Sempre acho bom evitar a personalização nos debates e controvérsias, porque
ela acaba desviando as atenções do tema principal, mas, na polêmica das
biografias não autorizadas, por envolver alguns dos mais renomados músicos do
país, já não é possível dissociar posições dos que as defendem.
De modo que, como autor, me vejo obrigado, pela primeira vez, a discordar do
Chico, do Caetano e do Gil, líderes do grupo Procure Saber, com os quais sempre
me senti irmanado quanto ao essencial, às matérias de relevância nacional como
esta.
O mesmo já não posso dizer do outro protagonista no noticiário sobre o caso,
o Roberto Carlos, que nunca nos deu a oportunidade de concordar ou discordar
dele, simplesmente porque se desconhece o que pensou até agora, inclusive quanto
à ditadura. E vago e impreciso continuou sendo na badalada entrevista ao
“Fantástico”.
Penso que a memória dos grandes vultos e personalidades do país, inclusive da
área artística, é propriedade pública, parte inalienável da identidade nacional,
e, como tal, não pode ficar à mercê ou depender da vontade, do capricho, das
idiossincrasias ou, como ocorre com mais frequência, da cobiça dos seus
herdeiros; a estes cabe, sim, parcela já regulamentada dos lucros financeiros
decorrentes do culto a essas memórias, da venda das suas obras, pois são,
afinal, legatários do prestígio dos seus antepassados.
A experiência vem demonstrando que é nas vantagens pecuniárias que se
concentra e fundamenta a maioria das objeções e exigências dos familiares, como
tão bem exemplifica o caso de “Estrela solitária”, a excelente biografia do
Garrincha escrita pelo Ruy Castro, relatado pelo seu editor, Luiz Schwarcz, da
Companhia das Letras, no Segundo Caderno do GLOBO de 17 de outubro.
O Brasil é um dos poucos países em que ainda vigora essa aberrante forma de
censura prévia, a autorização de biografias, uma flagrante violação do direito
constitucional à liberdade de expressão, incompatível com a democratização em
curso, muito embora os abusos e infrações no exercício deste direito já estejam
até previstos legalmente, inclusive com a cominação das respectivas
punições.
Em suma: ou completamos e modernizamos a nossa legislação nessa área, com a
aprovação do projeto que tramita na Câmara Federal, ou convoquemos a família
imperial, para integrar as bancas universitárias que julgam as dissertações e
teses de pós-graduação em História do Brasil referentes aos seus ilustres
antepassados.
Arthur Poerner é escritor e jornalista.
Do Blog do Noblat
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