toda a sua etiqueta cortesã, dá ares de parvenu”.

Turguenev abre a sua palestra – originalmente escrita para uma leitura pública em favor de uma associação de auxílio a escritores indigentes -, assinalando a coincidência de Hamlet ter sido originalmente publicado no mesmo ano em que saiu dos prelos a primeira parte do D. Quixote, uma coincidência fascinante, mas não inteiramente verdadeira.

Não contabilizando uma hipotética peça desaparecida que teria constituído um primeiro esboço de Hamlet, atribuída por alguns autores ao dramaturgo Thomas Kyd (1558-1594), a primeira impressão que se conhece é de 1603, mas resume-se a 2200 versos, pouco mais de metade dos 3800 que compõem a edição publicada logo no ano seguinte. Turgenev terá considerado com razão que a verdadeira edição original era esta de 1604, e dela se conhecem efetivamente alguns exemplares com data de 1605, o ano em que Cervantes deu à estampa a parte inicial da sua obra-prima.

Já depois da morte de Shakespeare, dois atores da sua companhia, John Heminges e Henry Condell, organizaram em 1623 uma compilação das peças do dramaturgo – Mr. William Shkespeare’s Comedies, Histories, and Tragedies, há muito conhecida por First Folio -, que inclui uma versão de Hamlet apenas ligeiramente mais curta do que a de 1604. Numa recente tradução portuguesa da peça, publicada pela Relógio D’Água, António M. Feijó opta por fundir ambas, mantendo todos os versos da edição de 1604 que não surgem na de 1623 e vice-versa.

Do Público.pt
Por Luís Miguel Queirós

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Os novos cinquentões...

- Não, não se fazem mais velhos como antigamente.
- É verdade. Não se fazem.
- Veja você. Você está com 54. Lembra quando você era jovem, quem tinha 54 era um velhinho, não era?
- Avô, avô......
- Então. E as mulheres de 54?
- Bisavós, bisavós.....
- Não exagera. Avós, também. Aliás, mulher de 40 já tava velhinha. Todas de preto. Iam à igreja. A mãe da gente tinha 40, né? Era uma santa, né? Imagina se fazia o que as de 40 fazem hoje...
- Onde é que você quer chegar?
- É que a nossa geração mudou tudo. Mudou até a velhice. A gente é de uma turma que rompeu com tudo. Esse negócio de Beatles, Rolling Stone, pílula, tropicalismo, isso fez mudar tudo.
- Prossiga.
- É que a gente mudou os velhos que a gente ia ser. Veja a sua roupa. Você esta vestido igual a um cara de 20, 30 anos. Você não está de terno e gravata como os cinquentões de antigamente.
- Você está é justificando a nossa velhice.
- Que velhice, cara! Você hoje faz tudo que um cara de 20 faz.
- Mais ou menos, mais ou menos.
- A nível comportamental.....
- A nível, cara?
- Desculpa, mas comportalmente falando, ficou tudo igual. O cara de hoje, com 50, não se comporta mais como um cara de 50 dos anos 50. Nivelou, entendeu?
- Explica melhor.
- As meninas também. As nossas amigas de 40, por exemplo.
- Melhor não citar nomes.
- É que hoje elas fazem coisas que a gente não poderia imaginar que a mãe da gente fizesse com a idade delas. Estão todas aí, inteiraças. Liberadas, está entendendo? Mandando ver. E nós também. Veja a roupa do seu filho. Igual à sua. Antigamente um cara de 23 se vestia completamente diferente de um cara de 53. Ou você alguma vez viu o seu pai de tênis? Acho que até para jogar tênis ele devia jogar de sapato.
- Se a gente então não está velho, vai ficar velho quando?
- Pois é aí que eu quero chegar. Não existe mais a velhice. Nos anos 60 a gente fez tanta zorra que, sem querer, garantimos o nosso futuro sem velhice. Pode escrever aí. Não existe mais velhice.
- Ficamos imortais?
- Quase. Antigamente o sujeito começava a morrer mais cedo. Ficava uns 10, 15 anos morrendo. Agora não, ele vai ficar até os 80, 90. Daí ele fica doente e morre logo. Acabou a agonia. Pensa bem: a gente está com 50. Temos mais uns 30 pela frente. Firmes. É isso, cara: não existe mais a velhice. E fomos nós que detonamos com ela.
- Mas tem o cabelo branco, as rugas, a barriguinha.....
- Detalhes, cara, detalhes. O cabelo branco, a ruga e a barriguinha hoje em dia são encarados como charme. Mesmo porque os cabelos não ficam mais tão brancos como nos nossos pais. E as rugas também. Os velhos estão cada vez com menos rugas. E pra barriguinha, estão aí as academias. Tem fórmulas.
- E isso vale também para as mulheres, né?
- Principalmente. Eu estava falando nas nossas amigas de 40. Pega as de 50. Tudo com corpinho de 30. Cabeça de 20. Tão até melhores do que nós, cara.
- Peraí. a sua namorada não tem nem 30.
- E isso me preocupa. Tem cabeça de 50. De 50 das antigas.
- Eu não estou entendendo aonde é que você quer chegar.
- Quero chegar nos 90. Me passa o uísque. Me passa o cigarro. Me passa a saudade que eu tenho dos meus 20 anos. Me passa a vida a limpo. E mete os Beatles aí na radiovitrola. Help, please.

