Infeliz do povo que precisa de heróis.
A frase foi colocada pelo teatrólogo alemão Bertolt Brecht na boca de seu
personagem Galileu na peça “Vida de Galileu”. Brecht era marxista militante e
provavelmente não imaginava a riqueza de significados que a sua frase
ganharia na história da semântica ideológica de metade do século passado e no
começo deste.
A determinação do presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa para
que se executassem as penas a que foram condenados os denunciados na Ação Penal
457 -- o mensalão -- mostrou como era sábia a frase de Brecht.
O gesto de braços erguidos e de punhos cerrados que dois dois principais
condenados encenaram ao chegar às sedes da polícia federal onde resolveram se
apresentar para obedecer à ordem de prisão teve um suave toque de patética
melancolia.
É um pouco grotesco pintar com tintas de heroísmo um gesto tão banal quanto o
de apresentar-se aos carcereiros para cumprir uma pena por corrupção decretada
por maioria insofismável dos juízes da Suprema Corte de um país que vive há
pelos menos um quarto de século em pleno processo democrático.
Apresentar-se como “presos políticos” foi uma opção teatral encampada pelos
condenados e, pior ainda, endossada pelo partido a que pertencem, que há mais de
dez anos comanda a maioria parlamentar de uma coalizão de governo e que está
muito perto de conquistar o terceiro mandato consecutivo.
O paradoxo de ser preso político de um governo do qual eles mesmo fazem parte
e do qual são -- ou foram -- líderes ou expoentes talvez seja um caso sem
precedentes na história política moderna e nenhum deles demonstrou o menor
constrangimento em participar dessa pantomima, sem dar-se conta do grotesco da
situação.
Pois se é, relembrando o Galileu de Brecht, infeliz do povo que precisa de
heróis, principalmente quando construídos sob premissas tão esfarrapadas e
contraditórias, não é menos verdade que tão infeliz quanto precisar desse tipo
de heróis, é a face oposta da mesma moeda.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, nomeado para uma
vaga de juiz pelo ex-presidente Lula quando estava à procura de um negro para
preencher simbolicamente uma vaga na Suprema Corte oscilou, como os mensaleiros
condenados, entre os extremos de herói e vilão da Pátria. Foi chamado por alguns
de capitão do mato e outros entregariam de bom grado a ele a espada do
justiceiro.
Uma prova de que a democracia brasileira ainda é jovem e imberbe e que o país
precisa tanto de heróis quanto de vilões porque ainda não aprendeu que não é com
picos de adrenalina que se constrói um País mais justo, mais equânime e mais
democrático.
A Nação só poderá orgulhar-se de estar madura para a democracia quando não
precisar mais da sirene do batmóvel para anunciar que alguém está correndo atrás
do Coringa.
Sandro Vaia é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário