Não é qualquer literatura que permite exaltar numa semana um poeta como
Vinicius de Moraes e, na outra, um cronista como Fernando Sabino. Agora, em
outubro, o primeiro faria 100 anos e o segundo, 90.
Houve uma época — de ouro — em que se podia esbarrar com os dois numa mesma
noite num bar da cidade ou na cobertura de Rubem Braga, outro cujo centenário
acaba de ser comemorado.
Há pouco participei em Belo Horizonte de uma mesa em que a cantora Verônica
Sabino contou divertidas histórias do pai, que criou tantas sobre o dia a dia
que às vezes o cotidiano parece inspirar-se nele. Há casos que a gente ouve e
diz: “Isso é coisa do Fernando Sabino.”
Estou me lembrando de uma cena que parece ter saído de uma crônica do criador
de “O homem nu”. Aconteceu no seu enterro, o mais demorado de que se tem memória
no São João Batista. Esbaforido, o jovem repórter chega atrasado e sem saber
muito bem quem é o morto e muito menos quem são os amigos a entrevistar,
pergunta:
— E onde eu posso encontrar o Hélio Pellegrino?
— Aqui mesmo — respondeu o informante, apontando para as sepulturas. O
psicanalista estava morto havia 16 anos.
Além dos debates, uma exposição organizada pelo filho Bernardo em forma de um
labirinto de painéis de fotos e frases possibilitava mergulhar no universo do
autor de “Encontro marcado”, o emblemático romance de várias gerações. Ele
aparece em várias fases da vida.
Aqui, com Jorge Amado ou com Louis Armstrong, ali tocando bateria ou numa
praia do Rio (aliás, espera-se que a mostra venha para cá, já que Fernando foi o
mais carioca dos cronistas mineiros).
Nos textos, uma síntese de suas ideias e opiniões: “O otimista erra tanto
quanto o pessimista, mas não sofre por antecipação.” “No fim tudo dá certo, e se
não deu certo é porque não chegou ao fim.” “Não confio em produto local; sempre
que viajo, levo meu uísque e minha mulher.” “Ser mineiro é não dizer o que faz,
nem o que vai fazer; é fingir que não sabe aquilo que sabe; é falar pouco e
escutar muito, é passar por bobo e ser inteligente.”
Há uma que soa como um projeto de vida: “Antes de mais nada, fica
estabelecido que ninguém vai tirar meu bom humor.” Gozador, Fernando gostava de
passar trotes e implicar com os amigos.
De Vinicius de Moraes, por ter se bandeado para a música popular, ele dizia:
“Quem fez o Soneto de Fidelidade não pode ficar escrevendo ‘Vai, vai, vai, vai/
Não vou/ Vai vai, vai, vai,/ não vou’.” Também parodiava o poeta da paixão,
fazendo uma substituição. Em vez de “infinito enquanto dure”, ele dizia que o
amor só é infinito “enquanto duro”.
Esse lado irreverente, brincalhão, meio infantil, essa recusa de se levar a
sério talvez seja o melhor retrato daquele que escolheu como epitáfio: “Aqui jaz
Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino.”
Zuenir Ventura é jornalista,
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