Desceu
na praça General Osório, pensando: Ipanema é mais azul do que
Copacabana.
Os
seus prédios são mais baixos. Aqui ainda dá para se ver o céu. Só
restava saber se isso o faria mais longe ou mais perto de Deus. E,
se Deus existisse mesmo, iria mandar prendê-lo, por vadiagem? Andar
sem pressa enquanto todos correm — eis um pecado mortal.
E ele
ainda ia ter que andar um bocado até o endereço do seu amigo. O que
significava: que ainda dispunha de tempo — para pensar. Por que
pensava tanto? Porque os japoneses...
Andando e pensando: o caminho se faz ao andar. E lembrando do tempo
em que aquela praça era muito mais agradável, sem os tapumes das
obras do metrô entravando os transeuntes e enfeando o pedaço.
Pensando nas tramóias por trás dos tabiques, e no golpe publicitário
das obras, que só serviram para molhar as mãos dos construtores que
deram grana para a campanha eleitoral do governador e agora estão
aí, paradas, enfeando a praça. Pensando: e ninguém chia. Ipanema, o
metro quadrado de terreno mais caro do que o de um castelo na
Inglaterra, só protesta contra os camelôs que favelizam suas ruas e
contra a presença de negros em sua praia. Para o resto parece nem
estar aí.
— Por
favor...
Assustou-se com a voz repentina que o interrompia, fazendo-o deter o
passo. E o pensamento.
— A
senhora falou comigo?
— Sim,
meu filho.
Sentiu
a pele dos braços estremecer. “Meu filho.” Há quantos anos ninguém
lhe chamava assim?
— Pois
não?
— Como
é que eu faço para ir à Confeitaria Colombo?
— Fica
em Copacabana.
— Eu
sei.
— A
senhora vai ter que pegar um ônibus. Venha comigo que lhe deixo no
ponto, ali na Visconde de Pirajá.
— Mas
eu queria ir a pé.
— É um
bocado longe.
— Não
faz mal. Quero andar um pouco. Ver as ruas. Passo o tempo todo ali,
olhe (apontou para um prédio), trancada. Minha filha não me deixa
sair. Diz que não estou mais em idade de andar pelas ruas, que são
perigosas, é o que ela acha. Mas dei uma fugidinha. Não vou passar o
resto da minha vida presa num apartamento.
— A
senhora quer ir pela praia ou por dentro?
— Por
onde tiver mais gente. Quero ver gente. Movimento.
—
Então venha comigo. Depois eu digo como a senhora deve seguir.
—
Obrigada, meu filho.
— De
quê?
— É
tão raro encontrar alguém que tenha boa vontade para dar uma
informação!
— A
senhora acha isso?
—
Acho, não. Tenho certeza. Sabe quantos anos eu tenho?
— Uns
setenta, talvez.
Ela
riu.
— Pois
já tenho oitenta anos.
— Não
parece. A senhora está ótima.
—
Obrigada.
A boa
senhora seguiu com ele, falando pelos cotovelos. Devia ter passado
muito tempo mesmo enclausurada. Por que a filha a mantinha presa?
Será que a velhinha era louca? Se era, não tinha cara disso. Parecia
uma pessoa perfeitamente normal. Falava com naturalidade. E estava
longe de ser uma chata. Muito pelo contrário. Era uma excelente
companhia.
E,
decididamente, ela não tinha o menor receio ou vergonha de conversar
com um desconhecido, mas sempre com uma desinibição natural, calma,
nada afetada:
— Não
sou daqui, da Zona Sul. Passei toda a minha vida na Zona Norte.
Mesmo depois que meu marido com ela. Relutei muito, sempre pensando
que boa romaria faz quem em sua casa está em paz. Um dia acabei
cedendo. Ela é uma boa filha, sabe? Só que vive tão apavorada,
coitada. Morre de medo de tudo. Do trânsito, de assalto, da
violência. É por isso que ela nunca me deixa sair sozinha. Hoje vai
ter um chilique, quando souber que dei uma fugida. Bobagem ela se
preocupar tanto. A gente só morre quando chega a hora. E já estou na
idade de me divertir, você não acha?
Antônio Torres
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