Quando se cogita de reformar alguma coisa,
tem-se por premissa que o objetivo é o aprimoramento. Em tese, ninguém faz
reforma para piorar. É pelo menos o que diz o senso comum. Em política, porém,
nem sempre prevalece o senso comum.
Frequentemente, a reforma piora o que já não
era bom. Exemplos não faltam e seria ocioso citá-los. Mas, para não ficar
num enunciado vazio, vejamos um caso concreto vinculado à reforma política: a
proposta de cotas raciais para negros no Legislativo, remetida ao Congresso pela
presidente Dilma Rousseff.
A proposta tramita em regime de urgência. Isto
é, terá 45 dias para votação na Câmara e mais 45 no Senado. Se, nesse prazo, não
for votada, tranca a pauta das demais votações. Ou seja, desta vez é pra valer.
Em março, chegará ao plenário.
Falar em cotas raciais num país mestiço
chega a ser surrealista, contradição em termos. Decidiu-se, em face disso
– e para não abrir mão da política de segmentação/desunião da sociedade -,
considerar que pardos, isto é, mulatos, são negros.
Não há base alguma – nem científica, nem
sociológica, nem muito menos lógica – para tanto. Se o pardo é a junção de
duas etnias (já que raça só existe a humana) – a negra e a branca -, por que a
prevalência de apenas uma, a negra? E por que apenas 20% de negros, se, unidos
aos pardos, constituem maioria?
A Constituição sustenta que “todos são iguais
perante a lei” (artigo 5º) e considera a prática do racismo “crime inafiançável
e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Ora,
beneficiar uma etnia em prejuízo de outras é o quê?
Essa, porém, não é a única disparidade na
política de cotas. Desafio maior é aplicá-las com coerência, já que ela própria
não a tem. Há pessoas em que prevalece o branco da epiderme, mesmo possuindo
negros na família em grau de parentesco direto.
Como a natureza, muitas vezes, faz com que
predomine a tez clara, perdem o privilégio do benefício étnico, que, no entanto,
poderá se aplicar a um irmão, em cuja pele tenha prevalecido um tom mais escuro.
Já houve casos assim, numa seleção de cotistas na UnB: de dois gêmeos, apenas um
foi considerado negro.
Em torno de cada um desses segmentos,
gravitam milhares de ONGs (só as que cuidam dos índios são mais de cem mil),
que auferem verbas milionárias do Estado, que figura então como instância
de justiça, único ente em condições e oferecer os reparos históricos de que cada
qual se julga credor.
Desnecessário dizer que cada segmento desse
possui seu espaço no partido do governo, o PT, que estimula a criação dessas
ONGs, em geral lideradas por seus próprios militantes.
Na época das eleições, essas comunidades
transformam-se em células eleitorais ativas, a serviço do partido ao qual devem
seus privilégios. Eis mais uma estratégia de aparelhamento da sociedade
civil, à custa do dinheiro público.
Já se fala agora em estender as cotas
raciais aos concursos ao serviço público. E a presidente Dilma diz ainda que
o seu projeto “é um convite para que os outros dois Poderes – Judiciário e
Executivo – façam o mesmo”. Bem, ela é a chefe do Executivo.
É mais fácil esse tipo de expediente,
demagógico e sem eficácia concreta, que o efetivamente indispensável: investir
no ensino público fundamental de qualidade, que torne democrático, justo e
universal o acesso às diversas instâncias do Estado e da vida econômica em
geral. Só que os frutos não se farão visíveis até a próxima eleição, que,
no final das contas, é o que está por trás de tudo isso.
Ruy Fabiano é
jornalista.
Blog do Noblat
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