Já ninguém tem regras nem horas para estar à mesa, dizem os mais velhos.
Pelo menos no que respeita à terminologia estarão cheios de razão.
Começava-se o dia com a parva (a
pequena refeição) ou desjejum, o mata-bicho, hoje o pequeno-almoço.
O almoço vinha um pouco mais tarde, mas ainda à
pressa, ao calhar da conveniência dos horários de cada um. A palavra não é
árabe, como pode julgar-se pelo al inicial. É romana: ad-morsus, ou
seja, à dentada, rapidamente para ir à vida.
A merenda fazia-se no pino do calor
como um intervalo indispensável, ao meio-dia (meridie) e só no regresso a casa a
família acabava por se juntar na ceia (do grego Koene: conjunto). Os
simpósios que hoje reúnem professores, cientistas, etc. não passavam de
uma patuscada, de pretexto para mais uns copos, pois simpósio significa beber em
conjunto.
Na Idade Média, a mesa era posta pela
simples razão de que não havia casa de jantar e comia-se ao gosto do momento,
aqui ou ali.
A mesa (ou mensa como se diz nalguns sítios do
Alentejo mantendo exactamente o termo latino) era armada (posta) sobre pernas em
xis, como ainda se faz com os tabuleiros dos vendedores ambulantes.
Antes de se levantar a mesa, tirava-se
a toalha, já bem suja porque os comensais ali tinham limpo as mãos (embora fosse
regra não meter na comida mais do que as pontas dos dedos, que também podiam
limpar-se ao pêlo dos cães que solicitavam um osso sobrante). O que vinha
depois, as frutas e os doces era comido directamente sobre a mesa. Daí a
sobremesa. Comia-se com colher ou à mão de um recipiente comum e daí
cada um meter a sua colherada.
O garfo só vai aparecer no século XVI. Objeto
insólito, cuja primeira utilidade, então com um só dente, fora a de escrever as
missivas romanas sobre tabuinhas de cera. Era o graphium com que se
grafava, ou se escrevia.
Garfo, que, no passado, se apelidara
stylum, o instrumento com que se gravavam os caracteres cuneiformes nas
Babilónias e Caldeias. Cada qual com o seu estilo, e os cirurgiões com o seu
estilete para fazerem talhos nos males que nos afligem, e daí
talhante o que corta a carne que comemos, cada dia mais doloroso… E
comemos, claro, com os nossos talheres.
[Roby Amorim,
Elucidário de Conhecimentos (quase)
inúteis; 2.ª ed. revista e ampliada. Edições Salamandra, Julho
1985]
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