Fui cobrado por ter escrito há 15 dias que a polêmica sobre as biografias “já
deu o que tinha que dar” e que ninguém mais iria convencer ninguém que já não
estivesse convencido. Como, parodiando Machado de Assis, “sofro de tédio à
controvérsia”, quando elas viram bate-boca, propunha que se aguardasse então a
decisão da Justiça.
Estava enganado, as discussões continuaram e ficaram ainda mais acirradas.
Esqueci que no Brasil polêmica acaba em polêmica, isto é, não acaba, uma dá
início a outra, como agora, com a aparente mudança de posição do Procure Saber e
o real racha entre seus integrantes.
A novidade é a transferência das divergências para o âmbito dos próprios
membros do grupo, a julgar pelo que tem vazado para a imprensa. Zózimo Barroso
do Amaral noticiaria assim: “Não convidem para a mesma mesa Roberto Carlos e
Caetano Veloso”.
Essa parceria foi responsável por um dos momentos mais emocionantes da música
brasileira, quando o Rei foi visitar Caetano no exílio de Londres, em 1970, e de
lá saiu com inspiração para a bela canção-homenagem “Debaixo dos caracóis dos
seus cabelos”.
Porém, em termos de ação política conjunta, é difícil a dupla ter futuro. De
um lado, o Rei, um moita, cheio de segredos, mistérios e cismas. De outro,
Caetano, transparente, franco, expansivo, exibido e sem papas na língua.
O desacordo interno surgiu com a destituição de Paula Lavigne como porta-voz
do grupo e sua substituição por um hábil advogado da confiança de Roberto, junto
com um “gerenciador de crises” para orientar o “vídeo do recuo”.
A partir de uma experiência pessoal, acho que foi uma injustiça. A culpa pelo
ruído entre os dois e pela desunião da turma não deve ser atribuída a Paula,
que, apesar da fama, é mais conciliadora do que briguenta (peço licença para uma
revelação: Caetano ficou 15 anos sem falar comigo por causa do “1968”. Um dia,
ela pegou os dois pelas mãos, disse “Vamos deixar de viadagem” e jogou um nos
braços do outro).
Discute-se agora para descobrir se a nova posição do Procure Saber é uma
disfarçada confissão de derrota, um recuo estratégico em face da desaprovação da
sociedade (também a Academia Brasileira de Letras decidiu apoiar no STF a ação
dos editores de livros) ou se, como advertiu Merval Pereira, é uma proposta mais
perigosa do que a anterior porque contém um maquiavélico “efeito colateral”,
capaz de amordaçar por extensão a imprensa.
Rompendo um demorado silêncio, Roberto Carlos criticou publicamente a
“posição mais radical” adotada até então. Poderia então, já que se mostra menos
radical, aceitar a sugestão do editor Roberto Feith e retirar a proibição ao
livro sobre ele. O que pensam os colegas sobre o discurso do novo porta-voz?
Até agora, essa aliança de artistas deixou como saldo imagens arranhadas e
relações estremecidas, sem falar no estigma de ter trazido à cena o fantasma da
censura prévia. Terá valido a pena tanto desgaste, inclusive para as biografias
dos envolvidos? O objetivo não era preservá-las?
Zuenir Ventura é jornalista.
O Globo
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