Nesses tempos sombrios de violência, guerra, miséria e fome, em suma, da
chamada banalização do Mal, é sintomático que o Papa Francisco tenha conseguido
um extraordinário sucesso pregando justamente o contrário, algo como a
banalização do Bem.
A sua foi a primeira voz autorizada de alcance planetário a se levantar
contra a razão cínica em voga, propondo em seu lugar um círculo virtuoso, uma
espécie de revolução ética contra a cultura do provisório, da exclusão e do
descartável.
Quem sabe ele não estará pondo fim a um ciclo de produção do mal como energia
incontrolável? O filósofo francês Jean Baudrillard, estudioso do tema e cético
quanto à sua erradicação, achava inevitável o funcionamento das sociedades sobre
a base da “disfunção, do acidente, do catastrófico, do irracional”. Na sua
opinião, “dizer que tudo isso pode ser exorcizado, erradicado, significa
insistir numa perspectiva religiosa da salvação”.
Pois durante a semana que passou entre nós, foi nessa perspectiva que o Papa
insistiu, distribuindo esperança e atualizando antigos valores e virtudes como a
solidariedade e a tolerância, esquecidos ou “fora de moda”.
Ele pode até ser criticado pelo que calou (aborto, preservativo,
célula-tronco), mas não pelo que falou de outros temas tabus: “Se uma pessoa é
gay, quem sou eu para julgá-la?” “A mulher na Igreja é mais importante que os
bispos e os padres”.
A maior novidade de seu discurso inovador é que a reforma moral proposta por
ele deve passar pelo diálogo e o encontro, não pelo confronto. Pela compreensão,
não pela animosidade. Nunca pela intransigência e o radicalismo. Essa talvez
seja a melhor contribuição para a paz do evangelho segundo Francisco.
Ao facilitarem o trabalho dos garis ajudando a recolher o lixo depois dos
eventos, os peregrinos deram uma lição de educação para os foliões sujismundos e
mijões, que no carnaval espalham detritos nas ruas e urinam nas calçadas,
canteiros e até através das grades dos edifícios. Mais um legado de civilidade
deixado pelos alegres fiéis da JMJ.
Por falar em onda do bem: o Instituto do Cérebro Paulo Niemeyer, que está
sendo inaugurado, impressiona não só porque é um dos mais bem instalados e
equipados do mundo, mas também por ser uma obra “padrão Papa”, ou seja, é
excelente e não se destina aos privilegiados, e sim aos necessitados do SUS. E
pensar que, com o que foi gasto com muitos dos estádios que vão virar elefantes
brancos depois da Copa, algumas dezenas desses hospitais podiam ser construídos
pelo Brasil afora.
Zuenir Ventura é jornalista.
O Globo
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