Desde que nasci, ou melhor, que nasceram-me (eu não fui consultado pelo médico) suspeitei de pronto que não daria certo. Vim ao mundo sem a devida consulta prévia nem tampouco com a opinião formada a respeito. Desse jeito não daria certo mesmo e desde então tenho andado meio açodado com esse mundaréu que me rodeia.
Acharam de nascer-me no Brasil e isso por sim só já um bocado complicado. Por aqui, desde a carta de Pero Vaz de Caminha que é um descaminho só. Pra começar já cheguei ao mundo devendo ao Estado. Tão logo aqui aportei já me apresentaram a taxa de utilização pela sala de parto. Depois, já no berçário me pegaram de vez: colheram-me o nome, filiação, tipo sanguíneo, endereço e até as digitais (dos pés e das mãos). Pronto, não tinha mais jeito! Não havia mais como se esconder. Desconfiei desde então que me achariam até nos cafundós de Judas.
Como todo nordestino, nasceram-me franzino, cabeça grande, quase não vingava. Parece que o que chegou pra ficar mesmo foram as minhas obrigações. De lá para cá, entre eu a taxa da maternidade, o que prosperou mesmo foi o imposto, cresceu e multiplicou-se. E não é que o danado se afeiçoou a mim? Não me larga mais. Agora virou IPVA, ISS, IR, CPMF, enfim, o escambau.
Se vou viajar me acompanha a taxa de embarque, se fico em casa chega o IPTU. Decididamente esse não é o meu mundo e na toada que bate o bumbo não tem como o caboclo se firmar.
Conversando outro dia com um amigo advogado, descobri que até mesmo depois de morto ainda estarei devendo a raposa, ou melhor, ao leão, tanto faz, é bicho afoito do mesmo jeito.
Acordo cedo, trabalho feito um bicho, ganho pouco, gasto muito, pago imposto e para completar sou torcedor do bota-fogo. É demais.
Não tem jeito, esse realmente não é o mundo e para piorar, o meu corpo já começa a reclamar o peso dos anos e a receber visitantes de toda ordem, pois não é que, também sem prévia consultar, uma dor intermitente me chegou ao braço direito! Prontamente procurei um médico especialista em dor de braço direito. No consultório médico, uma surpresa tão dolorosa quanto o motivo que levou ali: o meu plano de saúde não cobria aquela modalidade de dor. “Se ao menos fosse no braço esquerdo...” disse o médico. Sai de lá decido a conviver pacificamente com mais esse inquilino.
O primeiro sinal de que estamos ficando velhos são as peças do corpo quem indica. Dói as dobradiças, os joelhos, as tramelas, até a alma se recente, mas ai, no campo da alma e da mente, sobra uma lasquinha de espaço para o que ainda há de mais doce: e a saudade entra pela porta. Velho é bicho que gosta de viver de recordações, principalmente daquilo que ele não viveu. Há alguns dias peguei-me com saudades dos olhos de Ana. Se bem que me lembro eram pretos, fumegantes de malícia, grandes ameixas mal colocadas e ligeiramente vesgos. Para minha felicidade ela nunca os apontou em minha direção.
È certo que nem tudo são rugas, dores e ressentimentos na vida dos velhos, principalmente daqueles que ainda pagam impostos. Exemplo disso é que outro dia, fui apresentado por um amigo ao mundo de Pedrinho. Que fantástico. Pedrinho tem apenas três anos e uma pressa de viver incomum. Do alto de sua idade tem indagações muito particulares de como vê o mundo que o cerca e tem por companhia sempre um sorriso belo, único, inconfundível.
Com dobradiças, joelhos e tramelas novas, Pedrinho tem pirulitos de chocolate pendurado no céu, um circo de estrelas cadentes e um sol incandescente ligado ao alcance de suas mãos. No seu universo tudo é permitido, sua pureza tem a leveza suave de tudo quanto é algodão doce, caramelo, jujuba e mel de cana.
Ah, Pedrinho! Invejo o seu ligar e desligar do sol, o seu sopro sobre as velas das estrelas e o seu imensurável poder de apagar a lua.
As suas perguntas têm a dimensão exata de todas as respostas e suas respostas nos induzem a uma plêiade de perguntas. Quisera eu que o mundo de Pedrinho tivesse a mesma rotação de todos os universos.
