sábado, 8 de agosto de 2015

Esperando Godot

(Leonard Cohen)

Há livros onde nada acontece, a rigor: o tempo parece ter parado, a vida dos personagens se arrasta devagar – porque eles estão à espera de algo. Algo que está marcado, profetizado, ou meramente intuído em sonhos ou devaneios. Algo situado no futuro e do qual eles se aproximam a cada segundo. Está vindo. Não precisam fazer mais do que ficar imóveis e esperar o encontro. O tempo é o rio que os leva.  Não precisam remar. Enquanto esperam estão avançando, mesmo lentamente, rumo ao encontro que marcaram ou que foi marcado para eles.



A Fera na Selva (“The Beast in the Jungle”, 1903) de Henry James é uma noveleta naquele estilo introvertido e verbalmente brilhante do autor. Ele narra o reencontro entre um homem e uma mulher. Ela o reconhece logo, ele não, e se surpreende quando ela lhe pergunta: “E então? Já aconteceu, o que você esperava?”. Só aí ele lembra que os dois tinham sido apresentados alguns anos antes e que revelou a ela seu segredo: a vida inteira ele teve a sensação de que alguma coisa formidável ia lhe acontecer, mas não sabia o que seria: “Alguma coisa, fosse o que fosse, jazia à espera dele, por entre os desvios e as curvas dos meses e dos anos, como uma fera agachada no meio da selva”. 



A espera de John Marcher é a mesma de tantos outros personagens de James: solteirões, sóbrios, circunspectos, educadíssimos, presos a rituais e convenções, vendo a vida passar na janela. Seu tema musical poderia ser uma canção como “Waiting for the Miracle” de Leonard Cohen (“Eu estou à espera, dia e noite / não vi o tempo passar / perdi metade da vida. / Houve uma porção de convites / e alguns foi você quem me mandou; / mas eu estava esperando o milagre, / esperando o milagre chegar”.) 



Pode ser a história de um amor irrealizado, mas é mais do que isso, é a percepção de todos os tipos de espera que temos de aprender. Esperar pelo improvável, pelo que foi garantido (prometido, jurado, contratado) mas não se sabe se vai acontecer ou não. Ou esperar pelo desconhecido, como o Godot que os dois vagabundos de Samuel Beckett esperam na beira da estrada em Waiting for Godot. E como tudo na vida é travessia, talvez o que sobrevém aos vagabundos no transcorrer da peça acabe sendo mais interessante e crucial do que a chegada de um Godot talvez indiferente e sem muita coisa para dizer.


Senão, a espera é a vida de John Marcher: “seu pequeno emprego de funcionário público, os cuidados com seu modesto patrimônio, com sua biblioteca, com o jardim de sua casinha no campo, com as pessoas de Londres cujos convites sociais ele aceitava e retribuía”. Uma vida à espera, uma espera que acaba proibindo que o esperado aconteça.

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

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