Mário Prata

“Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente." 

Sócrates

Jardim interior

Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente. 


Mário Quintana

Arte

Elliott Erwitt, American painter Paul Resika in his New York studio, New York City. 1955

terça-feira, 26 de abril de 2016

Drummond - Elegia, por Caetano Veloso

Sem você...

Sem você bem que sou lago, montanha.
Penso num homem chamado Herberto.
Me deito a fumar debaixo da janela.
Respiro com vertigem. Rolo no colchão.
E sem bravata, coração, aumenta o preço.


Ana Cristina Cesar

O desaparecido

Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.

Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.

Rubem Braga

Do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969, pág. 112, extraímos o texto acima.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Geraldo Azevedo no Museu da Imagem e do Som

Quarta-feira passada, passei a tarde no Museu da Imagem e do Som (MIS), no Rio de Janeiro, participando do depoimento de Geraldo Azevedo para o projeto Depoimentos Para a Posteridade. A sessão de cerca de quatro horas e meia de conversa, dirigida pelo jornalista João Pimentel, teve como entrevistadores eu, Eliana Pittman, Neila Tavares e Carlos Morel.

Acompanho o trabalho de Geraldo há décadas. Ele é de uma geração de compositores e cantores um degrau acima da minha: Alceu Valença, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Fagner, Ednardo, Belchior etc. Artistas nordestinos que gravaram seus primeiros discos nos anos 1970. Depois deles veio uma segunda leva de “paraíbas”, incluindo eu, Ivan Santos, Lenine, Fuba, Lula Queiroga, Tadeu Mathias, Alex Madureira e muitos outros.

É sempre bom ouvir a narração da carreira de alguém por ordem cronológica, ver a sucessão de pequenos fatos que vão, sem que a gente perceba, nos conduzindo na direção da vida artística. Geraldo nasceu num sítio em Jatobá, nas vizinhanças de Petrolina (PE). Antigamente, era distante; hoje, o local foi engolido pela cidade, que cresceu muito mais do que sua vizinha Juazeiro (BA).

Geraldo conta que na infância a escola ficava a alguns quilômetros de distância, e ele ia montado num jegue, que já sabia o caminho: parava exatamente no local da professora. Na volta, no sol a pino, o calor era tanto que ele adormecia agarrado ao burro em movimento (como o vaqueiro do conto “O Burrinho Pedrês” de Guimarães Rosa), e o burro voltava para casa sem precisar de guia. A mãe de Geraldo, dona Nenzinha, alfabetizou todos os filhos, e também o marido, já adulto.

Jatobá ficava pertinho do rio São Francisco. Às vezes, nas cheias do rio, as árvores onde os meninos brincavam ficavam só com a copa do lado de fora, e o pai advertia: “Depois que baixar, não subam nessas árvores, está cheio de cobra lá em cima.” As cobras subiam para se proteger.

Ele lembra uma época, já rapaz, quando a equipe de Carlos Coimbra andou por lá filmando Lampião, Rei do Cangaço, com Vanja Orico e Geraldo del Rey. Os dois Geraldos ficaram amigos e tocavam violão juntos. O método preferido naquela época era um daqueles métodos de violão “pé-duro”, de acordes “quadrados”, o Método Bandeirantes. Na mesma época, Geraldo conheceu João Gilberto, que tinha ido visitar o pai em Juazeiro.

