quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Enquanto o Brasil degringola…


         O sono verbo "degringolar" não é gíria nem tem parentesco com gringo. Conheça sua história.

A atualidade dolorosa do expressivo, sonoro verbo “degringolar” dispensa comentários. É difícil encontrar hoje no Brasil algum canto da vida em que as coisas não estejam pelo menos seriamente ameaçadas de degringolar, ou seja, decair, entrar em colapso, desarranjar-se, desandar, ir ao chão.
A tentativa de pôr a culpa da degringolada geral nos gringos é uma desonestidade, como se sabe. Mais do que isso, é uma mentira etimológica. Ao contrário do que pode parecer aos desavisados, o verbo “degringolar” não tem relação alguma com o substantivo “gringo” (que comentei aqui).
“Degringolar” também não é, como alguns acreditam, uma gíria, uma palavra informal nascida, quem sabe, no vocabulário de malandros da primeira metade do século XX. Trata-se de um termo culto que o português foi buscar no francês no último quarto do século XIX.
Sim, a matriz de “degringolar” é metida a besta: surgido em fins do século XVI, o verbo dégringoler quer dizer, em sua acepção mais literal, “cair em círculos”. Trata-se de uma forma de queda que só ele expressa com tanta concisão, como frisa o Trésor de la Langue Française: “A pessoa ou coisa que degringola parece descrever círculos sucessivos, ao contrário daquele ou daquilo que tomba em queda livre”. Sua raiz é nórdica, ligada ao baixo-alemão krink, “círculo, anel”.
O inglês também foi buscar na mesma fonte francesa o substantivo (pouco usado) degringolade, “declínio rápido, colapso”.
Houve um tempo em que os puristas condenavam o galicismo “degringolar”, propondo em seu lugar “cair, rolar, descer, arruinar-se”. A língua real não lhes deu atenção, claro: a degringolada dos puristas é notícia velha.
Sérgio Rodrigues (escritor e jornalista)

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