segunda-feira, 27 de maio de 2013

Primeira geração com HIV enfrenta os desafios do envelhecimento precoce

30 anos da descoberta. Soropositivos infectados no início da epidemia que sobreviveram numa época em que não havia terapia e o diagnóstico era uma sentença de morte se deparam com doenças comuns às pessoas mais velhas, como câncer, infarto e AVC.
 
 
Passados 30 anos da descoberta do vírus responsável por causar a aids e pelo menos 15 anos depois de o diagnóstico ter deixado de ser considerado uma sentença de morte, a primeira pergunta que muitos pacientes ainda fazem logo após saber que são soropositivos é: quanto tempo eu tenho de vida? O infectologista Alexandre Naime Barbosa tem a resposta na ponta da língua: "O mesmo tempo que qualquer outra pessoa da sua idade".
 
Fica para os soropositivos com longo tempo de convivência com o vírus, porém, uma outra constatação. Os pacientes vivem mais, sim, mas envelhecem mais rapidamente.
 
O advento da terapia antirretroviral, com vários medicamentos, conseguiu controlar a principal causa de morte durante o início da epidemia: as doenças oportunistas, que surgiam depois que o vírus, em multiplicação alucinada, aniquilava as defesas do organismo.
 
As drogas conseguiram diminuir a replicação do vírus a ponto de a carga viral, nas pessoas que tomam o remédio rigorosamente, ficar indetectável no sangue. Algumas partes do corpo, porém, funcionam como reservatório do vírus, como os sistemas nervoso central e linfático. Uma espécie de refúgio, já que neles os vírus ficam fora do alcance das drogas e continuam se replicando lentamente.
"A gente assistiu à história de 30 anos da doença vendo-a de trás para frente. A primeira visão foi catastrófica. A aids levava a uma profunda redução da imunidade, a ponto de a pessoa morrer em decorrência das doenças oportunistas. Conseguimos mudar isso, tratar as pessoas. Aí, começamos a ver a doença pelo começo", diz Ricardo Diaz, infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
 
"A infecção por HIV é inflamatória, no modelo de outras doenças crônicas. Mesmo tratando, ficam resquícios do vírus que promovem uma resposta de inflamação constante do corpo - e é ela que acelera o processo de degeneração dos órgãos e dos tecidos. Então, os desafios mudam. Agora precisamos lidar com esse envelhecimento prematuro", afirma Diaz.
 
Nos últimos anos, vários estudos em todo o mundo vêm mostrando que o corpo de uma pessoa que vive por muitos anos com o HIV acaba funcionando como o de alguém que tem, em média, 15 anos a mais.
 
As comorbidades mais comuns são as doenças cardiovasculares, como infarto e AVC (acidente vascular cerebral), que têm uma prevalência maior nessa população. Em segundo lugar, vêm os vários tipos de cânceres, como o de próstata, mama e colo de útero. Também são comuns perda de massa óssea, diabete e distúrbios neurocognitivos, como demência precoce. E deficiência renal, mas que pode estar mais relacionada ao próprio uso dos remédios.
 
"Envelhecer para todas as pessoas nada mais é do que ficar inflamado por muito tempo, o que ocorre com o chamado estresse oxidativo, com a liberação de radicais livres. No caso dos pacientes com HIV, é o vírus, entre outros processos, que faz isso bem mais cedo", explica Barbosa, que coordena um centro de tratamento de HIV na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu.
 
Cuidados extras. A solução, afirma o médico, é tentar lidar preventivamente com isso, associando outros medicamentos quando necessário. "Mulheres com o HIV devem fazer o exame de papanicolau e mamografia a cada seis meses. Recomendamos que todos sempre tomem vacinas." Com esses cuidados, diz, mesmo com uma incidência maior de outros problemas de saúde, não há impacto na expectativa de vida. "A mortalidade é praticamente igual a de quem não tem HIV. Só é preciso ter mais cuidados."
 
A situação é bem conhecida de Abelardo Pereira da Silva, de 63 anos, há 32 vivendo com o vírus. A infecção ocorreu no longíquo 1981, quando os primeiros casos eram identificados nos Estados Unidos. Ele teve uma úlcera que supurou e precisou receber várias bolsas em transfusão de sangue.
Quando o noticiário começou a mostrar que aquela era uma maneira de contrair a estranha doença, encasquetou. Queria fazer o exame a todo custo, mas não existia no Brasil. Só em 1988 fez o exame e confirmou suas suspeitas. Até iniciar o tratamento, em 1996, teve fraqueza, algumas pneumonias, mas superou os problemas no melhor estilo "sobrevivente".
 
"Aprendi a ser mais forte que o vírus, mas sei que tenho de cuidar da alimentação, do sono, da higiene, tomar o remédio às 6h e às 18h. Tomo uma cervejinha de vez em quando, mas faço hora com a latinha. Depois de velho, voltei a estudar, porque para isso nunca tem idade." Entrou no Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (Gapa), a primeira ONG a lidar com a doença, e dá palestra pelo País. "Falo sobre a adesão ao remédio. Ele não é bom, mas é melhor viver."
 
 
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