Geraldo veio ao Rio trazido por Eliana Pittman, que o tinha visto tocar violão nos bares do Recife. Era jovem, e de repente viu-se tocando com pessoas como Antonio Adolfo e Erlon Chaves. “O violão não tinha captador, era com microfone,” lembra ele. “Quando eu sabia a música, aproximava o violão do microfone. Quando não sabia direito os acordes, afastava”.

Ele fala também dos seus primeiros contatos com outros artistas, inclusive Geraldo Vandré. Quando Vandré se escondeu por causa do golpe de 1968, os dois fizeram a “Canção da Despedida”, que segundo Geraldo foi composta nos lugares onde ele estava escondido: na casa de D. Aracy Moebius (esposa de Guimarães Rosa) e depois no sítio da modelo e atriz Marisa Urban.

Ele fez um longo depoimento sobre as torturas que sofreu depois que foi preso pela ditadura, porque tinha amigos envolvidos com organizações clandestinas e colaborava com desenhos em alguns panfletos. E ironiza o regime. Quando ele e Alceu Valença gravaram seu primeiro disco juntos, em 1972, o então ministro Jarbas Passarinho apareceu na imprensa exibindo o disco, o primeiro disco quadrafônico da música brasileira. Depois, quando Ernesto Geisel visitou a Alemanha para discutir energia nuclear, no pacote de presentes que levou para as autoridade estava outro disco do ex-preso Geraldo.

E por aí vai. A carreira de Geraldo me parece uma carreira única na sua geração de compositores nordestinos. Não conheço nenhum outro, naquela faixa, que domine o violão como ele, que tenha sua inventividade de melodia e harmonização. Cria da Bossa Nova na adolescência, ele evoluiu para outros estilos na idade madura, e assimilou influências da música africana, latino-americana, o rock, o tropicalismo e o mais que se seguiu.

A primeira vez que assisti um show de Geraldo foi muitos anos atrás, quando eu era um cineclubista cabeludo em Salvador, e fui vê-lo no Teatro Vila Velha, um show voz e violão. Na hora do bis, ele pediu à platéia que sugerisse uma música. Eu gritei: “Cravo Vermelho!”  E fiquei super orgulhoso quando ele (que nem sabia da minha existência, então!) tocou. É aquela música linda que começa: “Eu sou daqui – mas vim de longe...”

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo 



domingo, 24 de abril de 2016

O zero é a maior metáfora. O infinito a maior analogia. A existência o maior símbolo. 

Fernando Pessoa 

Drummond


Os parceiros

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste...
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro...eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce...
Como também disfarce é a minha vida!


Mário Quintana

Diante da lei

Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde.

- É possível - diz o porteiro - mas agora não.

Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz:

- Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.

O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta.

Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado com muitas coisas para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:

- Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.

Durante todos esses anos o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião.

Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:

- O que é que você ainda quer saber? pergunta o porteiro. Você é insaciável.

- Todos aspiram à lei - diz o homem. Como se explica que em tantos anos ninguém além de mim pediu para entrar?

O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar sua audição em declínio ele berra:

- Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.

O escritor tcheco Franz Kafka viveu entre 1883 e 1924); o conto “Diante da Lei” é de 1919. Do livro Um Médico Rural (Contos). São Paulo, Editora Brasiliense, 1991

sábado, 23 de abril de 2016

Encontrado corpo de menino que estava desaparecido há quatro dias no Sertão da PB

Buscas contaram com a ação de Policiais militares, civis e do Corpo de Bombeiros, além de moradores cães farejadores da Capital
 
O corpo de Erick Gabriel Muniz de Sousa, de 11 anos, que estava desaparecido desde a segunda-feira (18), foi encontrado na tarde desta sexta-feira (22). A confirmação da morte foi feita pelo capitão Batista, comandante da Polícia Militar de Pombal, no Sertão da Paraíba, a 371 km de João Pessoa. O cadáver foi encontrado por profissionais do Corpo de Bombeiros em um matagal próximo ao local onde a criança havia sido vista pela última vez, perto do parque de vaquejada da cidade. Confira o lugar na fotos abaixo:
Policiais militares, civis e do Corpo de Bombeiros da região participaram das buscas. Nessa quinta-feira (21), as atividades contaram ainda com apoio de cães farejadores da Capital. Moradores da região também ajudaram nos trabalhos.
Em mensagens compartilhadas nas redes sociais, a família informou as roupas que a criança vestia no dia em que desapareceu. O menino seria autista e precisaria de medicamentos controlados.
A polícia informou que isolou a área onde o corpo foi achado e que os familiares estavam se dirigindo ao local para formalizar a identificação. A causa da morte da criança não foi definida e uma perícia seria para determiná-la com precisão.
 