P.S. Sabe Pedrinho, essa semana descobri, traumaticamente, que quando o brasileiro se recusa a pagar o flanelinha do estacionamento tem o carro riscado. No meu caso, desconfio que o guardador de carros era o Zorro.
Acharam de nascer-me no Brasil e isso por sim só já um bocado complicado. Por aqui, desde a carta de Pero Vaz de Caminha que é um descaminho só. Pra começar já cheguei ao mundo devendo ao Estado. Tão logo aqui aportei já me apresentaram a taxa de utilização pela sala de parto. Depois, já no berçário me pegaram de vez: colheram-me o nome, filiação, tipo sanguíneo, endereço e até as digitais (dos pés e das mãos). Pronto, não tinha mais jeito! Não havia mais como se esconder. Desconfiei desde então que me achariam até nos cafundós de Judas.
Como todo nordestino, nasceram-me franzino, cabeça grande, quase não vingava. Parece que o que chegou pra ficar mesmo foram as minhas obrigações. De lá para cá, entre eu a taxa da maternidade, o que prosperou mesmo foi o imposto, cresceu e multiplicou-se. E não é que o danado se afeiçoou a mim? Não me larga mais. Agora virou IPVA, ISS, IR, CPMF, enfim, o escambau.
Se vou viajar me acompanha a taxa de embarque, se fico em casa chega o IPTU. Decididamente esse não é o meu mundo e na toada que bate o bumbo não tem como o caboclo se firmar.
Conversando outro dia com um amigo advogado, descobri que até mesmo depois de morto ainda estarei devendo a raposa, ou melhor, ao leão, tanto faz, é bicho afoito do mesmo jeito.
Acordo cedo, trabalho feito um bicho, ganho pouco, gasto muito, pago imposto e para completar sou torcedor do bota-fogo. É demais.
Não tem jeito, esse realmente não é o mundo e para piorar, o meu corpo já começa a reclamar o peso dos anos e a receber visitantes de toda ordem, pois não é que, também sem prévia consultar, uma dor intermitente me chegou ao braço direito! Prontamente procurei um médico especialista em dor de braço direito. No consultório médico, uma surpresa tão dolorosa quanto o motivo que levou ali: o meu plano de saúde não cobria aquela modalidade de dor. “Se ao menos fosse no braço esquerdo...” disse o médico. Sai de lá decido a conviver pacificamente com mais esse inquilino.
O primeiro sinal de que estamos ficando velhos são as peças do corpo quem indica. Dói as dobradiças, os joelhos, as tramelas, até a alma se recente, mas ai, no campo da alma e da mente, sobra uma lasquinha de espaço para o que ainda há de mais doce: e a saudade entra pela porta. Velho é bicho que gosta de viver de recordações, principalmente daquilo que ele não viveu. Há alguns dias peguei-me com saudades dos olhos de Ana. Se bem que me lembro eram pretos, fumegantes de malícia, grandes ameixas mal colocadas e ligeiramente vesgos. Para minha felicidade ela nunca os apontou em minha direção.
È certo que nem tudo são rugas, dores e ressentimentos na vida dos velhos, principalmente daqueles que ainda pagam impostos. Exemplo disso é que outro dia, fui apresentado por um amigo ao mundo de Pedrinho. Que fantástico. Pedrinho tem apenas três anos e uma pressa de viver incomum. Do alto de sua idade tem indagações muito particulares de como vê o mundo que o cerca e tem por companhia sempre um sorriso belo, único, inconfundível.
Com dobradiças, joelhos e tramelas novas, Pedrinho tem pirulitos de chocolate pendurado no céu, um circo de estrelas cadentes e um sol incandescente ligado ao alcance de suas mãos. No seu universo tudo é permitido, sua pureza tem a leveza suave de tudo quanto é algodão doce, caramelo, jujuba e mel de cana.
Ah, Pedrinho! Invejo o seu ligar e desligar do sol, o seu sopro sobre as velas das estrelas e o seu imensurável poder de apagar a lua.
As suas perguntas têm a dimensão exata de todas as respostas e suas respostas nos induzem a uma plêiade de perguntas. Quisera eu que o mundo de Pedrinho tivesse a mesma rotação de todos os universos.
P.S. Sabe Pedrinho, essa semana descobri, traumaticamente, que quando o brasileiro se recusa a pagar o flanelinha do estacionamento tem o carro riscado. No meu caso, desconfio que o guardador de carros era o Zorro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário