Os vocábulos importados são como estrangeiros que vêm morar no
Brasil: uns já estão naturalizados, outros aguardam o deferimento do pedido e
outros, finalmente, vão viver aqui sem mudar sua cidadania de origem.
Num ponto qualquer do litoral de Santa Catarina, pelas asas da
internet, chega-me o pedido de ajuda de uma pessoa que me é muito cara: Elisa
Prenna, dona do Chicafundó (não por acaso, o meu restaurante preferido),
gostaria que eu respondesse, em nome dela, a um de seus frequentadores que
reclamou do restaurante — não da comida, que é impecável, mas do Português
empregado no menu que ela envia semanalmente por email. Inconformado com o café espresso que o Chica (assim chamado pelos mais
íntimos) oferece ao fim de cada refeição, o amigo Cafezinho (à falta de um
nome, vou chamá-lo assim), num estilo de dar inveja a qualquer espartano,
escreveu: “Erro no fôlder. Expresso é com x.
Favor verificar antes de enviar material divulgativo”. Elisa, que nunca cometeu
a grosseria de ignorar uma manifestação de cliente seu, fez uso então de um
velho contrato tácito que existe entre nós dois: ela me ensina a forma correta
de queimar o açúcar do crème brûlée e eu, em troca, oriento seus passos
nos pontos mais obscuros do vernáculo.
O problema, meu caro Cafezinho, é que muitos termos culinários
estrangeiros ainda não foram (se é que um dia o serão) aportuguesados, como já
aconteceu, por exemplo, com os termos usados no futebol. Fique tranquilo, que
isso é natural: em todas as línguas do mundo, o vocabulário relativo à cozinha
é como aquele espaçoporto do filme Guerra nas Estrelas,
em que convivem representantes de todas as galáxias. No nosso caso, a situação
dos termos que ingressam em nosso léxico é muito semelhante à dos indivíduos
estrangeiros que vêm para o Brasil: uns já estão naturalizados, outros aguardam
o deferimento do pedido e outros, finalmente, vão morar aqui sem alterar sua
cidadania de origem.
Para não fugir do Chica, fui à sua página na internet
(www.chicafundo.com.br) para colher exemplos. Dos já foram aportuguesados,
encontrei pudim, lasanha e nhoque (de pudding, lasagna e gnocchi, respectivamente).
Do segundo caso, achei tortilla (tortilha), champignon (champinhom), goulash (gulache),curry (caril) e capuccino (capuchino) — as formas no parêntese já
estão dicionarizadas, mas vai demorar muito até serem aceitas pela maioria dos
falantes que conhecem esses alimentos. Finalmente, com pouquíssimas chances de
vir a ser nacionalizadas, temos paella, chutney, bavaroise, couvert, pizza (as duas formas alternativas
até agora propostas, piza e pitza, não convenceram), e sushi (adaptado
ao nosso sistema ortográfico, só poderá dar suxi, que,
convenhamos, é de fazer bacalhau chorar em porta de venda).
Seguindo o segundo modelo, não há dúvida de que espresso poderá um dia ser nacionalizado para expresso, como já vem
ocorrendo em restaurantes mais populares. Ouvi, num bar da Rodoviária, alguém
reclamar do tempo de espera: “Se é expresso, por que
demora tanto?”. Ele certamente ignorava que o espresso,
aqui no Italiano, não significa “rápido”, mas sim que o café foi feito sob pressão,
numa máquina especial. Os estabelecimentos mais sofisticados, naturalmente,
resistem a expresso assim como resistirão por muito tempo
a champinhom ou a capuchino.
Professor Cláudio Moreno
(http://wp.clicrbs.com.br/sualingua/acesso em:19-07-2015)
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