Soube do
falecimento do amigo durante o cortejo fúnebre: não houve tempo hábil para
avisá-lo que estaria prestes a habitar, como crê o
povo vermelho americano, nas pradarias
celestes junto ao Grande Espírito.
Corria o ano de
1990. A Associação dos Estudantes Universitários de Pombal (AEUP), entidade
engajada nas lutas dos estudantes do ensino superior, com sede no centro da
cidade, promovia mais uma semana universitária. Com uma programação bem
diversificada — debates sobre vários campos do saber
humano, com convidados ilustres do corpo docente universitário
paraibano, e shows com bandas de
outros estados, dentre outras atrações —, o
evento estudantil mobilizava também outros setores da sociedade, como o poder
público em suas várias instâncias.
Sob a égide da nova
década, um jovem não universitário, idealista e cheio de vida, sonhava em ser
agraciado com o título de sócio benemérito da referida entidade. De nome
oficial pouco conhecido entre seus amigos, João Bosco (Teté) desempenhava a
função de sonoplasta na boate da associação, habitualmente com esmero e
maestria, nos fins de semana e dias de festa. Alegrava-nos com sua seleção de músicas
feita com discos de vinil — numa época em que o CD ainda era novidade no
mercado brasileiro de música — embalando os enamorados que ouviam e dançavam nas noites menos quentes, pois
o vento que soprava do Aracati amenizava a temperatura escaldante
do Sertão paraibano.
Sujeito
de olhar terno, de estatura relevante, magricela e de bom caráter. Conheci-o no
fim dos anos 1980. Mal fomos apresentados um ao
outro, e já nossas conversas se desenvolveriam em torno das histórias em
quadrinhos de Tex, gibi muito
apreciado pelos jovens de todo o país. Ranger
e chefe dos índios navajos, o herói do Velho Oeste era conhecido entre os
indígenas por “Águia da Noite”. Teté, quando a mim
se dirigia, durante as minhas frequentes estadas em Pombal, passou a tratar-me
carinhosamente por “Cabelos de Prata” — forma como a nação navajo denominava o grande amigo de
Tex, o também ranger Kit Carson.
Numa determinada
noite, logo que cheguei à Praça do Centenário,
o amigo observando-me de uma pequena distância encenou a emissão de sinais de
fumaça, forma de comunicação entre os peles-vermelhas norte-americanos, provocando
inúmeros risos entre os ali presentes. Repetiu tal encenação diversas vezes, sempre com graça e
certa ingenuidade.
Outro sonho
acalentado durante anos a fio era o de responder tudo sobre Tex no programa Sem
Limites da extinta TV Manchete. Esse
programa teve convidados ilustres como o poeta
e político campinense Ronaldo Cunha Lima — que respondeu com exatidão todas as
perguntas formuladas sobre Augusto dos Anjos, grande bardo paraibano. Fazendo, assim, jus ao prêmio dado pela emissora carioca.
Dos poucos momentos de convivência desfrutados com Teté,
não raras vezes tive a sensação dele “andar com os pés no chão e a cabeça nas
nuvens”. A abstração era um aspecto
de sua alma que se alheava, com frequência, do mundo circunscrito a ação do
tempo e do homem para, quem sabe, forjar novos objetivos de vida.
A Águia fez seu último voo, de duração efêmera, sobre a
paisagem deslumbrante que tanto se acostumara a contemplar. Instantes depois de
perscrutar com olhar
atento e constatar que não havia sinais de fumaça no ar: pousou no
infinito.
Adauto Ferreira
[João Pessoa (PB), 30/07/2012]
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