sábado, 28 de setembro de 2013

Menos saúde para o Brasil

"E a varíola desceu para a cidade dos pobres e botou gente doente, botou negro cheio de chaga em cima da cama. Então vinham os homens da Saúde Pública, metiam os doentes num saco, levavam para o lazareto distante. As mulheres ficavam chorando, porque sabiam que eles nunca mais voltariam." (Jorge Amado, Capitães da Areia)


O Governo Federal, em 08 de julho de deste ano, instituiu, por meio de medida provisória, o projeto/ programa denominado “Mais médicos para o Brasil” (Medida Provisória Nº621/2013).

O referido texto autoriza o Poder Público brasileiro, dentre outras providências, a contratar médicos estrangeiros para laborarem no Brasil sem a necessidade de revalidação dos respectivos diplomas. Além disso, compele os Conselhos Regionais de Medicina, “manu milatari”, a conceder registros provisórios aos médicos intercambistas.

O médico estrangeiro que for “importado” pelo programa não poderá exercer a medicina além dos estreitos limites do convênio celebrado e, segundo a medida provisória, ainda que inscrito no Conselho Regional de Medicina, não participará dos pleitos eleitorais da entidade. Também lhe será sonegado qualquer direito trabalhista, numa visceral afronta ao artigo 7º da Carta Constitucional brasileira.

Quatro ações foram interpostas no STF para impedir a eficácia da medida provisória e a consolidação do projeto: duas ações diretas de inconstitucionalidade e dois mandados de segurança. Até agora, todas as decisões liminares foram desfavoráveis ao pleito, invocando o STF a extrema necessidade da mão de obra alienígena para tutelar o direito à saúde.

Paralelamente, algumas entidades ingressaram na Justiça Federal a fim de evitar a concessão de registro a médico estrangeiro sem diploma revalidado. No Estado do Ceará, a Justiça Federal desobrigou o CRM a registrar médicos sem o diploma devidamente reconhecido.


A realidade dos fatos denuncia que a maior parte dos médicos que aportarão no Brasil terá nacionalidade cubana. Há interesses de médicos portugueses, espanhóis e bolivianos, mas a ilha dos “Castros” será o principal órgão exportador de profissionais da saúde.

Cuba se blosna pelos baixos índices de mortalidade infantil e, com tal ponto, proclama para o resto do mundo sua excelência na saúde pública básica. Denúncias de ONGs internacionais, todavia, demonstram o inverso. Alertam que Cuba só mantém os baixos índices de mortalidade infantil porque a ordem do governo é extrair fetos prematuramente, quando demonstrem qualquer problema de formação congênita. Por essa razão, no reverso da medalha, a “ilha” detém preocupantes índices de mortalidade materna.

Ademais, as precárias condições sanitárias do país, aliadas ao não tão eficiente sistema público de saúde, atraíram risco de epidemia de cólera, mal este já dizimado em muitos países da América Latina. Para piorar ainda mais, a faculdade de medicina de Havana, que foi uma das melhores do mundo outrora, hoje amarga 68º lugar na América Latina em qualidade de ensino.

A rotina de um médico cubano, vários destes com mestrado e doutorado, é enfrentar uma dura jornada de mais de 60 horas semanais, granjeando pelo labor espartano míseros 40 dólares a título de remuneração. É este principal fundamento da enxurrada de interessados de um específico país no sofrível programa brasileiro para socorrer a saúde pública.

A atualidade demonstra o descaso histórico do Poder Público pátrio com o segmento da saúde. A ausência de médicos no Brasil poderia ser facilmente prevista através de estatísticas, e vagas em universidades federais deveriam ter sido criadas para suprir os 54 mil postos de trabalhos necessários para a otimização do sistema.

Nesse viés, o “cargo” de médico na Administração Pública poderia ter sido provido mediante concurso público e inserido num razoável plano de cargos e salários compatível com a grandeza da profissão. Tal procedimento, obviamente, aplicar-se-ia igualmente a enfermeiros, fisioterapeutas e demais profissionais, pois, ao revés do que imagina o poder público central, a estrutura de um hospital não pode ser manejada apenas por médicos, e sim por uma variada gama de profissionais a cujo respeito o Brasil tem ignorado e negligenciado de forma criminosa.

O histórico da saúde publica no Brasil e no Estado da Paraíba tem sido um desastre: inicialmente, tentou-se espraiar as cooperativas médicas como entes terceirizadores da mão de obra médica. Com o malogro da tentativa, o Congresso Nacional, através de lei de questionável constitucionalidade, regulamentou a possibilidade de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) ingressarem no Sistema Único de Saúde, como administradoras de hospitais, no malsinado contrato de gestão pactuada.

Não podemos esquecer, nesse contexto nebuloso, a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que tem como finalidade precípua a terceirização de todos os hospitais universitários do Brasil, através de pessoa jurídica de direito privado, embora de capital público.

Agora, chegam-nos, como salvadores do SUS, os médicos estrangeiros. O “modus operandi” da vinda desses profissionais, como já é costume da política brasileira, foi agressivo ao ordenamento jurídico vigente e, ao meu ver, sem o planejamento devido. Todavia, caso o STF não declare a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 621/2013, o que não se crê, que venha para o Brasil não somente “mais médicos”, e sim “mais saúde” prestada com universalidade, gratuidade e eficiência.
 
 
Por Eduardo Varandas Araruna
Procurador do MPT

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