Como médico peço desculpas aos médicos cubanos por algumas grosserias nas
manifestações promovidas por alguns colegas. Voltar para senzala ou cara de
empregada é ofensa e preconceito. O fígado tomou conta do cérebro. Não sou
porta-voz ou representante de classe, mas me envergonho do ocorrido. Conheci as
dificuldades de barreiras culturais e políticas, quando fiz pós-graduação no
Canadá, mesmo estando numa situação bastante diferente dos hermanos.
Desejo aos colegas cubanos e de outros países um bom trabalho, no povo
abandonado pelo abismo social brasileiro. Respeitem nossa constituição e se
atenham a uma boa medicina. Diferente de Cuba, já temos muitos partidos
políticos. Lembro que se desejarem pedir asilo político esqueçam. O atual
governo brasileiro é pró-castrista.
O clima azedou pois um problema crônico transformou-se num factoide político.
Após dez anos o governo descobriu um Brasil sem médicos, sem esgoto e sem
educação. Padilha, candidato ao governo de São Paulo, precisava de uma agenda e
visibilidade. A saúde virou prioridade, esquecendo que esgoto e educação podem
erradicar doenças.
Os médicos brasileiros se negam a trabalhar onde existe carência de tudo. De
forma orquestrada, o governo decidiu importar médicos, que não poderão atuar em
locais diferentes para os quais forem designados. Criaram dois tipos de médicos:
os do Brasil abandonado e os do Brasil padrão Fifa. O exame Revalida é uma
exigência de qualificação mínima e prática normal em qualquer país democrático.
Por que não permitir que trabalhem nos seis hospitais de excelência privados?
Estes hospitais, cinco em São Paulo, têm isenção fiscal.
A realidade é que inexiste um sistema de saúde para todos. As ilhas de
excelência do SUS estão cercadas por um mar de abandono. Os hospitais
universitários abandonados são obrigados a se filiar a uma empresa de
terceirização. Mais de 50% dos formandos não têm vagas para residência médica,
de enfermagem e de farmacêutico clínico.
É humilhante a situação de abandono imposta aos técnicos de enfermagem. Na
maioria dos hospitais existe um êxodo enorme destes profissionais. Eles
representam mais de 30% da força de trabalho da saúde. Trabalham em média 36
horas seguidas, em três empregos e dormindo em casa no máximo três noites,
incluindo os fins de semana. Muitos desistem da profissão em poucos anos. São
verdadeiros heróis. Desafio me desmentirem.
Os brasileiros que têm planos de saúde privados — 35% — mendigam locais para
atendimento.
Estamos vivendo o apartheid da saúde.
Alfredo Guarischi é médico.
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