O Realismo Socialista era
uma literatura que se propunha a reproduzir “personagens típicos em situações
típicas”. Para evitar o individualismo burguês (a ficção centrada em heróis
individuais) e a alienação das vanguardas (cujas obras falavam de um mundo que
só o autor entendia) o Realismo Socialista pretendia ser um retrato cru e
sincero da sociedade. Queria mostrar “a vida como ela é”. Ora, a vida é mais
complexa do que qualquer fórmula. O Realismo Socialista produzia tipos e lhes
dava nomes; os tipos nunca pareciam com gente de verdade, e sim com caricaturas
ideológicas.
Lembro sempre disto quando
vejo essas novelas de TV onde os autores, geralmente sujeitos que ganham 100 mil
reais por mês e moram num condomínio da Barra da Tijuca, tentam reproduzir o
modo de ser, de vestir, de falar e de agir dos pobres, ou, mais precisamente, da
classe C+, C-, D+ e demais tabulações alfabéticas baseadas no número de
eletrodomésticos existente em cada lar.
A obrigação de mostrar como
se comportam os pobres produz uma novela em que o pobre tem que ser um Símbolo
de Pobre em cada diálogo, em cada gesto, em cada peça de roupa. Tudo tem que
convergir para essa idéia. Se Fulano pertence ao “núcleo pobre” da novela, tem
que usar somente palavras e expressões de pobre, ter idéias de pobre, emoções de
pobre. Cada personagem vira um cabide de atributos. Não se comporta como uma
pessoa, e sim como um aglomerado de clichês que de tão redundantes acabam sendo
contraditórios, como se aquela pessoa tivesse a idéia fixa de ser pobre 24 horas
por dia.
Não há dois pobres iguais.
Os ricos tendem a ser parecidos, porque têm medo de ser considerados pobres,
então se imitam uns aos outros o tempo todo. (Sim, sei que não é assim; estou
dizendo isso apenas para incomodar certas figuras.) Pobre de Novela tem que ser
típico, viver em situações sempre típicas, beber cachaça, pender cigarro na
boca, mostrar a sandália vagabunda à câmara, e olhar ansioso para a platéia: “E
aí, chefia? Sacou quem sou eu?” Qualquer casinha de subúrbio onde aquela novela
é assistida tem mais complexidade sociológica do que todas as novelas juntas. Um
pobre (ou um rico) não é um conceito, é o produto sempre em-processo de mil
fatores aleatórios. Tatuá-los assim com um adjetivo é uma maneira negligente de
ignorar o que têm de único e trabalhoso. A novela formata todos numa
formulazinha que pode ser repassada à equipe. A intenção é não correr o risco de
que a novela se torne algo como a vida: imprevisível, com dinâmica própria,
podendo a todo instante fazer algo que não estava nos planos de quem a
administra.
Braulio Tavares
(Do mundo fantasmo)
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