segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um grande retrato do Papa Francisco

Quantos pares de sapatos o cardeal Jorge Bergoglio levou para Roma em março? Um, preto e velho, o único que tinha. Para quem quiser entender o que vem por aí, saiu um livraço nos Estados Unidos, é “Pope Francis — Untying the knots” (“Papa Francisco — Desatando os nós”), do jornalista inglês Paul Vallely. Está na rede por US$ 9,99.
 
Ele conta que, no conclave de 2005, Bergoglio chegou à terceira votação com 40 votos, mas o cardeal Ratzinger teve 72. Faltariam cinco para que atingisse os dois terços, e seus aliados avisaram que iriam até o 34º escrutínio, no qual bastaria a maioria absoluta, que já tinham.
 
A demora exporia uma Igreja dividida, e Bergoglio desistiu. Como arcebispo de Buenos Aires, a Cúria deu-lhe para comer o pão de Asmodeu. Rejeitavam suas indicações para bispados.
 
O livro explica como um personagem tradicionalista na doutrina e reformador em questões da Igreja, tendo sido um algoz da esquerda católica dos anos 70, tornou-se um mensageiro dos pobres. Bergoglio apoiou a ditadura argentina que matou dez mil pessoas, inclusive um bispo. Ajudou-a ao ponto do arrependimento.
 
Exagerando, fez um percurso semelhante ao de D. Hélder Câmara, fascista dos anos 30, herói de letra de samba a partir dos 50.
 
O simpaticão da Avenida Atlântica é um homem reservado, de poucos amigos, meditador solitário. Cozinhava suas refeições, mas comia sozinho. Quando tem que resolver uma questão, começa perguntando-se o que não deve fazer. Quando decide, medita de novo.
 
O mérito do livro de Vallely está na busca da alma de Francisco. Ele vai do par de sapatos para explicações muito mais complexas e documentadas. É uma biografia simpática, talvez passasse pelo crivo de Roberto Carlos.
 
No conclave de março, D. Odilo Scherer, o cardeal de São Paulo apresentado como um nome do Terceiro Mundo, era na realidade uma aposta da Cúria. Foi pouco votado no primeiro escrutínio, no qual Bergoglio teve 20 votos, e o favorito da imprensa italiana, o cardeal Scola, arcebispo de Milão, teve 35.
 
Na segunda votação, os aliados de Scherer foram para Bergoglio. Scola entalou e, no quarto escrutínio, o argentino ultrapassou-o. No quinto, foi eleito.

 
Em La Plata, o bispo Héctor Aguer, seu adversário na Argentina, proibiu o tradicional dobre de sinos.
 
 
 
Elio Gaspari, O Globo

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