(detalhe - O Jardim das Delícias, de Hieronymus Bosch)
Uma
das questões mais delicadas da Teoria Estética é a aparente contradição
entre o ideal de Beleza (que se propala ser o objetivo maior da Arte), e
o fato de que admiramos obras que retratam algo repugnante, horrível ou
aterrorizador. Quadros como as máscaras e os esqueletos de James
Ensor, as bruxas de Goya, os corpos semi-destruídos de Francis Bacon.
Nem
quero chegar perto da arte contemporânea e suas incursões pelas
mutilações corporais; basta me deter na boa e velha pintura a óleo,
feudo confortável do academicismo, do culto à estética grega e ao
equilíbrio romano. Por que motivo aqueles artistas cultivavam o Feio,
e, mais ainda, por que ele nos parece Belo?
Dizem
os teóricos da Arte que uma das categorias mais extremadas do Belo é o
Sublime. “Sublime” é um dos adjetivos mais diluídos e malbaratados da
nossa língua. As letras de músicas falam em “teu sorriso sublime”, “o
momento sublime em que nos beijamos”, “a beleza sublime de uma criança”,
etc.
Segundo
os filósofos, o Sublime não é o Mimoso. Nada tem a ver com essas
delicadezas. Ele é vizinho do Medonho, do Grandioso e do Terrível.
Schopenhauer criou uma gradação de experiências do Sublime que, nos seus
graus mais elevados tem o Sublime propriamente dito, cujo exemplo é a
Natureza turbulenta (algo que pode ferir ou destruir o observador, como
uma tempestade), o sentimento pleno do Sublime (a contemplação de algo
tremendamente destruidor, como a erupção de um vulcão próximo) e a
experiência mais completa do Sublime (quando o observador experimenta
sua total insignificância e anulação diante da Natureza).
Além
disso, engana-se quem pensa que procuramos a Arte apenas para a
contemplação estética, a edificação do espírito ou o entretenimento sem
compromisso. Procuramos a Arte também, em todas as suas formas, em
busca de experiência-limite, em busca do contato com coisas que tememos
ou que não conseguimos compreender.
Existem
obras que funcionam porque nos permitem vislumbrar zonas crepusculares
do nosso inconsciente, obras que nos provocam medo ou repulsa, mas que
nos obrigam a imaginar por quê. Podemos encontrar isso nas formas mais
diluídas da arte, como nos filmes de Zé do Caixão ou nos romances de
Stephen King; e podemos encontrá-lo nas tragédias de Ésquilo ou de
Shakespeare, na pintura de Dali ou de Hieronymus Bosch, no cinema de
Buñuel, David Lynch ou Fritz Lang.
A
psicanálise chamou a mente humana de “máquina desejante”, um mecanismo
impulsionado pelo desejo. A impressão que tenho é que há dois tipos de
desejo, o Desejo Positivo e o Desejo Negativo. Ou, se quiserem, a
Atração e a Repulsa. Ambos nascem na mesma região íntima, são forças
simétricas, mas uma é de atração e a outra de repulsão. Freud falava
na energia da vida e da morte, Eros e Tânatos. O lugar de onde emanam é
um só, e uma das suas chaves é a arte, capaz de despertar em nós não
apenas a sensação do Belo, mas a sensação do Terrível.
Bráulio Tavares
Mundo fantasmo
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