sábado, 8 de junho de 2013

O "xêro" na educação sentimental do homem

Pitrigrilli, meu cronista italiano cafona predileto, dizia que o amor obedece à seguinte regra de elevação e declínio:
 
Amar é um beijo, dois beijos, três beijos, quatro beijos, cinco beijos… Quatro beijos, três beijos, dois beijos, um beijo…
 
Definição simples que cabe num twitter.
 
O cheiro, não. Vai além do ideal romântico. Pode ser praticado a granel, à paisana, no casamento oficial, no amor clandestino ou no amor que fica.
 
Em busca do Cashmere Bouquet perdido na nuca naquela moça da Adega Pérola.
 
O cheiro é aquele gesto mais animal e infinito, a cafungada no pescoço da amada, a busca por todos os perfumes de Gardênia, a pegada perfeita, o vampirismo sem sangue.
 
O cheiro ou simplesmente xêro, como se diz na lexicografia caseira e no fonema norte-nordestino.
 
Sempre preocupado com esses moços, pobres moços, suplico, em mais este capítulo de educação sentimental, que as mães ou orientadoras repassem tal prática aos meninos.
 
Como faz uma amiga, a Flavia Guerra, Itaquera, SP, que educa um sobrinho para não perder o encanto do cheiro. Para ser um bom homem, diz ela, um homem de futuro. Toda semana ensaia com o guri o básico instinto da cafungada.
 
O cheiro é mais importante até mesmo do que o beijo na boca, essa obviedade que se aprende em qualquer manual de primeiros socorros.
 
Cheirar, não. Cheirar é sagrado. No pescoço, de preferência, no cangote, o melhor pedaço do mapa erógeno.

 
Aspirar até o pó das almas que escorre feito ouro em Serra Pelada no gogó das das raparigas.
 
Cheirar a mulher amada na melhor das horas, segundo Bandeira: às quatro da tarde, quando ela está lindamente dividida entre o perfume das manhãs e os odores naturais da existência. Viver não é limpinho nem tem proteção 24 horas.
 
Sugar ao natural, sugar seja como for, sugar, sugar, baby, sugar o cheiro do sabonete barato e genérico, alfazemas, leite de rosas ou um bem-tratado pescocinho-L´Occitanne.
 
Às vezes nem carece encostar o nariz totalmente, como recomenda o meu amigo russo Gogol.
 
Basta passar por perto.
 
Como no metrô ou no ônibus.
 
No corredor da repartição, na firma, na fila do banheiro, no bar, no basfond, onde o zangão sentir o bafo de uma alma de flores.
 
Fungar…
 
Eis o verbo.
 
Gastar todos os sentidos num só olfato, como um Marcel Proust que, em vez de mimimis e arrodeios, vai ao caroço do abacate, afinal de contas, como dizia o Eduardo Cac, para curar um amor platônico só mesmo uma trepada homérica.
 
Em vez de afrescalhadas madaleines, as vias de fato.
 
Em vez de cheirar a rolha, como um afetado homem-bouquet que prova um vinho metido, degustar pescoços e ventres.
 
No cheiro somos quase vampiros, mas sem caninos, só a fungada.
 
O cheiro é a memória afetiva, o faro a favor do encontro no mapa das cidades depois de perdições cartográficas.
 
Como nunca precisamos reabilitar o cheiro, xêro, com toda a força desse mundo, nada como um cangote cheiroso num baile ou numa pista de dança. Cabelos presos ou soltos.
 
É pela fungada que se mede a inspiração de um homem.
 
Sem se falar naquelas madeixas molhadas no elevador ou naquele Neutrox de fim de tarde na fila da padaria do bairro.
 
Debaixo do black-power ou dos caracóis dos seus cabelos pré-chapinha muita história pra contar, sempre.
 
O xêro é o verdadeiro proustianismo do macho-jurubeba.
 
O resto é beijo de novela.

 
 
 
Xico Sá

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