sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O nome


Cidadezinha do interior é danado para ainda ter comerciante que se aventura no prático e providencial “pendura para o fim do mês”, e lá vai ele tomar nota, ou melhor, esperar a nota na velha e surrada cadernetinha de balcão. Geralmente consome-se a mercadoria primeiro para só depois arrematar: “depois a gente acerta” ou “no fim do mês a gente vê isso aí”. O ruim é quando chega o final do mês e o bodegueiro continua no “vamos ver” e não vê nada. Mas, no geral, excetuando-se aqueles velhacos, digo, aqueles “esquecidos” contumazes, a grande maioria da freguesia salda a dívida sim, seja no recebimento do “aposento” ou quando da venda de uma galinha gorda na feira.

Vi isso acontecer a vida inteira e estive dos dois lados. Meu pai foi comerciante, vi muito “pendura aí”. Mas isso já é outra história e vai ficar, quem sabe, para uma outra vez. O certo é que dívida contraída e com uns trocados no bolso, corri os olhos no catatau de vales e logo me acorreu a do Senhor Aluísio, dono de uma antiga bodega onde se vende de quase tudo, inclusive fiado.

- Seu Aluísio, meu vale?!
-Pois não, somo já já.
-Pronto! Concluiu ele: dois cocorotes e uma broá preta, dá um real e cinquenta centavos.

E de imediato entregou-me o vale feito em papel de embrulho onde se lia: “Teodilo Junho”, e mais a frente os valores nominais da mercadoria vendida.

Ao pé da letra, percebi que há algo de estranho no meu nome, não só pela escrita mais a partir de sua etimologia até a formação da palavra em si. Primeiro, porque nascido no sertão da Paraiba tinha tudo para me chamar Chico ou Zé, mas me resolveram Teófilo. Na verdade Teófilo Júnior com Félix de França pelo meio.

Teófilo é originário do latim (junção de teo = Deus e filos = amigo). Em suma, meu nome é a junção de dois significados que se unem para dizer que sou “amigo de Deus”. É muito definição e arrumação para aquela época, sobretudo porque meus avós não conheciam o vernáculo latino e eram analfabetos no português. O que me restou saber é de onde desenterraram esse nome? Do calendário! Meu pai nasceu no dia de São Teófilo e como tal foi batizado por idéia de algum pároco daquela época usuário do calendário de folhinha.

Bom, o certo é que o imbróglio acabou sobrando para mim. Filho primogênito, meu pai cismou de homenagear-se batizando-me com o seu nome, acrescentando como diferencial o “Júnior”.

Desde então descobri que não é fácil ter o nome do pai mas ser o filho. A princípio você será sempre uma justa homenagem, ao seu pai, claro! Depois tem aqueles inconvenientes de alguém ligar para sua casa procurando por Teófilo e lá vem os dois socorrerem o telefone, dentre outras confusões domésticas mais.

O certo é que desde cedo procurei me firmar como Júnior: “aquele que é mais jovem”, “iniciante” “o mais jovem de dois parentes homônimos”. Mas não é fácil. Todos me querem Teófilo e isso vem me desassossegando o juízo. Já pensou se me convencem e eu invento de chamar o meu filho de Teófilo III ? Era demais.

Mas não me rendi e continuei na luta de firmar-me como Júnior. Pelo menos até esta semana. É que visitando a velha banca de revistas da praça do centenário descobri, muito recentemente, entre as livros e jornais o mais novo lançamento editorial do momento: uma nova revista gay chamada "Júnior". Ah, como assim? Júnior? É isso mesmo! Trata-se de uma espécie de Capricho para adolescentes gays do sexo masculino. Arrematou o livreiro.

- É Teófilo, já não se fazem nomes próprios nem de revistas como antigamente.

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