Cigano que emprestou dinheiro para prefeito ganha praça na Bahia
Manuela Martinez
Especial para o UOL
Em Queimadas (BA)
Sem aprovação da Câmara ou qualquer decisão judicial, o prefeito de Queimadas (BA), José Mauro de Oliveira Filho (PMDB), doou a um cigano uma praça pública de 180 metros quadrados, localizada na entrada da cidade que fica a 300 quilômetros de Salvador.
Em depoimento ao Ministério Público, Gutemberg Dourado da Mota, mais conhecido como "Cigano Careca", disse que emprestou R$ 10 mil ao prefeito no início de sua administração. O cigano disse também que o prefeito pagou a dívida há três meses, mas não apresentou nenhum recibo -a doação do terreno aconteceu no dia 20 de dezembro do ano passado.
Cigano já constrói lanchonete na praça pública que foi doada a ele pelo prefeito.
O promotor de Queimadas, Pedro Costa Safira Andrade, ingressou com uma ação civil pública contra a prefeitura e o cigano. "Solicitei a anulação do negócio (doação da praça) e a suspensão das obras que estão sendo executadas no local", disse o promotor, que também pede a demolição da obra e que o prefeito e o cigano entreguem à população a praça reconstituída, "no mesmo estado que estava antes da construção".
Durante o último Carnaval -quando os serviços judiciais ficaram interrompidos-, o cigano contratou pedreiros e ajudantes para a construção de uma lanchonete em parte do terreno doado pela Prefeitura. "Pedi ajuda ao prefeito porque tenho dois filhos para casar", disse o cigano, em seu depoimento ao Ministério Público, para justificar a doação do terreno. O cigano disse, ainda, que o prefeito doou "dois ou três" terrenos públicos para outras pessoas.
De acordo com o promotor, a doação feita pelo prefeito tem muitos vícios. "A praça foi doada ao cigano sem que houvesse autorização legislativa; lei ou ato administrativo."
Pedro Costa Safira Andrade disse, também, que a Lei 11.481/2007 somente permite a doação de bens e imóveis públicos a particulares para a regularização de programas habitacionais ou regularização fundiária. "Não foi isso o que aconteceu em Queimadas. O prefeito fez a doação desrespeitando claramente a lei", afirmou.
POPULAÇÃO CRITICA PREFEITO
Ivanivalda Queiroz: "Nos dias em que o município recebe o repasse de verbas, o cigano está na prefeitura ou na casa do prefeito", acusa a vereadora
Pedro Andrade:
"O prefeito fez a doação desrespeitando claramente a lei", afirma o promotor, que é responsável pelo caso. "Não houve autorização legislativa, lei ou ato administrativo".
Laurinaldo Marques: o vereador, que apóia o prefeito, também faz críticas: "No interior, muitos prefeitos fazem isso, mas eu acho errado. O procedimento todo tinha de passar pela Câmara".
Jadson dos Reis:
"Todas as noites as crianças vinham à praça para brincar. Agora, terão de conviver com bêbados porque ninguém tem dúvida de que a lanchonete vai comercializar bebida alcoólica", diz o lavrador
Na ação, Pedro Safira ressalta que vereadores de Queimadas, inclusive o presidente da Câmara, informaram à Promotoria de Justiça sobre a doação do terreno, salientando que a Casa Legislativa não concedeu a autorização necessária ao referido processo.
"Na cidade, tomo mundo comenta que o cigano emprestou muito dinheiro ao prefeito. Aliás, por coincidência, nos dias em que o município recebe o repasse de verbas, o cigano está na prefeitura ou na casa do prefeito", disse a vereadora Ivanivalda Queiroz dos Santos Silva (PTN). Dos nove vereadores do município, seis fazem oposição ao prefeito.
Área de lazer
Nesta quinta-feira, 21, o promotor encaminhou um ofício ao secretário da Administração de Queimadas, Fernando Márcio da Silva Barreto, estabelecendo um prazo de cinco dias para a prefeitura apresentar toda a documentação relativa à doação da praça -o secretário havia solicitado 30 dias para entregar os documentos. "Caso estes documentos realmente existam, os mesmos têm de estar arquivados na respectiva secretaria, sendo completamente desarrazoado o requerimento de mais 30 dias pra a apresentação do processo administrativo", escreveu o promotor.
O vereador Laurinaldo Marques da Silva (PRP), que apóia o prefeito, disse que não sabia da doação da praça ao cigano. "No interior, muitos prefeitos fazem isso, mas eu acho errado. O procedimento todo tinha de passar pela Câmara", acrescentou.
Obras
Apesar das notificações, o cigano não interrompeu as obras. Para construir uma lanchonete -as bases do empreendimento já foram erguidas-, Gutemberg da Mota destruiu dois bancos. "Se o cigano tem direito a uma praça, eu também quero um terreno público para construir alguma coisa", disse o lavrador Jadson dos Reis Sena.
Segundo o lavrador, a praça era a única área de lazer dos moradores que têm casas na entrada da idade. "Todas as noites as crianças vinham à praça para jogar futebol ou brincar na quadra de esportes. Agora, se esta obra não for demolida, as crianças terão de conviver com muitos bêbados porque ninguém tem dúvida de que a lanchonete vai comercializar bebida alcoólica."
Desde o começo de fevereiro, quando o promotor começou a investigar a doação do terreno, o prefeito José Mauro de Oliveira Filho não foi localizado pela Justiça para ser intimado a prestar depoimento. "Os oficiais de Justiça não conseguem encontrá-lo na prefeitura ou em sua residência", disse o promotor. "Ele (o prefeito) será citado por hora marcada".
Solicitação
No dia 20 de dezembro do ano passado, o cigano encaminhou ao prefeito um pedido de autorização para a construção da lanchonete. No mesmo dia, o prefeito autorizou o início das obras. "Durante muitos dias, o cigano ficou em silêncio. Espertamente, ele se aproveitou do feriado do Carnaval para adiantar as obras", afirmou a vereadora Ivanivalda Queiroz.
Em outubro de 2007, acusado de emitir cheques sem fundo e de transferir R$ 40 mil dos cofres municipais para a conta de uma filha, o prefeito José Mauro de Oliveira Filho foi cassado pela Câmara. Cinco dias depois, por decisão do Tribunal de Justiça da Bahia, retornou ao cargo.
Segundo o promotor Pedro Costa Safira Andrade, o prefeito responde a sete ações por atos de improbidade administrativa.
Nesta sexta-feira, 22, por meio do secretário Fernando Márcio da Silva Barreto, o prefeito disse que somente iria se pronunciar sobre o assunto na Justiça. José Mauro chegou a marcar um horário para prestar esclarecimentos (21h), mas, depois, desistiu.
Fonte: Uol
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