Pitrigrilli, meu cronista italiano cafona predileto, dizia que o amor obedece à
seguinte regra de elevação e declínio:
Amar é um beijo, dois beijos, três beijos, quatro beijos, cinco beijos…
Quatro beijos, três beijos, dois beijos, um beijo…
Definição simples que cabe num twitter.
O cheiro, não. Vai além do ideal romântico. Pode ser praticado a granel, à
paisana, no casamento oficial, no amor clandestino ou no amor que fica.
Em busca do Cashmere Bouquet perdido na nuca naquela moça da Adega
Pérola.
O cheiro é aquele gesto mais animal e infinito, a cafungada no pescoço da
amada, a busca por todos os perfumes de Gardênia, a pegada perfeita, o
vampirismo sem sangue.
O cheiro ou simplesmente xêro, como se diz na lexicografia caseira e no
fonema norte-nordestino.
Sempre preocupado com esses moços, pobres moços, suplico, em mais este
capítulo de educação sentimental, que as mães ou orientadoras repassem tal
prática aos meninos.
Como faz uma amiga, a Flavia Guerra, Itaquera, SP, que educa um sobrinho para
não perder o encanto do cheiro. Para ser um bom homem, diz ela, um homem de
futuro. Toda semana ensaia com o guri o básico instinto da cafungada.
O cheiro é mais importante até mesmo do que o beijo na boca, essa obviedade
que se aprende em qualquer manual de primeiros socorros.
Cheirar, não. Cheirar é sagrado. No pescoço, de preferência, no cangote, o
melhor pedaço do mapa erógeno.
Aspirar até o pó das almas que escorre feito ouro em Serra Pelada no gogó das
das raparigas.
Cheirar a mulher amada na melhor das horas, segundo Bandeira: às quatro da
tarde, quando ela está lindamente dividida entre o perfume das manhãs e os
odores naturais da existência. Viver não é limpinho nem tem proteção 24
horas.
Sugar ao natural, sugar seja como for, sugar, sugar, baby, sugar o cheiro do
sabonete barato e genérico, alfazemas, leite de rosas ou um bem-tratado
pescocinho-L´Occitanne.
Às vezes nem carece encostar o nariz totalmente, como recomenda o meu amigo
russo Gogol.
Basta passar por perto.
Como no metrô ou no ônibus.
No corredor da repartição, na firma, na fila do banheiro, no bar, no basfond,
onde o zangão sentir o bafo de uma alma de flores.
Fungar…
Eis o verbo.
Gastar todos os sentidos num só olfato, como um Marcel Proust que, em vez de
mimimis e arrodeios, vai ao caroço do abacate, afinal de contas, como dizia o
Eduardo Cac, para curar um amor platônico só mesmo uma trepada homérica.
Em vez de afrescalhadas madaleines, as vias de fato.
Em vez de cheirar a rolha, como um afetado homem-bouquet que prova um vinho
metido, degustar pescoços e ventres.
No cheiro somos quase vampiros, mas sem caninos, só a fungada.
O cheiro é a memória afetiva, o faro a favor do encontro no mapa das cidades
depois de perdições cartográficas.
Como nunca precisamos reabilitar o cheiro, xêro, com toda a força desse
mundo, nada como um cangote cheiroso num baile ou numa pista de dança. Cabelos
presos ou soltos.
É pela fungada que se mede a inspiração de um homem.
Sem se falar naquelas madeixas molhadas no elevador ou naquele Neutrox de fim
de tarde na fila da padaria do bairro.
Debaixo do black-power ou dos caracóis dos seus cabelos pré-chapinha muita
história pra contar, sempre.
O xêro é o verdadeiro proustianismo do macho-jurubeba.
O resto é beijo de novela.
Xico Sá
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