segunda-feira, 13 de maio de 2013

Escravos na justiça

Entre as várias preciosidades do Arquivo Nacional do Rio estão as Ações de Liberdade. Fui passar uma tarde, na última terça-feira, com esses processos que escravos moveram contra seus proprietários.
 
Na comunidade do Desterro, hoje Florianópolis, em 1813, uma mulher de nome Liberata iniciou uma ação contra José Rebello, seu dono, que a violentava sistematicamente desde os 10 anos.
 
Depois de muitos anos, idas e vindas, brigas e ameaças, ela conseguiu a liberdade. Em 1835 seus filhos José e Joaquina entraram também na Justiça, alegando que tinham nascido depois que Liberata foi libertada, portanto, eram livres, e que tinham sido escravizados ilegalmente. Eles também venceram.

No Arquivo, eu manuseei com luvas e respeito alguns desses documentos. Hoje estão todos digitalizados, e os pesquisadores estudam nos arquivos digitais. Mas foram mostrados na reportagem que fiz para o programa da Globonews.
 
Quando a historiadora Keila Grinberg, ainda uma estudante de graduação da Universidade Federal Fluminense, nos final dos anos 1990, os estudou, eles estavam em caixas.
 
Ela encontrou 400 destas ações que ocorreram no Brasil todo e que vieram para o Rio para a Corte de Apelação. Essa história sempre me fascinou desde que li o livro de Keila, em 2001.
 
Hoje ela é doutora em História Social pela UFF e tem pós-doutorado em Michigan. Nos Estados Unidos, descobriu que essas ações de liberdade não foram exclusividade do Direito brasileiro, ocorreram lá e na América espanhola, mas em muito menor número do que no Brasil.
 
A coragem de cada um desses que entraram na Justiça é impressionante, e a lição que eles deixaram é de que mesmo no mais injusto do sistema, eles, desprovidos de todos os direitos, decidiram buscar a Justiça:
 
— A principal lição que a história da Liberata demonstra é que os escravos não aceitavam passivamente a escravidão. Isso tem que estar em todas as escolas: a escravidão nunca foi aceita. Os descendentes dos escravos precisam saber dessa história, que é de sofrimento, mas de conquista. Outra lição é que existe uma dimensão da Justiça brasileira pouco conhecida. Numa sociedade escravocrata e violenta, na Justiça, esse indivíduo conseguiu ser ouvido.
 
 
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Míriam Leitão, O Globo

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