domingo, 24 de novembro de 2013

O DNA dos mais de 80

Num país onde os velhos são considerados um estorvo, alguém está procurando mostrar que eles podem ser muito úteis, fornecendo seu DNA para um estudo que pretende ajudar as futuras gerações a viver mais e melhor.
 
Estou me referindo ao projeto chamado 80+, que a premiada geneticista e bióloga molecular Mayana Zatz, nascida em Israel e criada em SP, vem desenvolvendo com pessoas que estão envelhecendo de forma saudável, particularmente do ponto de vista cognitivo.
 
Especialista em doenças neuromusculares, sobre as quais tem trabalhos pioneiros, ela batalhou muito pela aprovação das pesquisas com células-tronco no Brasil. O estudo de agora, com apoio do CNPq, Fapesp e Hospital Albert Einstein, tem como objetivo formar um banco de dados e imagens funcionais do cérebro para fornecer à medicina elementos que possibilitem entender melhor distúrbios neurológicos como o Alzheimer e a esclerose que atingiu o físico britânico Stephen Hawking.
 
“O banco de dados dos 80+”, explica Mayana, “é formado por pessoas que têm chances mínimas de desenvolver essas doenças, pois gozam de boa saúde em idade já avançada. Se um jovem fizer o seqüenciamento do genoma, poderemos verificar se as mutações que ele tem são semelhantes às dos idosos saudáveis.”
 
Depois de catalogar o código genético de mais de 400 oitentões, o projeto vai ter agora um desdobramento: um livro com 20 desses personagens, escolhidos por continuarem trabalhando e produzindo ativamente, contará um pouco de suas histórias, filosofia de vida, ambiente de trabalho.
 
Já têm posição garantida nesse time Cleonice Berardinelli, Adib Jatene, Hélio Bicudo, Beatriz Segall, Boris Fausto, Delfim Netto. Já Fernando Henrique Cardoso não quis participar e Fernanda Montenegro precisa conciliar sua agenda.
 
Como também fui convidado, me vejo agora no Albert Einstein para os exames de admissão, que incluem ressonância magnética, teste de memória e coleta de sangue para a obtenção do DNA genômico, além de uma entrevista. Estou morrendo de medo de ser desconvocado por falta de requisitos.
 
Posto que cada vez mais me esqueço das coisas, temo repetir aqui a piada do idoso que se queixa ao médico: “Doutor, acho que estou perdendo a memória.” “Desde quando?” “Desde quando o quê?”
 
Felizmente não dei vexame. Passei na avaliação mnemômica com louvor. Entre outros itens, disse meu nome certo, o endereço, a cidade em que me encontrava e até o bairro em que moro. Brilhante! Um elefante não faria melhor. Só errei o dia do mês, fazendo confusão com a véspera.
 
Mas, em compensação, as três palavras que o dr. Michel pediu para eu memorizar — camisa, marrom e honestidade — pude repeti-las sem hesitação uns 40 minutos depois. Agora só falta o resultado da ressonância, que esquadrinhou minha cabeça.
 
A esperança é que, quando Alice e Eric tiverem a minha idade, quase no ano 3000, livres de alguns dos males que afetam a velhice hoje, eles saibam que o avô, de saudosa memória, teve alguma utilidade. Pelo menos como cobaia.
 
 
 
Zuenir Ventura é jornalista.
O Globo

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