"E a varíola desceu para
a cidade dos pobres e botou gente doente, botou negro cheio de chaga em cima da
cama. Então vinham os homens da Saúde Pública, metiam os doentes num saco,
levavam para o lazareto distante. As mulheres ficavam chorando, porque sabiam
que eles nunca mais voltariam." (Jorge Amado, Capitães da
Areia)
O Governo Federal, em 08 de julho de deste ano, instituiu, por meio de medida provisória, o projeto/ programa denominado “Mais médicos para o Brasil” (Medida Provisória Nº621/2013).
O referido texto autoriza o Poder
Público brasileiro, dentre outras providências, a contratar médicos
estrangeiros para laborarem no Brasil sem a necessidade de revalidação dos
respectivos diplomas. Além disso, compele os Conselhos Regionais de
Medicina, “manu milatari”, a conceder registros provisórios aos médicos
intercambistas.
O médico estrangeiro que for
“importado” pelo programa não poderá exercer a medicina além dos
estreitos limites do convênio celebrado e, segundo a medida provisória, ainda
que inscrito no Conselho Regional de Medicina, não participará dos pleitos
eleitorais da entidade. Também lhe será sonegado qualquer direito
trabalhista, numa visceral afronta ao artigo 7º da Carta Constitucional
brasileira.
Quatro ações foram interpostas no STF para
impedir a eficácia da medida provisória e a consolidação do projeto: duas
ações diretas de inconstitucionalidade e dois mandados de segurança. Até agora,
todas as decisões liminares foram desfavoráveis ao pleito, invocando o STF a
extrema necessidade da mão de obra alienígena para tutelar o direito à
saúde.
Paralelamente, algumas entidades ingressaram na
Justiça Federal a fim de evitar a concessão de registro a médico estrangeiro sem
diploma revalidado. No Estado do Ceará, a Justiça Federal desobrigou o CRM a
registrar médicos sem o diploma devidamente reconhecido.
A realidade dos fatos denuncia que a maior
parte dos médicos que aportarão no Brasil terá nacionalidade cubana. Há
interesses de médicos portugueses, espanhóis e bolivianos, mas a ilha dos
“Castros” será o principal órgão exportador de profissionais da
saúde.
Cuba se blosna pelos baixos índices de
mortalidade infantil e, com tal ponto, proclama para o resto do mundo sua
excelência na saúde pública básica. Denúncias de ONGs internacionais,
todavia, demonstram o inverso. Alertam que Cuba só mantém os baixos
índices de mortalidade infantil porque a ordem do governo é extrair fetos
prematuramente, quando demonstrem qualquer problema de formação congênita. Por
essa razão, no reverso da medalha, a “ilha” detém preocupantes índices de
mortalidade materna.
Ademais, as precárias condições sanitárias
do país, aliadas ao não tão eficiente sistema público de saúde, atraíram
risco de epidemia de cólera, mal este já dizimado em muitos países da América
Latina. Para piorar ainda mais, a faculdade de medicina de Havana, que foi
uma das melhores do mundo outrora, hoje amarga 68º lugar na América Latina em
qualidade de ensino.
A rotina de um médico cubano, vários destes com
mestrado e doutorado, é enfrentar uma dura jornada de mais de 60 horas semanais,
granjeando pelo labor espartano míseros 40 dólares a título de remuneração. É
este principal fundamento da enxurrada de interessados de um específico país no
sofrível programa brasileiro para socorrer a saúde pública.
A atualidade demonstra o descaso histórico
do Poder Público pátrio com o segmento da saúde. A ausência de médicos no
Brasil poderia ser facilmente prevista através de estatísticas, e vagas em
universidades federais deveriam ter sido criadas para suprir os 54 mil postos de
trabalhos necessários para a otimização do sistema.
Nesse viés, o “cargo” de médico na
Administração Pública poderia ter sido provido mediante concurso público e
inserido num razoável plano de cargos e salários compatível com a grandeza da
profissão. Tal procedimento, obviamente, aplicar-se-ia igualmente a
enfermeiros, fisioterapeutas e demais profissionais, pois, ao revés do que
imagina o poder público central, a estrutura de um hospital não pode ser
manejada apenas por médicos, e sim por uma variada gama de profissionais a cujo
respeito o Brasil tem ignorado e negligenciado de forma criminosa.
O histórico da saúde publica no Brasil e no
Estado da Paraíba tem sido um desastre: inicialmente, tentou-se espraiar as
cooperativas médicas como entes terceirizadores da mão de obra médica. Com o
malogro da tentativa, o Congresso Nacional, através de lei de questionável
constitucionalidade, regulamentou a possibilidade de organizações sociais (OS) e
organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) ingressarem no
Sistema Único de Saúde, como administradoras de hospitais, no malsinado contrato
de gestão pactuada.
Não podemos esquecer, nesse contexto nebuloso,
a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que tem como
finalidade precípua a terceirização de todos os hospitais universitários do
Brasil, através de pessoa jurídica de direito privado, embora de capital
público.
Agora, chegam-nos, como salvadores do SUS,
os médicos estrangeiros. O “modus operandi” da vinda desses
profissionais, como já é costume da política brasileira, foi agressivo ao
ordenamento jurídico vigente e, ao meu ver, sem o planejamento devido.
Todavia, caso o STF não declare a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº
621/2013, o que não se crê, que venha para o Brasil não somente “mais
médicos”, e sim “mais saúde” prestada com universalidade, gratuidade e
eficiência.
Por Eduardo Varandas Araruna
Procurador do MPT
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