sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Não tropeça na língua

NÃO TROPECE NA LÍNGUA nº 159
 3ª Edição 
por Maria Tereza de Queiroz Piacentini * 


Por que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (PVOLP) da Academia Brasileira de Letras (ACL) coloca acento gráfico na palavra superávit sendo que não há regra que o justifique? Agnaldo Martino, São Paulo, SP.

Vamos tratar junto de déficit e hábitat, que configuram a mesma questão. O PVOLP editado em 1999 pela ACL traz os dois registros: superavit - o próprio latim, e superávit, “do latim superavit”. Isso já nos faculta usar uma ou outra forma. O dicionário Houaiss só registra o latim nos três casos. O Aurélio apresenta as formas acentuadas, além do latim habitat. A imprensa prefere a grafia com o acento, porque facilita a leitura. Aliás, a acentuação gráfica nos três vocábulos tem o mero papel de informar a tonicidade. Senão vejamos:

Dé – fi – cit 
Há – bi – tat 
Su – pe – rá – vit 

Como se observa, não é possível afirmar que o acento nessas palavras se justifica porque elas são proparoxítonas, como assim as denomina Napoleão Mendes de Almeida no seu Dicionário de Questões Vernáculas (1981: 305). Se as duas primeiras são proparoxítonas, a última não pode ser. 

PLURAL: superávits, déficits e hábitats 

Em Portugal resolveu-se a pendenga de outra maneira: a grafia de deficit é défice. E superávit? Fui informada de que não é termo vulgarmente usado – preferem “excedente”. Mas poderia e poderá ser aportuguesado como “superávite”, não? 

De minha parte, ainda prefiro as formas acentuadas que estou acostumada a ver em revistas e jornais, mesmo que não haja coerência nessa grafia! 

SUB EXAMINE 

Nos meios forenses é comum a dúvida entre a grafia “sub examen” e “sub examine” quando se pretende dizer que a matéria está sendo examinada ou está “sob exame”.

Já vai longe o tempo em que estudei latim, mas tive condições de verificar a questão baseando-me na locução adverbial in limine (desde logo, no início), originada pelo substantivo limen, que significa “limiar, entrada”; o caso nominativo é limen; liminis o genitivo e limine o ablativo, caso latino que representa as palavras na função de adjunto adverbial, em que aparece uma preposição, como in, sub, de.

Então, como examen e limen pertencem à mesma declinação (neutros da 3ª) temos examen, examinis, examine. Consequentemente, deve-se redigir sub examine. 

HÁBEAS 

O Word acentua automaticamente a palavra hábeas. “Mas latim não tem acento”, surpreendem-se as pessoas. Pois este é um caso parecido com o tratado inicialmente: no Brasil se vulgarizou o uso de “hábeas” como palavra proparoxítona no lugar de “habeas corpus”, que é a expressão latina original e que portanto não levaria nem hífen nem acento. Para que se caracterize o latim em qualquer texto, as palavras devem ser escritas em itálico, entre aspas ou sublinhadas. A imprensa, no entanto, como evita o uso desse tipo de destaque, tem juntado os dois vocábulos com hífen [habeas-corpus] ou utiliza hábeas simplesmente. Recomenda-se que os operadores do Direito usem o termo em latim com o devido grifo.


 Maria Tereza de Queiroz Piacentini

* Diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros “Só Vírgula”, “Só Palavras Compostas” e “Língua Brasil – Crase, Pronomes & Curiosidades” - www.linguabrasil.com.br SUPERAVIT, SUB EXAMINE E HABEAS CORPUS ---

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