 Tvcz

Shakespeare, um espanto de 400 anos

Meus olhos vêem melhor se os vou fechando.
Viram coisas de dia e foi em vão,
mas quando durmo, em sonhos te fitando,
são escura luz que luz na escuridão.
Tu cuja sombra faz a sombra clara,
como em forma de sombras assombravas
ledo o claro dia em luz mais rara,
se em sombra a olhos sem visão brilhavas!
Que benção a meus olhos fora feita
vendo-te à viva luz do dia bem,
se a tua sombra em trevas imperfeita
a olhos sem visão no sono vem
Vejo os dias quais noites não te vendo,
 e as noites dias claros sonhos tendo. 


William Shakespeare, in "Sonetos (43)"
Inglaterra
23 Abr 1564 // 23 Abr 1616
Dramaturgo/Poeta/Ator/Compositor

"Reforma ortográfica"





Coisa de moleques

Para falar sobre trote "produzido", é preciso pedir licença a Ícaro de Aguiar, talvez o maior trotista que o mundo já viu. Conseguiu passar trote até em membros da família imperial brasileira, como d. Pedro e d. João, que, a exemplo dele, moravam em Petrópolis. Ícaro lia a coluna social dos jornais para ficar informado dos acontecimentos sociais. Ia, então, para o telefone e marcava, desmarcava, transferia e adiava jantares, festas, recepções, vernissages, o diabo. Era a maior confusão em Petrópolis.

Uma vez, descobriu que um comitê de padres, em visita ao Rio de Janeiro, queria conhecer Petrópolis. Descobriu o telefone da diocese em que os padres estavam hospedados e os convidou, em nome de d. Pedro, a conhecer o palácio imperial no domingo seguinte. Em seguida, telefonou para d. Pedro, dizendo-se porta-voz da diocese, e pedindo uma visita ao palácio de Petrópolis, um palácio, aliás, bem engraçadinho. D. Pedro ficou puto, ninguém entendia nada, pois um havia convidado o outro e ninguém havia, efetivamente, convidado ninguém. Fomos com Ícaro para a porta do palácio, especialmente para curtir a chegada dos padres. Foi aquele mal-estar. Impagável!

No que diz respeito particularmente a mim, participei da produção de um trote que é candidato forte ao título de maior de todos os tempos. Ibrahim Sued anunciou, com grande pompa, o casamento de Guido Maciel, dono de um dos mais ricos cartórios do Rio de Janeiro, sócio de Márcio Braga — que, diga-se de passagem, nunca foi bobo — com uma moça que havia sido miss e capa de tudo quanto era revista e se chamava Ângela Catrambi, hoje senhora de um grande médico, dr. Álvaro Pinheiro Guimarães. Ia ser um dos grandes acontecimentos sociais do ano, com um coquetel ao ar livre, nos gramados da casa, para quinhentas pessoas, com um bufê enorme e champanhe francês rolando para todo mundo. A casa era uma mansão cinematográfica, ao lado do Itanhangá Golf Club, e todos os grã-finos da cidade foram convidados. Parecia festa de paulista, embora fosse no Rio.

— Vamos fazer uma produção — sugeri a Manuel Gusmão e à mulher dele, a Cida, que era craque em passar trote e, animada, assumiu a execução da operação.

Lembrei que a Eliana Pittman era muito vaidosa. A mãe dela, a Ofélia, mais vaidosa ainda; portanto, seria fácil fazê-las aparecer no casamento sem convite. Cida ligou para a casa delas, Ofélia atendeu, e explicou-se que o Guido Maciel era um grande admirador da cantora Eliana Pittman, um fã, e gostaria que ela fizesse um show no casamento, uma coisa diferente. Imaginem: casamento com show! A Ofélia não era boba, bem que desconfiou, mas tinha lido a notícia no jornal e ficou logo de olho grande... coluna social era com ela mesma. Pediu um tempo para dar a resposta. Ficamos, então de ligar depois, para confirmar ou não.

