Mais de 80 dias de greve. Milhares de alunos
sem aulas, e tudo bem? Dinheiro público pode ser assim tratado?
Um jovem brasileiro estava cursando
uma escola de jornalismo da Universidade de Londres, uma instituição pública,
quando aconteceu algo inédito, uma greve de professores. Os docentes pareciam
tão incomodados com o que chamavam de atitude extrema que passaram o dia todo
de greve se explicando com os alunos. Sim, isso mesmo, um dia de greve, depois
de uma longa negociação com as autoridades educacionais.
Nosso jovem estudante, numa dessas
rodas de conversa com os grevistas, comentou que não estava nem um pouco
surpreendido. No Brasil, disse, docentes universitários faziam greve mais de mês.
O professor britânico espantou-se. E comentou algo assim: a situação deve ser
muito grave para que esses servidores aceitem ficar um mês sem receber salário.
Pois é. Não passava pela cabeça dele
que servidores públicos pudessem ficar tanto tempo parados e continuar
recebendo seus salários em dia.
A atual greve dos docentes das
federais já passou dos 80 dias — e não há nem sinal de que vá terminar. O
ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, reclama que os sindicatos de
docentes iniciaram a paralisação antes de qualquer conversa. Os sindicatos
reclamam que o ministro sequer recebe os grevistas.
O ministro tem razão, mas o ponto
central não é esse, não é esta greve. Está em curso um cuidadoso trabalho de
destruição das universidades federais. Os principais responsáveis são
professores, funcionários e alunos que promovem longas greves todos os anos. O
período letivo é prejudicado regularmente, pois os esquemas de reposição de
aulas são mais do que precários, do tipo três meses em um.
Nas paralisações, os servidores
continuam recebendo seus salários, muitos cursos de pós-graduação,
especialmente na área de exatas, funcionam, alguns de graduação também, os de
humanas param cem por cento, os alunos ficam na folga, exceto os militantes, e
chega um momento em que ninguém mais liga. Esse é o panorama geral. Deveria ser
grave.
Reparem: mais de 80 dias de greve em
escolas públicas, que vivem do dinheiro do contribuinte, era para ser um
desastre nacional. Milhares de alunos sem aulas, e tudo bem? Dinheiro público
pode ser assim tratado?
Grevistas costumam culpar a imprensa
por deixar de lado o noticiário a respeito. Engano. O assunto desaparece também
das esferas políticas. Não é prioridade do governo federal, sequer do
Ministério da Educação. E olha que os sindicatos de docentes estão no campo da
esquerda, onde supostamente se encontram com pelo menos parte do governo Dilma.
No fundo, todo mundo sabe que as
reivindicações dos grevistas não têm o menor cabimento. Querem mais salário e
mais dinheiro do governo quando há uma grave crise das finanças públicas, que
está em um momento agudo, levando a cortes nos gastos nos orçamentos das
federais. Como, aliás, houve cortes em todos os outros setores.
Mas a crise vem de longe e vai mais
longe ainda. É estrutural. Os gastos públicos já determinados por lei não cabem
mais no Orçamento da União. Logo, a demanda adicional das escolas federais cabe
muito menos. O caminho correto é cortar despesas de maneira estrutural — fazer
mais com menos — e arranjar dinheiro que não venha do bolso do contribuinte, já
sobrecarregado.
Em Brasília, não se encontra a menor
disposição em dar mais recursos para as federais. Primeiro, porque elas já
recebem bastante, com participação mais do que razoável no bolo dos gastos da
União. Se houver um centavo sobrando para a Educação, deveria ir para os
ensinos fundamental e médio. Segundo, porque há um entendimento ou sentimento
difuso de que não adianta enviar mais dinheiro para as federais.
Professores e funcionários, no geral,
não topam conversa sobre eficiência, ganhos de produtividade, avaliação de
desempenho e mérito para subir na carreira. Sim, muitos servidores compreendem
que as federais precisam de uma profunda reforma administrativa e pedagógica —
mas, sabem como é, os militantes dominam a cena, impõem a agenda. Os outros vão
na onda, alguns tentam manter seus cursos funcionando, os demais simplesmente
deixam pra lá. Não vale a pena brigar ou não há condições para isso, dizem-me
muitos professores que, como os ingleses, sentem-se incomodados com a situação.
Nesse ambiente, ninguém ousa dizer
que o ensino superior federal precisa obter fontes de renda no setor privado.
Por exemplo: vender serviços, como pesquisas ou desenvolvimento de projetos
para empresas; cobrar taxas alunos dos que podem pagar; ou fazer coisas mais
prosaicas, como cobrar pelas vagas nos imensos estacionamentos. Quem tem carro
pode pagar pela vaga, não é mesmo? Ainda mais estudando de graça.
Não se caminha nessa direção. As
federais perdem qualidade progressivamente, desperdiçam o suado dinheiro do
contribuinte e não cumprem sua função de instituições públicas. Não deveria
haver um mínimo de patriotismo, de noção de serviço público? Um mal-estar com
quase três meses sem trabalhar? Afinal, os salários não são miseráveis, longe
disso ou ao contrário disso, são mais do que razoáveis no quadro econômico
brasileiro. São pagos em dia, mesmo durante as longas greves.
Isso deveria gerar mais
responsabilidade, não é mesmo? Mas tem gerado apenas militância “contra o
neoliberalismo e o arrocho” ou um difuso sentimento de "é assim
mesmo".
Assim gastam quase R$ 10 bilhões/ano
dos impostos tomados dos contribuintes. Uma desgraça.
Carlos Alberto Sardenberg é
jornalista
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