quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Bola de gude

Na época em que joguei bola de gude (mais ou menos entre 1958 e 1965) a variante que se usava em nossa rua era assim: primeiro criavam-se os buracos na terra, rodando com força o calcanhar até produzir buracos hemisféricos com alguns centímetros de fundura, e depois espalhando a terra em volta, para aplainar. Eram três buracos formando um triângulo equilátero calculado no olhômetro, a cerca de um metro e meio de distância. O jogador tinha como objetivo colocar sua bola nos três buracos, sucessivamente, e ao mesmo tempo afastar as bolas dos outros jogadores. Para determinar a ordem de jogada, cada um atirava, da mesma distância, sua bola na direção de um dos buracos; quem colocasse a bola mais perto jogava primeiro.
 
Nas jogadas propriamente ditas a bola ficava apoiada no indicador curvado, e era atirada pra frente com a unha do polegar, pressionado contra o outro dedo até escapar de repente, arremessando longe a bolinha. (Também chamada “bila” por nossos vizinhos cearenses.) Quando se acertava dentro do primeiro buraco passava-se aos demais, sempre numa mesma ordem, até errar, cedendo então a vez ao próximo. Depois que a gente acertava o primeiro buraco, tinha o direito de alvejar as bolas dos adversários, atirando-as para longe. Quando a gente completava os 3 buracos tornava-se “mata” (=matador): ao acertar a bola de um adversário ela era retirada do jogo. (Nos jogos “na vera”, de-verdade, o cara ganhava a bola para si; nas partidas “na brinca”, a bola e o adversário apenas saíam do jogo.)
 
Quando nossa bola parava muito próxima de outra era possível dar a famosa “estica”, uma colisão violenta que jogava a outra bem longe. Havia também a “tranfa” (=transferência): se um acidente do terreno atrapalhava o “tiro” do jogador, ele media com o palmo um arco de círculo na areia (tendo a bola-alvo como centro) e movia sua bola para outro ponto desse arco, mantendo a mesma distância em relação à bola-alvo, enquanto dizia: “Peço tranfa!”  Quando havia algum pedregulho ou folha seca no meio, dizia-se: “Peço limpo!”  A palavra “tranfa” também sofria outra corruptela, sendo substituída por “Peço trança!”.
 
Enquanto o jogador não se tornava “mata”, era chamado “feda” (=fedorento); podia ser morto mas não podia matar as bolas dos demais. Isso deu origem à expressão “combinação contra o feda”: qualquer complô entre pessoas experientes para enganar ou explorar um sujeito ingênuo, novato, despreparado.  “Meu primo tentou conseguir um emprego lá, mas houve uma combinação contra o feda, e deram a vaga a um amigo do gerente.” Ganhava o jogo quem conseguia “matar” as bolas de todos os concorrentes.
 
Bráulio Tavares

Um comentário:

Danilo Almeida disse...

Eu amei a postagem, pois estava procurando as regras do jogo, exatamente como joguei na infância, mas só achei versões um pouco modificadas. Aqui, no interior da Paraíba, os três buracos formavam uma linha reta, com uma distância igual entre o primeiro é o segundo e o segundo é o terceiro. Cada buraco tinha um nome, mas só me lembro de "feda", e por isso cheguei ao seu artigo. Obrigado por resgatar esse belo jogo. Vou ensiná-lo quando tiver filhos.