Em seguida, Cida ligou para a casa do Guido Maciel e mandou chamar a mãe de Ângela Catrambi, uma típica mãe de miss que, mais feliz do que pinto no lixo, estava eufórica com o casamento da filha com um homem tão rico e poderoso. Iria descontar uma promissória.

— A senhora é a mãe da Ângela? Minha filha, Eliana Pittman, gostaria de, humildemente, prestar uma homenagem aos noivos, dar um abraço na Ângela — explicou Cida, fazendo-se passar por Ofélia.

A orgulhosa senhora conhecia Eliana de nome, achou a oferta muito natural e aceitou logo.

— Que beleza a Eliana Pittman cantando no casamento! Podem vir.

Em seguida, avisou à filha, que, numa euforia total, também gostou da ideia.

Era um duelo de titãs. Duas mães de miss no mesmo jogo, só podia dar empate. Cida ligou novamente para Ofélia, que continuou a colocar obstáculos:

— Não sei, assim de repente... Temos de localizar os músicos, o problema do cachê...

— Por favor, não me fale em cachê — ofendeu-se Cida, no papel de mãe da noiva. — Cachê não tem problema. Que tal trinta mil?

Era uma nota preta. Os olhos de Ofélia devem ter revirado dentro das órbitas. Ir a uma festança dessas e ainda por cima ganhar essa nota! Era demais. Topou voando.

— E com que roupa a Eliana deve ir? — quis saber Ofélia.

— Naturalmente, uma roupa bem chamativa, bem Broadway.

— Tudo bem. Eliana gosta de se apresentar assim.

— Então estamos combinadas.

Dá pra imaginar o espanto na entrada triunfal de Eliana, toda emperetecada, e, depois, a confusão na hora de receber o cachê?

Simplesmente inenarrável, caro leitor.


Ronaldo
Fernando Esquerdo e Bôscoli

Balanço

Por que hei de agradar o rude sofrimento e mais rude torná-lo, na desesperança? Por que proclamar a tristeza inútil diante das coisas que secretamente e melhor compreendo? Não falarei do desamparo que finamente aperta os dedos na garganta. Não citarei o sentimento peculiar aos que têm propensão para o desengano e, mais do que nunca, ao crepúsculo, sentem-se traídos e ultrajados sem motivo. Não mais me referirei a estados de alma que nada contêm além de um vazio cinzento e interminável, um abismo de sombra e de abstrato, onde a tristeza rumina o seu cadáver.

Todos os gestos seriam inúteis. Nada salva e tudo nos perde e atraiçoa. O temor sustenta minhas interrogações e de repente me sinto só, perdidamente só e anterior a todos, como se ninguém mais houvesse. Tudo desaparece na refração das águas da memória. Vejo as imagens deformadas, mas que persistem, fantasmas íntimos. Rio e já não entendo; choro e me dilacero lentamente no tempo em que tudo está pesadamente mergulhado. Não grito porque o hábito se forma e o pudor defende. Conheço e entendo. Algumas vezes adivinho, mas não devasso. O que sabe deve calar-se para não ferir. Se digo, as palavras nada significam senão 0 prazer de proferi-las e achá-las bem achadas, não para que exprimam, mas simples jogo colorido que diverte. Não proporei normas, nem direi o que abomino. Deu-nos Deus a palavra para melhor silenciar. No inarticulado, me descubro um homem, com um nome, certos hábitos, fisionomia, alguns cacoetes e muitas possibilidades. Mas sobretudo vivendo por conta própria. Foi um ato irresponsável confiar-me a mim mesmo. Meu destino gira nos meus dedos. Não me pertenço e nem me encontro. O tormento da lembrança, como cãibra, paralisa os gestos e sobrepõe ao que é o que já foi. Calculadamente percorro o caminho da fatalidade, onde os abismos espreitam e aguardam a imagem quebrada, e cem vezes traída.

Otto Lara Resende 

Varal


Enxergue o valor dos outros...

Era uma vez uma rosa muito bonita, que se sentia envaidecida ao saber que era a mais linda do jardim. Mas começou a perceber que as pessoas somente a observavam de longe. Acabou se dando conta de que, ao seu lado, sempre havia um sapo e por essa razão ninguém se aproximava.

