Num país onde os velhos são considerados um estorvo, alguém está procurando
mostrar que eles podem ser muito úteis, fornecendo seu DNA para um estudo que
pretende ajudar as futuras gerações a viver mais e melhor.
Estou me referindo ao projeto chamado 80+, que a premiada geneticista e
bióloga molecular Mayana Zatz, nascida em Israel e criada em SP, vem
desenvolvendo com pessoas que estão envelhecendo de forma saudável,
particularmente do ponto de vista cognitivo.
Especialista em doenças neuromusculares, sobre as quais tem trabalhos
pioneiros, ela batalhou muito pela aprovação das pesquisas com células-tronco no
Brasil. O estudo de agora, com apoio do CNPq, Fapesp e Hospital Albert Einstein,
tem como objetivo formar um banco de dados e imagens funcionais do cérebro para
fornecer à medicina elementos que possibilitem entender melhor distúrbios
neurológicos como o Alzheimer e a esclerose que atingiu o físico britânico
Stephen Hawking.
“O banco de dados dos 80+”, explica Mayana, “é formado por pessoas que têm
chances mínimas de desenvolver essas doenças, pois gozam de boa saúde em idade
já avançada. Se um jovem fizer o seqüenciamento do genoma, poderemos verificar
se as mutações que ele tem são semelhantes às dos idosos saudáveis.”
Depois de catalogar o código genético de mais de 400 oitentões, o projeto vai
ter agora um desdobramento: um livro com 20 desses personagens, escolhidos por
continuarem trabalhando e produzindo ativamente, contará um pouco de suas
histórias, filosofia de vida, ambiente de trabalho.
Já têm posição garantida nesse time Cleonice Berardinelli, Adib Jatene, Hélio
Bicudo, Beatriz Segall, Boris Fausto, Delfim Netto. Já Fernando Henrique Cardoso
não quis participar e Fernanda Montenegro precisa conciliar sua agenda.
Como também fui convidado, me vejo agora no Albert Einstein para os exames de
admissão, que incluem ressonância magnética, teste de memória e coleta de sangue
para a obtenção do DNA genômico, além de uma entrevista. Estou morrendo de medo
de ser desconvocado por falta de requisitos.
Posto que cada vez mais me esqueço das coisas, temo repetir aqui a piada do
idoso que se queixa ao médico: “Doutor, acho que estou perdendo a memória.”
“Desde quando?” “Desde quando o quê?”
Felizmente não dei vexame. Passei na avaliação mnemômica com louvor. Entre
outros itens, disse meu nome certo, o endereço, a cidade em que me encontrava e
até o bairro em que moro. Brilhante! Um elefante não faria melhor. Só errei o
dia do mês, fazendo confusão com a véspera.
Mas, em compensação, as três palavras que o dr. Michel pediu para eu
memorizar — camisa, marrom e honestidade — pude repeti-las sem hesitação uns 40
minutos depois. Agora só falta o resultado da ressonância, que esquadrinhou
minha cabeça.
A esperança é que, quando Alice e Eric tiverem a minha idade, quase no ano
3000, livres de alguns dos males que afetam a velhice hoje, eles saibam que o
avô, de saudosa memória, teve alguma utilidade. Pelo menos como cobaia.
Zuenir Ventura é jornalista.
O Globo
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