Uma das notícias mais lidas e comentadas nestes últimos dez dias no mundo foi
a mastectomia de Angelina Jolie — por sua coragem de extirpar preventivamente os
seios e, também, de tornar pública a decisão num artigo no “New York Times”.
A escolha foi uma tentativa de evitar que o gene “defeituoso” que carrega lhe
reserve o destino de sua mãe, de quem herdou a mesma mutação de DNA e que morreu
aos 56 anos.
A transparência do gesto teve como objetivo “ajudar outras mulheres” e, ao
mesmo tempo, servir para remover o estigma que envolve “uma palavra que enche de
medo o coração das pessoas”.
Sim, porque ainda existe muito daquele preconceito do meu tempo, quando
sequer se pronunciava o nome; dizia-se “aquela doença”, que além de tudo
diminuía a autoestima da mulher, porque supostamente retirava dela a
feminilidade e o prazer.
Eu já gostava da Angelina como atriz, admirava a mãe de três filhos
biológicos e três adotados de sua família multicultural; curtia como fetiche
aqueles lábios carnudos e sensuais; e sobretudo invejava a ativista humanitária
capaz de viajar para zonas de perigo como representante da ONU, expondo-se a
riscos de sequestro, acidentes e vírus.
Calcula-se que nos últimos dez anos ela tenha visitado cerca de 50 países,
entre os quais Bósnia, Ruanda, Serra Leoa, Tanzânia, Camboja, Paquistão e
Tailândia, para levar a campos de refugiados ajuda a sobreviventes de guerra,
conforto a mulheres estupradas e carinho a crianças amputadas.
Agora, tenho mais uma razão para entronizá-la no meu altar de admirações,
onde encontrará Patrícia Pillar, que, não se pode esquecer, em 2001, aos 37
anos, um a menos que Angelina, rompeu a barreira do silêncio e se tornou também
um exemplo. Quando a quimioterapia reduziu a zero seus lindos cabelos louros
ondulados, em vez de esconder ou disfarçar, ela exibiu a cabeça careca,
afrontando seu próprio padrão de beleza.
Hoje, só no showbiz, existe uma galeria de mulheres que assumiram de maneira
explícita o câncer: Glória Perez, Ana Maria Braga, Elba Ramalho, Joana Fomm,
Drica Moraes, Betty Lago, entre outras. A medicina não garante que Angelina vá
conseguir evitar o pior. Mas é certo que o preconceito e o estigma ela já
venceu.
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O processo de banalização da violência nos meios de comunicação ganhou
contribuição da publicidade. Trata-se do comercial de uma bebida energética
mostrando cenas das lutas em que vale tudo, principalmente pontapés e joelhadas
no rosto. Como trilha sonora, uma versão de “Love hurts” (“O amor fere, o amor
deixa cicatrizes”) e como legenda, ou lettering, uma homenagem ao Marquês de
Sade: “Pode bater que a gente gosta.” Poesia pura.
Zuenir Ventura é jornalista.
O Globo
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