Indignada diante da descoberta, ordenou ao sapo que fosse embora. O sapo, muito humildemente, disse: está bem, se é assim que você quer. Algum tempo depois o sapo passou por onde estava a rosa, e se surpreendeu ao vê-la acabada, sem folhas nem pétalas.

Penalizado, disse: que coisa horrível, o que aconteceu com você?

A rosa respondeu: é que, desde que você foi embora, as formigas me comeram dia a dia, e agora nunca voltarei a ser o que era.

O sapo respondeu: quando eu estava por aqui, comia todas as formigas que se aproximavam de ti. Por isso é que eras a mais bonita do jardim...  

Muitas vezes desvalorizamos os outros por crermos que somos “superiores” a eles, mais "bonitos", de mais valor, ou que eles não nos servem para nada.

Deus não fez ninguém para "sobrar" neste mundo. Todos temos algo a aprender ou a ensinar, e ninguém deve desvalorizar ninguém. Pode ser que uma destas pessoas, a quem não damos valor, nos faça um bem tão grande, que nem mesmo nós percebemos.

Prof. Menegatti

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Hora do lanche

Pão francês com creme e café

"A virtude é quando se tem a dor seguida do prazer; o vício é quando se tem o prazer seguido da dor". 

Margaret Mead

Uma história de amor sem fim

O major Feliciano Florêncio foi acordado do seu sono de fim de tarde pela presença forte de uma mulher lindíssima a convidá-lo a um passeio por um caminho cheio de verde e de cantar de passarinhos.

Ele a reconheceu.

-Úrsula!

Fazia mais de 80 anos que a vira pela primeira e única vez. Ela não mudara, continuava tão linda quanto naquela fotografia emoldurada que o vendedor de retratos lhe ofereceu numa manhã de feira livre.

Jamais a esqueceu.

Pulando da cadeira de balanço, saiu a caminhar com passos trópegos para onde ela estava a lhe acenar. Andou, andou, mas não a alcançou. A bela moça sumiu sem dar adeus.

Duas lágrimas de saudade caíram dos olhos cansados do major. Era bom demais para ser verdade. E sentiu vontade de morrer ali mesmo. Morrer para encontrar a mulher que lhe roubou a alma e o coração e que jamais foi sua de verdade.

Por orgulho besta a recusou. Em nome de uma moral idiota a perdeu.

Fazia 80 anos e ainda lembrava como se fosse agora.

Viu a fotografia, não despregou os olhos dela. Pagou o que foi pedido, com a condição do vendedor lhe dizer quem era a moça e onde morava.

-Mora no Riacho do Navio!

Feliciano aprontou a montaria, vestiu a melhor roupa e foi ao endereço indicado. Dois dias de viagem, de pergunta aqui, pergunta ali, até dar no lugar onde ela morava. Foi recebido pelo pai e não lhe fez segredo: queria casar com sua filha.

O balde d`água gelado foi jogado sobre sua cabeça. Ela estava prometida a um primo. Mesmo assim pediu para conhecê-la. Apresentaram-se: -Sou Feliciano! -Sou Ursula!

E ficaram nisso, ele lamentando ter chegado tarde, ela lamentando ter noivado cedo.

Ainda assim, seis meses depois chegou às suas mãos a carta apaixonada:

-Se me quiser, largo tudo e fujo para casar com você!

E a resposta curta e seca:
-Se a senhorita é capaz de fazer uma desfeita dessas com seu pai, não tem condições de ser a mãe dos meus filhos”.

Decisão besta. Com o coração sangrando, casou com uma prima. A viuvez o fez casar com a irmã da falecida. Mas Úrsula continuou a povoar seus sonhos.

Veio a guerra de 30 e com a guerra, as humilhações, as prisões, a filha sendo transportada em carroceria de caminhão pela Polícia, mas mesmo nos dias de dores e raivas, Úrsula era lembrada como a doce dádiva que lhe apareceu na vida.

E agora o velho major olhava o horizonte, com as lágrimas descendo pelos olhos, tentando ver de novo a morena que o chamou para, finalmente, seguirem juntos por esse caminho cheio de verde e de passarinhos cantando.

O velho major desejou morrer. Se a morte lhe trouxesse Úrsula, até que valeria a pena.


Tião Lucena