domingo, 9 de junho de 2013

A paisagem da minha infância não ficava em terra, mas no fim da terra – nas frias, salgadas e movediças colinas do Atlântico. Às vezes penso que a minha visão do mar é a mais límpida de todas as coisas que possuo. Recolho-a, exilada que sou, como as roxas “pedras da sorte”, com uma orla branca a toda a volta, que apanhava dantes, ou como a concha de um mexilhão azul, com o seu interior irisado de unha de anjo; e, na rebentação da memória, as cores escurecem e cintilam, todo um mundo primevo respira.
 
Respirar, andes de mais nada. Alguma coisa respira. O meu próprio sopro? O sopro da minha mãe? Não, alguma outra coisa, algo mais vasto, mais distante, mais sério, mais cansado.»


[Sylvia Plath, Zé Susto e a Bíblia dos Sonhos; trad. Ana Luísa Faria, Relógio d’Água 2013]

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