sexta-feira, 22 de abril de 2016

Uma história de amor sem fim

O major Feliciano Florêncio foi acordado do seu sono de fim de tarde pela presença forte de uma mulher lindíssima a convidá-lo a um passeio por um caminho cheio de verde e de cantar de passarinhos.

Ele a reconheceu.

-Úrsula!

Fazia mais de 80 anos que a vira pela primeira e única vez. Ela não mudara, continuava tão linda quanto naquela fotografia emoldurada que o vendedor de retratos lhe ofereceu numa manhã de feira livre.

Jamais a esqueceu.

Pulando da cadeira de balanço, saiu a caminhar com passos trópegos para onde ela estava a lhe acenar. Andou, andou, mas não a alcançou. A bela moça sumiu sem dar adeus.

Duas lágrimas de saudade caíram dos olhos cansados do major. Era bom demais para ser verdade. E sentiu vontade de morrer ali mesmo. Morrer para encontrar a mulher que lhe roubou a alma e o coração e que jamais foi sua de verdade.

Por orgulho besta a recusou. Em nome de uma moral idiota a perdeu.

Fazia 80 anos e ainda lembrava como se fosse agora.

Viu a fotografia, não despregou os olhos dela. Pagou o que foi pedido, com a condição do vendedor lhe dizer quem era a moça e onde morava.

-Mora no Riacho do Navio!

Feliciano aprontou a montaria, vestiu a melhor roupa e foi ao endereço indicado. Dois dias de viagem, de pergunta aqui, pergunta ali, até dar no lugar onde ela morava. Foi recebido pelo pai e não lhe fez segredo: queria casar com sua filha.

O balde d`água gelado foi jogado sobre sua cabeça. Ela estava prometida a um primo. Mesmo assim pediu para conhecê-la. Apresentaram-se: -Sou Feliciano! -Sou Ursula!

E ficaram nisso, ele lamentando ter chegado tarde, ela lamentando ter noivado cedo.

Ainda assim, seis meses depois chegou às suas mãos a carta apaixonada:

-Se me quiser, largo tudo e fujo para casar com você!

E a resposta curta e seca:
-Se a senhorita é capaz de fazer uma desfeita dessas com seu pai, não tem condições de ser a mãe dos meus filhos”.

Decisão besta. Com o coração sangrando, casou com uma prima. A viuvez o fez casar com a irmã da falecida. Mas Úrsula continuou a povoar seus sonhos.

Veio a guerra de 30 e com a guerra, as humilhações, as prisões, a filha sendo transportada em carroceria de caminhão pela Polícia, mas mesmo nos dias de dores e raivas, Úrsula era lembrada como a doce dádiva que lhe apareceu na vida.

E agora o velho major olhava o horizonte, com as lágrimas descendo pelos olhos, tentando ver de novo a morena que o chamou para, finalmente, seguirem juntos por esse caminho cheio de verde e de passarinhos cantando.

O velho major desejou morrer. Se a morte lhe trouxesse Úrsula, até que valeria a pena.


Tião Lucena

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