Em uma noite morreram 359 pessoas tentando atravessar o Mediterrâneo, de países
pobres para ricos. Estima-se que 280 morrem, em um único ano, tentando
atravessar a fronteira entre a América Latina e os Estados Unidos, contra 809
que morreram tentando pular o muro de Berlim em todos os 28 anos de sua
história.
O número de mortes é muito maior se considerarmos milhões que morrem por não
terem dinheiro para saltar os muros dos bons hospitais em busca de atendimento
médico com qualidade.
O mundo derrubou a Cortina de Ferro, separando a escassez nos países
socialistas dos benefícios nos capitalistas, e construiu uma Cortina de Ouro,
que serpenteia o planeta por dentro de cada país, separando as necessidades dos
pobres dos privilégios dos ricos.
O que aconteceu à margem da Ilha de Lampedusa chamou atenção pelo tamanho da
barbaridade concentrada em uma noite sobre emigrantes tentando sair da pobreza
da África para a riqueza da Itália.
Mas todos os dias morrem muito mais pessoas por não conseguirem saltar os
muros que fazem parte da Cortina de Ouro, que cercam as boas escolas para
impedir que nelas entrem crianças de famílias de baixa renda.
De um lado do muro, uma famosa foto mostra o edifício de apartamentos de luxo
no bairro Higienópolis de São Paulo e, no outro, uma favela chamada
Paraisópolis.
A escada que permitiria o salto de um lado para o outro seria colocar as
crianças dos dois lados em escolas com a mesma qualidade.
Mas a Cortina de Ouro está sendo consolidada entre países, por muralhas ou
polícia de fronteira; e, dentro de cada país, visíveis ou não, pelos muros de
shopping-centers, escolas, hospitais e condomínios. Mas, em vez de espalhar os
benefícios construídos pela modernidade, a civilização parece estar preferindo
fazer uma humanidade dividida. O Brasil é um exemplo. Somos um país dividido,
com a população separada por uma Cortina de Ouro.
A tarefa dos abolicionistas foi derrubar, por meio de uma lei, o muro que
separa escravos-negros de livres-brancos. A Cortina de Ferro foi derrubada pelos
martelos nas mãos dos moradores de Berlim Oriental.
A derrubada da Cortina de Ouro só será possível com leis que assegurem ao
professor brasileiro ser tratado com o reconhecimento máximo.
Mas parece que estamos longe disso. Talvez não seja coincidência que, no mês
em que morrem africanos fugindo para a Itália, nas vésperas do Dia do Professor,
tenhamos mestres em greve no Brasil, em busca de pequenos aumentos salariais.
Alguns deles sendo vítimas de violência policial.
Ao cometer o crime de depredar bens públicos ou privados, os manifestantes,
ao lado dos professores, estão provavelmente sem saber e por caminhos errados
lutando para derrubar a Cortina de Ouro, como os berlinenses fizeram com a
cortina de ferro.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
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