A obra de Ariano Suassuna
passa por muitos territórios, que vão da música ao teatro, mas os que me
interessam mais são o romance, a poesia e a ilustração gráfica. (Sem diminuir,
claro, a importância dos demais.) Nesses três campos ele desenvolveu a vertente
fantástica de sua criação: a articulação de um universo emblemático, simbolista,
repleto de ressonâncias cósmicas, profundamente impregnado de um passado
simultaneamente histórico e mitológico, carregado de implicações éticas e
morais.
Como escritor, Ariano
pertence a uma linhagem que também inclui J. R. R. Tolkien (de O Senhor dos
Anéis), e há mais semelhanças entre eles do que parece à primeira vista. Há
paralelos na vida pessoal: a perda precoce do pai e a importância da figura
materna, e o fato de que ambos se dedicaram desde cedo à carreira de professor
universitário, praticando a literatura nas horas vagas, por assim dizer.
A semelhança, no entanto, é
mais literária do que biográfica. São escritores que têm uma profunda
identificação com a tradição e o passado, e uma certa aversão a modismos e
modernismos de superfície. Ambos católicos, criaram ciclos romanescos onde o
Catolicismo está ausente como fato e presente como espírito, através de temas de
pecado e redenção, e da luta do Bem contra o Mal. Ambos recorrem a fontes
lendárias de um passado remoto – escandinavo no caso de Tolkien, ibérico no de
Ariano. Ambos têm uma identificação instintiva com a simbologia da realeza e das
ordens cavalarianas, com os emblemas e brasões, com a genealogia das famílias
nobres, com a heráldica. E em ambos esse painel de heróis tem sua grandiosidade
e nobreza contrastadas à presença de protagonistas humanos, frágeis, mas
igualmente notáveis: os pequenos hobbits de Tolkien, e, em Ariano, a figura
picaresca, plebéia e moralmente escorregadia de Quaderna.
Do ponto de vista técnico,
ambos produziram trilogias épicas (a de Ariano ainda em progresso) recheadas de
poemas bem integrados à trama. Ambos revelam um fascínio pelo grafismo, e
produziram numerosas ilustrações para os próprios textos. Tolkien, filólogo,
criou um idioma élfico com alfabeto próprio. Ariano produziu também um alfabeto
armorial, inspirado nos desenhos dos ferros de marcar gado. Seus admiradores
recorrem constantemente a esses alfabetos nas obras relativas ao universo de
cada um.
O mundo de Tolkien é
totalmente fictício; o de Ariano, em comparação, é de um realismo
histórico-geográfico quase excessivo. O que aproxima os dois é o avistamento de
um Passado grandioso, semi-histórico, semi-lendário, que se superpõe ao Real na
obra de Tolkien, e na obra de Ariano é um pólo energizador do
Presente.
Braulio Tavares
(O mundo fantasmo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário