A palavra ética aparece em muitos contextos de nossas vidas. Falamos sobre ética
em tom de clamor por salvação. Cheios de esperança, alguns com certa empáfia,
exigimos ou reclamamos da falta de ética, mas não sabemos exatamente o que
queremos dizer com isso. Há um desejo de ética, mas mesmo em relação a ele não
conseguimos avançar com ética. Este é nosso primeiro grande problema.
O que falta na abordagem sobre ética é justamente o que nos levaria
a sermos éticos. Falta reflexão, falta pensamento crítico, falta entender “o que
é” agir e “como” se deve agir. Com tais perguntas é que a ética inicia. Para que
ela inicie é preciso sair da mera indignação moral baseada em emoções
passageiras, que tantos acham magnífico expor, e chegar à reflexão ética.
Aqueles que expõem suas emoções se mostram como pessoas sensíveis, bondosas,
crêem-se como antecipadamente éticos porque emotivos. Porém, não basta. As
emoções em relação à política, à miséria ou à violência, passam e tudo continua
como antes. A passagem das emoções indignadas para a elaboração de uma
sensibilidade elaborada que possa sustentar a ação boa e justa - o foco de
qualquer ética desde sempre - é o que está em jogo.
Falta, para isso, entendimento. Ou seja, compreensão de um sentido
comum na nossa reivindicação pela ética. Falta para se chegar a isso, que haja
diálogo, ou seja, capacidade de expor e de ouvir o que a ética pode ser.
Clamamos pela ética, mas não sabemos conversar. E para que haja ética é preciso
diálogo. E por isso, permanecemos num círculo vicioso em que só a inação e a
ignorância triunfam.
Na inanição intelectual em voga, esperamos que os cultos, os
intelectuais, os professores, os jornalistas, todos os que constroem a opinião
pública, tragam respostas. Nem estes podem ajudar muito, pois desconhecem ou
evitam a profundidade da questão. Há, neste contexto, quem pense que ser
corrupto não exclui a ética. E isso não é opinião de ignorantes que não
freqüentaram escola alguma, mas de muitos ditos “cultos” e “inteligentes”. Quem
hoje se preocupa em entender do que se trata? Quem se preocupa em não cair na
contradição entre teoria e prática? Em discutir ética para além dos códigos de
ética das profissões pensando-a como princípio que deve reger nossas relações?
Exatamente pela falta de compreensão do seu fundamento, do que
significa a ética como elemento estrutural para cada um como pessoa e para a
sociedade como um todo, é que perdemos de vista a possibilidade de uma
realização da ética. A ética não entra em nossas vidas porque nem bem sabemos o
que deveria entrar. Nem sabemos como. Mas quando perguntamos pela ética, em
geral, é pelo “como fazemos para sermos éticos”, que tudo começa. Aí começa
também o erro em relação à ética. Pois ético é o que ultrapassa o mero uso que
podemos fazer da própria ética quando se trata de sobreviver. Ética é o que diz
respeito ao modo de nos comportamos e decidirmos nosso convívio e o modo como
partilhamos valores e a própria liberdade. Ela é o sentido da convivência, mais
do que o já tão importante respeito do limite próprio e alheio. Portanto, desde
que ela diz respeito à relação entre um “eu” e um “tu”, ela envolve pensar o
outro, o seu lugar, sua vida, sua potencialidade, seus direitos, como eu o vejo
e como posso defendê-lo.
A Ética permanece, porém, sendo uma palavra vã, que usamos a esmo,
sem pensar no conteúdo que ela carrega. Ninguém é ético só porque quer parecer
ético. Ninguém é ético porque discorda do que se faz contra a ética. Só é ético
aquele que enfrenta o limite da própria ação, da racionalidade que a sustenta e
luta pela construção de uma sensibilidade que possa dar sentido à felicidade.
Mas esta é mais do que satisfação na vida privada. A felicidade de que se trata
é a “felicidade política”, ou seja, a vida justa e boa no universo público. A
ética quando surgiu na antiguidade tinha este ideal. A felicidade na vida
privada – que hoje também se tornou debate em torno do qual cresce a ignorância
- depende disso.
Por isso, antes de mais nada, a urgência que se tornou essencial
hoje – e que por isso mesmo, por ser essencial, muitos não percebem – é tratar a
ética como uma trabalho da lucidez quanto ao que estamos fazendo com nosso
presente, mas sobretudo, com o que nele se planta e define o rumo futuro. Para
isso é preciso renovar nossa capacidade de diálogo e propor um novo projeto de
sociedade no qual o bem de todos esteja realmente em vista.
Márcia Tiburi
* Publicado no Jornal O
Estado de Minas
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