sexta-feira, 26 de julho de 2013

Mais velha do que boa

Na semana passada, um telejornal exibiu uma matéria sobre a "morte" das lâmpadas incandescentes. O (ótimo) texto do repórter começava assim: "A velha e boa lâmpada incandescente, mais velha do que boa...".

 
Hábil com as palavras, o repórter desfez a igualdade que a conjunção aditiva "e" estabelece entre "velha" e "boa" e instituiu entre esses dois adjetivos uma relação de comparação de superioridade, que não se dá da forma costumeira, isto é, entre dois elementos ("A rua X é mais velha do que a Y", por exemplo), mas entre duas qualidades ("velha" e "boa") de um mesmo elemento (a lâmpada incandescente).
 
Ao dizer "mais velha do que boa", o repórter quis dizer que a tal lâmpada já não é tão boa assim. Agora suponhamos que a relação entre "velha" e "boa" se invertesse. Como diria o repórter: "A velha e boa lâmpada incandescente, mais boa do que velha..." ou "A velha lâmpada incandescente, melhor do que velha..."?
 
Quem gosta de seguir os burros "corretores" ortográficos dos computadores pode se dar mal. O meu "corretor", por exemplo, condena a forma "mais boa do que velha" (o "mestre" grifa o par "mais boa"). Quando escrevo "melhor do que boa", o iluminado me deixa em paz. E por que ele age assim? Por que, para ele, não existe "mais bom", "mais boa"; só existe "melhor".

 Bem, quando se diz algo como "O Juventus é melhor do que o Corinthians" (rarará!), emprega-se "melhor" (e não "mais bom") porque se compara uma qualidade em relação a dois elementos, mas, quando a comparação se dá entre duas qualidades do mesmo elemento, a coisa muda: em vez de "melhor", o que se usa é mesmo "mais bom/a".
 
Moral da história: se o julgamento do repórter sobre as qualidades da lâmpada incandescente sofresse uma inversão, a construção adequada seria "A velha e boa lâmpada incandescente, mais boa do que velha...". Sim, "mais boa do que velha", o que também vale para o masculino, é óbvio: "Esse velho e bom livro de receitas, mais bom do que velho...".
 
O raciocínio se aplica a "mais mau/má" e "pior". Suponha que se fale da má e burra sinalização de solo de São Paulo. Algum motorista paulistano duvida de que, no todo, a sinalização de solo da cidade é burra e de má qualidade (desgastada, apagada)? O senso pode variar: uns acham que a sinalização é mais burra do que má; outros, o contrário.
 
Percebeu, caro leitor? Pode-se dizer que a sinalização de solo de São Paulo é pior (e não "mais má") e mais burra do que a de Curitiba, por exemplo, mas não se vai dizer "A má e burra sinalização de solo de São Paulo, pior do que burra...".
 
O mesmo se dá com "maior" e "menor", em relação a "mais grande" e "mais pequeno", respectivamente. Uma casa, por exemplo, pode ser grande e confortável, mas não tão confortável quanto o seu tamanho permitiria que fosse. Nesse caso, é mais do que possível dizer que "A casa de Fulano é grande e confortável, mais grande do que confortável..." (e não "maior do que confortável").
 
No caso de "menor" e "mais pequeno", convém lembrar que, em Portugal, é muito comum a forma "mais pequeno" na comparação entre dois seres ("Esta casa é mais pequena do que aquela"), seja na língua oral, seja nos escritos, literários ou não. No português do Brasil, esse uso foi comum até a primeira metade do século passado, na oralidade e na escrita. Hoje em dia, predomina o emprego de "menor" ("Esta casa é menor do que aquela").
 
Na comparação entre duas qualidades do mesmo ser, vale o que foi dito ao longo desta coluna ("Um carro pequeno e charmoso, talvez mais pequeno do que charmoso..."). É isso.
 
 
 

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