terça-feira, 18 de junho de 2013

E eles saíram do Facebook

O que distingue a época em que eu corria dos PMs montados a cavalo nas ruas centrais do Recife, desta quando escrevo sobre os jovens vítimas da violência da PM de São Paulo, é que há 45 anos vivíamos sob o tacão da ditadura militar inaugurada em março de 1964 e só concluída formalmente em março de 1985. De resto, agora como antes, o que os jovens tentam fazer é somente política. E nada mais.
 
Aqueles obrigados a conviver com a ditadura eram chamados pelas autoridades de subversivos, comunistas e, mais tarde, terroristas. Assim também eram apresentados pela imprensa em geral.
 
Enfrentavam a repressão com paus e pedras e derrubavam cavalarianos com bolas de gude.
(Ilustração extraída do Facebook Sou Designer)
 
Até dezembro de 1968 apenas apanhavam e eram presos por pouco tempo. Dali para frente passaram a ser torturados e mortos.
 
Muitos eram "filhos órfãos de pais vivos - quem sabe... Mortos, talvez... Órfãos do talvez e do quem sabe".
 
 
Ou de "viúvas de maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez", como denunciou o cearense Alencar Furtado, líder do PMDB na Câmara dos Deputados, em discurso que lhe custou o mandato cassado em junho de 1977 pelo presidente-general Ernesto Geisel.
 
Um objetivo unificava as diversas tendências e organizações que atraíam os jovens: a luta pela liberdade.
 
Quando a ditadura tirou a máscara e exibiu sua carranca medonha, os jovens se dividiram entre duas formas de combatê-la: pela via legal do prudente exercício cotidiano da política e pela via armada.
 
Quando a ditadura chegou ao fim, os que ainda eram jovens foram terminar seus estudos e cuidar da vida.
 
O ambiente estudantil, as entidades juvenis que restaram e os partidos que passaram a atuar livremente depois da redemocratização do país foram incapazes de seduzir as gerações que sucederam àquelas sacrificadas ou brutalizadas pela ditadura de 64.
 
Quem se encarregou de fazê-lo foi a sociedade de consumo com todas as suas formidáveis invenções. Os jovens só se animaram a sair às ruas para ajudar a derrubar Collor e a eleger Lula. Desanimaram ao vê-los mais adiante de mãos dadas como bons aliados.
 
As redes sociais começaram a funcionar como seu ponto de encontro e sua tribuna.
 
Manifesto eletrônico tomou o lugar dos antigos abaixo-assinados. Nunca se produziu tanto manifesto como nos últimos 10 anos. Basta colar ali o nome previamente digitado e sair para a balada.
 
Ainda é assim. Talvez ainda seja assim por muito tempo. Talvez esteja deixando de ser assim. É cedo para saber. E, no entanto...
 
No período de apenas uma semana, alguns milhares de jovens marcharam pelas ruas de uma dezena de cidades protestando contra o aumento das passagens de ônibus, os milionários gastos públicos com a Copa do Mundo, e o Estatuto do Nascituro.
 
Foram recepcionados com bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha e policiais furiosos capazes de baixar o cacete em quem apenas a tudo assistia assustado.
 
O epicentro dos protestos foi a capital de São Paulo. Ali, e em mais três ou quatro capitais, esta noite promete novos confrontos entre o novo e o velho, o aprendiz e o sabe tudo, o insatisfeito e o conformado.
 
Pouco importa que os jovens disparem suas exigências em todas as direções sem priorizar nenhuma, que careçam de líderes amadurecidos, e que acolham em seu meio uma minoria de baderneiros e de vândalos.
 
Desde quando foi diferente no passado?
 
Somente a experiência ensina. E não há porque imaginar que os jovens de hoje não aprenderão.
 
Por mais legítimo que seja, o poder existe para ser contestado. Se não for pode virar tirania.
 
A natureza do poder é conservadora.
 
A natureza da rebeldia é destrutiva.
 
O progresso social e humanístico é filho legítimo do eterno confronto entre a rebeldia e o poder.
 
Que assim seja!

 
 
Ricardo Noblat

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