O gradual crescimento do prestígio e consequente prevalência dos
administradores visando o lucro têm contribuído para a transformação do paciente
em consumidor, aumentando as distorções da prática médica e dando origem a
conflitos entre o homem que trata e o homem que é tratado.
As regras do setor produtivo imperam: doença como objeto de lucro.
Extingue-se a relação humana baseada na dedicação e entrega. Os avanços
tecnológicos não levaram em conta que os indivíduos com sequelas permanentes ou
doenças crônicas necessitam de acompanhamento médico durante longos
períodos.
Hoje, os planos de saúde objetivam uma cura mais rápida, que frequentemente
não considera a complexa e inexorável sequência de eventos biológicos em um
indivíduo, mas sim o retorno rápido a uma atividade. Pois, tratar alguém com
problemas, um ser que no tempo muda, equivale a assinar com ele e sua família um
“contrato de vida”.
A instituição de padronizações para fornecer diretrizes sobre a forma de
avaliar riscos para melhor tomar decisões, quando usadas como receitas, tem tido
o efeito de sufocar o processo criativo de aprendizagem. Tudo o que é novo
desequilibra o que já foi aprendido.
A evolução do conhecimento, no entanto, requer um processo de rearranjo de
padrões estabelecidos através de informações novas. O médico precisa ter o
direito de dizer “Eu não sei!”, para que possa questionar seu próprio
conhecimento e sua experiência.
Paradoxalmente, quanto mais experiência e conhecimento ele tiver, mais apto
estará ele a dizer: “Eu não sei.” Frequentemente, a explicitação de
desconhecimento pelo mais experiente é interpretada pela sociedade como sinal de
sabedoria – o que é negado ao mais jovem.
A lógica do “setor produtivo” é aplicada aos serviços médicos e o fato de
estarmos tratando de seres humanos – e não trabalhando em fabricas – não é
contestado.
Os médicos são intelectual e moralmente obrigados a agir como defensores dos
doentes quando seu bem-estar é ameaçado, e sempre em benefício de sua saúde.
Hoje, este pacto de confiança está sendo expressivamente ameaçado.
Qualquer um pode decidir o que comprar baseado no que possui. Pode hoje,
entretanto, ter acesso a um tratamento de “preço” elevado? Estaremos então
condenados, quando doentes, a ser transformados em “consumidores” de saúde?
Aloysio Campos da Paz Junior é Cirurgião-Chefe da Rede
Sarah de Hospitais de Reabilitação.
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