Participei de um evento em homenagem ao Moacyr Scliar na semana passada, e li
este texto:
O Moacyr declarou que sua maior influência literária foi Franz Kafka e a
influência está evidente em muitas das suas histórias, principalmente nos
contos.
Como as histórias do Kafka e como, no fundo, toda a literatura judaica
tradicional ou moderna, as histórias do Scliar têm um tom de parábola, de
ensinamento bíblico, se você conseguir imaginar uma Bíblia sem religião. São
parábolas sem uma moral no fim. Têm a forma de uma narrativa didática,
inspiradora ou aterrorizadora, mas sem uma clara lição final.
O Scliar e o Kafka têm em comum não apenas o fato de serem ambos judeus
urbanos com um pendor para o fantástico e o insólito, mas por compartilharem
desta compulsão, característica da cultura judaica, de contar histórias que
significam mais do que elas mesmas, histórias que significam outras histórias,
escondidas, e brincam com analogias e símbolos antigos desta cultura.
E, sendo os dois judeus seculares, também compartilham da dualidade inerente
à condição judaica, a obrigação atávica de respeitar o que o crítico Harold
Bloom chama de “judaísmo normativo”, cuja expressão mais óbvia é o sionismo, sem
sacrificar sua independência criativa e sua liberdade de pensamento.
Mas se o Moacyr e o Kafka são parecidos, cada um escrevendo sobre a sua
respectiva aldeia metafórica, Praga e o Bom Fim, Praga no rescaldo do império
Austro-Húngaro e o Bom Fim representando o mundo inteiro, são diferentes num
ponto importante.
O Moacyr queria que suas parábolas seculares fossem entendidas, mesmo que não
concluíssem com uma lição moral e só produzissem no leitor o prazer da
leitura.
Kafka não só não queria ser entendido como não queria nem ser lido, tanto que
à beira da morte pediu ao seu melhor amigo que destruísse toda a sua obra.
Felizmente, o amigo foi mais leal à posteridade do que ao Kafka.
A posteridade do Moacyr, a permanência da sua arte e o prazer do seu texto
nunca dependeram da decisão de ninguém. Estarão assegurados enquanto houver vida
inteligente sobre a Terra. Como, aliás, prova o evento desta noite.
Luis Fernando Veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário