Neste 13 de outubro assinalamos os 86
anos da data em que o corpo de Francisca foi encontrado na fazenda
Trapiá, fato que causou comoção em Patos e originou o nosso principal
ponto de romaria – A Cruz da Menina.
Na década de vinte, no século XX,
chegava a Patos um casal campinense: Absalão Emerenciano e sua esposa
Domila Emerenciano de Araújo, trazendo consigo uma criança, filha de
retirantes e conhecida apenas por Francisca. A menina lhes fora dada, em
uma das maiores secas da história, como única forma encontrada por seus
pais para livrá-la da fome que assolava as famílias nômades, as quais
viviam em um verdadeiro estado de miséria.
Absalão teria na Capital do Sertão da
Paraíba uma importante missão a cumprir: executar o funcionamento do
motor que fornecia energia para toda a cidade. Sua esposa, por sinal uma
mulher de beleza invejável, trazia consigo um gênio forte e desumano.
Pacato como sempre foi, ele aceitava os caprichos reprováveis da
companheira, como quem pratica um grande sacrifício para manter um
comportamento exemplar em meio à sociedade. A maior vítima da mulher
malvada passou a ser justamente a pequenina que era verdadeiramente uma
criada, responsável pela execução das tarefas de casa. Vivia em uma
espécie de prisão e passava por constantes sessões de tortura, valendo
citar ainda que além da pancadaria, promovida constantemente contra a
indefesa, Domila chegava até mesmo a sentar sobre o seu corpo para
entoar músicas, acompanhada de seu violão. Se por acaso não concordava, o
homem do motor da luz aceitava as referidas práticas e, aos poucos, a
tragédia passava a ser apenas uma questão de tempo.
Em 10 de outubro, de 1923, por volta das
18:00 horas, cumprindo uma trajetória diária, Domila saiu de casa e
seguiu ao encontro do esposo, com quem palestrou até às 22:00 horas,
momento em que o equipamento fora desligado e os dois regressaram para
dormir. Ao deixar a residência tinha sempre uma frase repetida
endereçada à criança, no sentido de que após lavar a louça e organizar
outros espaços da casa, fosse dormir.
Atraída pela algazarra das meninas de
sua idade residentes na então rua da Pedra, a pobre inocente, após
cumprir a tarefa, abre a janela e fica a contemplar as brincadeiras. O
sono bate e, displicentemente, dirige-se para a rede, esquecendo-se de
fechá-la, o que seria um álibi de Domila, para espancá-la de forma
brutal, utilizando-se da trave de madeira usada como taramela,
culminando com o massacre.
Com o crime concretizado o casal passou a
viver um momento terrível, que, por incrível que pareça, criava-lhe
maior preocupação não por conta do assassinato, mas por temer a reação
pública. Naquele momento, em plena madrugada, já era traçado o plano de
desova e, conseqüentemente, a distorção da verdade. Absalão buscava um
meio de livrar-se do corpo da menina, contratando uma viagem no caminhão
de Zé Vicente, cujo motorista era conhecido como Hindú e morava na
mesma artéria. Francisca era levada em um saco de estopa e jogada no
sítio Trapiá, em um ponto ermo, sem que o condutor do carro fosse
informado ao certo que tipo de missão estaria sendo desenvolvida, já que
anteriormente soubera apenas que o casal seguia com destino à
residência de amigos para entregar uma encomenda, e, lá chegando, lhe
orientara a aguardar o retorno em uma estrada vicinal. No dia seguinte,
enquanto Domila espalhava que Francisca havia desaparecido, Absalão
encenava uma procura frustrada.
Em 13 de outubro, ou seja, dois dias
após o fato, o corpo franzino era localizado pelo rurícola Inácio
Lazário, que atraído por urubus e pensando que alguma criação teria
perdido a vida, se deparou com os restos mortais da menina Francisca.
Tratou de registrar o fato junto ao delegado Antônio Fragoso, que
substituía o titular Vicente Jansen, o qual determinou a transferência
do cadáver até a delegacia onde foi feito o reconhecimento por membros
da comunidade e logo após o enterro. A essas alturas, os boatos na
cidade já não deixavam nenhuma dúvida, em meio à população, quanto a
autoria do assassinato de Francisca, que teve entre outros ferimentos o
crânio fraturado e um dos braços quebrados. Protegido por grandes nomes
da política o casal não chegou a ser preso, mas não suportando a revolta
popular teve que ser transferido para a cidade de Campina Grande.
No local onde encontrou o corpo da
criança, o agricultor Inácio Lazário, fincou uma cruz de madeira simples
que passou a servir de orientação. As pessoas que por ali passavam,
mantendo uma tradição religiosa, rezavam algumas orações em sufrágio da
alma da inocente.
Um certo dia, munido pela fé cristã, o
agricultor José Justino do Nascimento, trafegando na área e meditando
sobre a grande seca que abalava a região, provocando a morte de animais e
sofrimentos nos humanos, resolveu rezar um pouco e endereçar um pedido a
Deus por intermédio da pequena mártir. Bem próximo do local resolveu
cavar uma cacimba e encontrou água suficiente para salvar seu rebanho.
Como pagamento da promessa construiu uma capela, a qual foi inaugurada
em 25 de abril de 1929. Vale salientar que o líquido precioso da mesma
fonte foi suficiente para tocar a referida obra.
Com o surgimento da Capela começava
também a romaria, que mais tarde seria o ponto de maior convergência de
peregrinos e fiéis do Estado da Paraíba. Entre os possíveis milagres
atribuídos à “Menina Francisca” o mais surpreendente foi narrado por um
americano que veio a Patos trazendo uma réplica dos seus pés, na época
em que sofria de uma grave doença. Dona Odília, moradora do Sítio
Trapiá, que zelou a capela por mais de 50 anos, sempre contava o fato
com muita emoção. Segundo ela, “Este cidadão dos Estados Unidos, havia
sonhado com a menina, informando que a sua cura estaria nesse ponto de
romaria, localizado em Patos e para tanto bastaria que através da fé
prometesse que levaria o ex-voto até o local. Pacto firmado, graça
alcançada e promessa paga”.
Somente onze anos depois do crime, o
primeiro julgamento do casal veio a se concretizar, graças à
determinação do Juiz Luiz Beltrão, que desengavetou o processo e mandou
que os dois fossem presos em Campina Grande. No primeiro Júri que não
condenou o casal, ocorrido em 15 de junho de 1934, funcionou na defesa o
Advogado José Tavares, na acusação o promotor Alfredo Lustosa Cabral e
foram jurados: Francisco Olídio Wanderley, Antônio Chaves, Sabino José
Viana, Virgílio Barbosa e Oscar Medeiros Torres. Em 24 de outubro o
casal voltou ao banco dos réus, na sessão presidida pelo Juiz Manoel
Maia de Vasconcelos. O promotor foi Antônio Dantas de Almeida e na
defesa funcionaram os advogados José Tavares e Plínio Lemos. Os jurados
foram: Laurênio Lauro de Medeiros Queiroz, José Caetano dos Santos,
Anésio Ferreira Leão, João Olintho de Mello e Silva e Alcebíades Alves
Parente, os quais decidiram pela absolvição, também por unanimidade. O
último júri aconteceu em 05 de junho de 1935, presidido pelo Juiz Edgar
Homem Siqueira, tendo na promotoria Antônio Dantas de Almeida e na
defesa os advogados Plínio Lemos e Francisco Wilson da Nóbrega. Os
jurados foram: Bossuet Wanderley da Nóbrega, Pedro da Veiga Torres,
Raimundo Pires Braga, João Norberto da Nóbrega e José Permínio
Wanderley, prevalecendo a mesma decisão anterior. Mesmo sendo inocentado
pela justiça, o casal jamais foi perdoado pela população.
Décadas depois de inaugurada a capela, a
estrutura já não chegava a comportar os ex-votos, provindos de todos os
pontos do Brasil, como testemunhos dos mais diversos milagres ou graças
alcançadas. Começava então uma batalha pela concretização de um projeto
amplo, capaz de abrigar não apenas a religiosidade, como também o
aspecto turístico, criando divisas econômicas para a Capital do Sertão. O
então deputado Federal Edivaldo Motta comprou a briga com o Governo do
Estado para a edificação do parque, o que só veio a ser concretizado com
o ingresso de Ronaldo da Cunha Lima, no Palácio da Redenção. Em 24 de
outubro de 1993 a obra foi entregue à cidade, com duas ausências por
demais lamentadas: Dona Odília, que dedicou sua vida a antiga construção
e o parlamentar que mais trabalhou pela sua consolidação. Os dois já
haviam falecido.
O então prefeito Antônio Ivânio Ramalho
de Lacerda, responsável pelas despesas de elaboração do projeto e
desapropriação do terreno que serviria de estacionamento, propôs que a
administração do parque ficasse a cargo da Diocese, o que não foi aceito
pela Igreja, sob a alegação de que a menina não era beatificada. Neste
momento registrou-se duas contradições: o comportamento de religiosos da
mesma organização, em outros pontos idênticos, usando como exemplo o
Padre Cícero Romão Batista do Juazeiro-CE, que como Francisca e os
demais candidatos a santo do Brasil não haviam conseguido tal estágio,
junto ao Vaticano e a atração de membros católicos da própria cidade de
Patos, a partir da construção da Igreja de Santa Cruz, ao lado do
Parque, como fruto da iniciativa do padre Jair Jacob Tomasella. Mais
tarde, porém, prevaleceu o bom senso, e antes mesmo da conclusão do
templo católico, o aceite da Diocese para tocar adiante as atividades do
local foi concretizado.
Nos dias atuais, a Igreja já leva a
efeito algumas celebrações dentro do complexo, o que no passado, somente
o Padre Noronha, de saudosa memória, se arriscava a fazer. Dizia ele:
“Celebro em qualquer canto porque Deus está presente em todo lugar”.
O Parque Turístico Religioso Cruz da
Menina é composto de um anfi-teatro, cobertura em forma de pirâmide que
protege a parte central onde estão a capela e duas salas de ex-votos, um
restaurante, dez lojas de souvenir, espaço para a administração e posto
policial. O ambiente é bem arborizado, agradável e atraente, chegando a
ser considerado um dos pontos de maior visitação do Nordeste.
Presume-se que mais de 100 mil pessoas
passem pelo parque anualmente e com a realização de algumas festas
tradicionais, a exemplo de Pentecostes, o fluxo vem aumentando
consideravelmente. O local é também parada obrigatória para os romeiros
de vários Estados que se deslocam para o Juazeiro do Padre Cícero,
principalmente no final de outubro e início de novembro.
Além dos folhetos comercializados no
parque, os quais descrevem a história completa desde a sua origem, em
1993 a Lucena Publicidades produziu um filme em VHS, com a participação
de 28 atores e mais de 100 figurantes, com duração de uma hora e onze
minutos, sendo que todos os cenários e artistas são originários de
Patos. Também foi editada uma revista, totalmente ilustrada, com todos
os detalhes do episódio, além da disposição para um possível processo de
beatificação junto ao Vaticano.
O Parque também se destaca por gerar
mão-de-obra e renda. Além dos artesãos e empresários que lá atuam, a
população pobre da Vila Mariana, uma comunidade situada ao lado,
encontra ocupação e lucratividade na venda de velas e funcionamento de
alguns estabelecimentos que comercializam lanches e bebidas.
Fonte aqui
Com informações do Patos em Revista do Jornalista Damião Lucena
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