A classificação do que é “de direita” e o que é “de esquerda” complica-se ainda mais porque às vezes até os xingamentos trocados entre eles são os mesmos
Como distinguir quem é de esquerda de quem é de direita? Pelas suas opiniões, claro. Pelo que dizem. Mas como distinguir um direitista silencioso de um esquerdista lacônico, sem sinais aparentes que os definam?
Os da direta sugerem um método prático de identificar esquerdistas. Deve-se procurar um rabo escondido dentro das suas calças e dois chifres camuflados na sua cabeça. O problema com este método é que ele é exatamente igual ao proposto pelos da esquerda para identificar um direitista. Acaba-se sem saber se o demônio é dos nossos ou dos deles.
A classificação do que é “de direita” e o que é “de esquerda” complica-se ainda mais porque às vezes até os xingamentos trocados entre eles são os mesmos. “Fascista!”, por exemplo, serve para os dois lados. Outros xingamentos pecam pela falta de clareza. “Comunista!”, dependendo de quem acusa, engloba várias graduações de esquerda, da social-democracia ao stalinismo; “reacionário!” inclui de conservadores respeitáveis ao Bolsonaro.
Na dificuldade de se chegar à diferença entre esquerda e direita pela divisão politica e pela imprecisão semântica do confronto entre os mutuamente demonizados, busca-se uma definição, qualquer definição, em outras áreas
Estive lendo sobre a Comuna de Paris, os dois meses da primavera de 1871 (Segundo Império, de Louis-Napoleon, sobrinho coxinha do Napoleon de verdade) quando trabalhadores botaram a correr o rei e a nobreza e ocuparam e capital da França na esperança de que a revolta se espalhasse pelo resto do país.
Depois de dois meses, as tropas leais ao rei, que tinham fugido para Versalhes, retomaram Paris e massacraram os communards, mas os dois inebriantes meses da esquerda no poder ficaram como uma espécie de ensaio para conquistas republicanas que viriam.
Mas fiquei sabendo que as agruras da ocupação e da defesa da comuna não impediram os communards de aproveitar as chamadas coisas boas da vida, presumivelmente saqueando as caves e despensas da nobreza. E a preferencia era por vinhos da Borgonha, considerados “de esquerda”, em contraste com os vinhos de Bordeaux, “de direita”, porque vinham de uma região notoriamente reacionária.
Borgonha de esquerda, Bordeaux de direita... A divisão pode se estender a qualquer tipo de gosto ou costume. Mineral sem gás de direita, com gás de esquerda. Carne bem passada de direita, mal passada de esquerda. Mocassim sem meias de direita, havaiana de esquerda...
Luis Fernando Veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário