O Enola Gay realizava a longa viagem de volta para sua base, em uma ilha do Pacífico, quando o seu copiloto, o capitão Robert Lewis, abriu seu diário de bordo e começou a rabiscar furiosamente as muitas questões que o assaltavam.
"Quantos japoneses nós matamos?". "Eu realmente tento procurar minhas palavras para explicar isso... Meu Deus, o que fizemos?".
O bombardeiro B-29 de brilho prateado deslumbrante acabava de lançar a primeira bomba atômica utilizada em combate na cidade japonesa de Hiroshima, uma missão que iria mudar o curso da história.
E continuou: "Eu voltei a olhar pela última vez (para a nuvem em cogumelo), eu realmente acho que os japoneses vão se render antes mesmo que aterrissemos em Tinian", base de Enola Gay.
"Eles certamente não vão querer que lancemos outras deste calibre", disse.
Foram necessários mais 27 dias - e um segundo cogumelo atômico, desta vez na cidade de Nagasaki - para o Japão se render, pondo fim a uma guerra que começou em 1937 com a invasão da China antes de inflamar a região Ásia-Pacífico.
O uso da bomba atômica, planejado em segredo, foi imensamente aprovado na época. E até mesmo 70 anos depois, a maioria dos americanos ainda acredita que foi a coisa certa a fazer.
Cerca de 56% dos americanos entrevistados pelo instituto de pesquisa Pew Research Center em fevereiro considerou que o uso da bomba atômica contra o Japão foi justificado, contra 79% de japoneses que acreditam no contrário.
Muitas pessoas pensam que, sem a bomba, milhares, centenas de milhares, até mesmo milhões de soldados americanos morreriam em ataques no Japão.
No Museu Nacional do Ar e do Espaço perto do aeroporto de Washington Dulles, cada peça apresentada é descrita em no máximo 150 palavras, incluindo o Enola Gay.
O bombardeiro se destaca no vasto hangar do centro Udvar-Hazy, que ele divide com dezenas de outros dispositivos, um Concorde da Air France, o protótipo original do Boeing 707 e o ônibus espacial Discovery.
"Em 6 de agosto de 1945, este B-29-45-MO, construído por Martin, lançou a primeira bomba atômica utilizada em combate em Hiroshima, Japão", indica simplesmente a legenda, sem referência à morte e destruição que semeou.
Há 20 anos, o bombardeiro que passou por uma restauração tem estado no centro de uma polêmica entre os veteranos da Segunda Guerra Mundial e uma nova geração de historiadores que questionam a adequação do uso da bomba.
Os veteranos e seus apoiadores no Congresso denunciam o fato de que, segundo eles, uma exposição dedicada ao 50º aniversário da missão representou os japoneses da época "mais como vítimas do que como agressores", segundo John Correll da Air Force Association.
"Um monte de mentiras", afirmou o general Paul Tibbets, comandante do Enola Gay. "Muitos se perguntam se era mesmo necessário utilizá-la. A eles eu digo. 'Parem!"
Pego pela controvérsia, o museu reformulou cinco vezes a sua exposição "O fim da Segunda Guerra Mundial, a bomba atômica e a Guerra Fria", que foi aberto por dois anos, em 1995, atraindo quatro milhões de visitantes.
O evento foi reduzido à sua forma mais simples, uma exposição dos fatos da missão, sem discussão sobre seus méritos.
O museu que abriga o Enola Gay diz "tentar explicar tanto quanto pudermos, para permitir que as pessoas façam a sua própria opinião", disse à AFP Jeremy Kinney, curador encarregado dos modelos históricos.
Pouco menos de 855.000 ex-veteranos americanos da Segunda Guerra Mundial ainda estão vivos hoje, dos cerca de 16 milhões que já vestiram o uniforme. Cerca de 500 deles morrem todos os dias, estima o Museu Nacional da II Guerra Mundial, em New Orleans, Louisiana (sul).
Este número explica a falta de reações à abertura, há algumas semanas, de uma exposição no Museu da American University de Washington.
A mostra reúne 20 objetos, emprestados por museus de Hiroshima e Nagasaki, que resistiram aos dois atentados e que deveriam ter sido parte da exposição do Museu Nacional: um uniforme colegial queimado, uma lancheira carbonizada, a réplica de um relógio que parou às 8h15, uma vez que o original está demasiado frágil para viajar.
"Eu não ouvi qualquer crítica, realmente", disse Peter Kuznick, professor de história da American University, também diretor do Instituto de Estudos Nucleares que faz anualmente uma viagem com seus alunos a Hiroshima e Nagasaki.
Segundo ele, numerosos documentos antes secretos mostram que as autoridades militares americanas consideravam a bomba "militarmente desnecessária, moralmente condenável ou ambos".
Harry Truman, então presidente, "provavelmente esperava que isso acelerasse a rendição antes da entrada dos soviéticos na guerra", diz o acadêmico. Truman estava "obcecado com a relação entre americanos e soviéticos."
* Com informações da AFP
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