sábado, 19 de outubro de 2019

Um táxi para Viena d’Áustria

Desceu na praça General Osório, pensando: Ipanema é mais azul do que Copacabana.
Os seus prédios são mais baixos. Aqui ainda dá para se ver o céu. Só restava saber se isso o faria mais longe ou mais perto de Deus. E, se Deus existisse mesmo, iria mandar prendê-lo, por vadiagem? Andar sem pressa enquanto todos correm — eis um pecado mortal.
E ele ainda ia ter que andar um bocado até o endereço do seu amigo. O que significava: que ainda dispunha de tempo — para pensar. Por que pensava tanto? Porque os japoneses...
Andando e pensando: o caminho se faz ao andar. E lembrando do tempo em que aquela praça era muito mais agradável, sem os tapumes das obras do metrô entravando os transeuntes e enfeando o pedaço. Pensando nas tramóias por trás dos tabiques, e no golpe publicitário das obras, que só serviram para molhar as mãos dos construtores que deram grana para a campanha eleitoral do governador e agora estão aí, paradas, enfeando a praça. Pensando: e ninguém chia. Ipanema, o metro quadrado de terreno mais caro do que o de um castelo na Inglaterra, só protesta contra os camelôs que favelizam suas ruas e contra a presença de negros em sua praia. Para o resto parece nem estar aí.
— Por favor...
Assustou-se com a voz repentina que o interrompia, fazendo-o deter o passo. E o pensamento.
— A senhora falou comigo?
— Sim, meu filho.
Sentiu a pele dos braços estremecer. “Meu filho.” Há quantos anos ninguém lhe chamava assim?
— Pois não?
— Como é que eu faço para ir à Confeitaria Colombo?
— Fica em Copacabana.
— Eu sei.
— A senhora vai ter que pegar um ônibus. Venha comigo que lhe deixo no ponto, ali na Visconde de Pirajá.
— Mas eu queria ir a pé.
— É um bocado longe.
— Não faz mal. Quero andar um pouco. Ver as ruas. Passo o tempo todo ali, olhe (apontou para um prédio), trancada. Minha filha não me deixa sair. Diz que não estou mais em idade de andar pelas ruas, que são perigosas, é o que ela acha. Mas dei uma fugidinha. Não vou passar o resto da minha vida presa num apartamento.
— A senhora quer ir pela praia ou por dentro?
— Por onde tiver mais gente. Quero ver gente. Movimento.
— Então venha comigo. Depois eu digo como a senhora deve seguir.
— Obrigada, meu filho.
— De quê?
— É tão raro encontrar alguém que tenha boa vontade para dar uma informação!
— A senhora acha isso?
— Acho, não. Tenho certeza. Sabe quantos anos eu tenho?
— Uns setenta, talvez.
Ela riu.
— Pois já tenho oitenta anos.
— Não parece. A senhora está ótima.
— Obrigada.
A boa senhora seguiu com ele, falando pelos cotovelos. Devia ter passado muito tempo mesmo enclausurada. Por que a filha a mantinha presa? Será que a velhinha era louca? Se era, não tinha cara disso. Parecia uma pessoa perfeitamente normal. Falava com naturalidade. E estava longe de ser uma chata. Muito pelo contrário. Era uma excelente companhia.
E, decididamente, ela não tinha o menor receio ou vergonha de conversar com um desconhecido, mas sempre com uma desinibição natural, calma, nada afetada:
— Não sou daqui, da Zona Sul. Passei toda a minha vida na Zona Norte. Mesmo depois que meu marido com ela. Relutei muito, sempre pensando que boa romaria faz quem em sua casa está em paz. Um dia acabei cedendo. Ela é uma boa filha, sabe? Só que vive tão apavorada, coitada. Morre de medo de tudo. Do trânsito, de assalto, da violência. É por isso que ela nunca me deixa sair sozinha. Hoje vai ter um chilique, quando souber que dei uma fugida. Bobagem ela se preocupar tanto. A gente só morre quando chega a hora. E já estou na idade de me divertir, você não acha?

Antônio Torres

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